Hoje recebi recordações de uma viagem ao Vaticano. Isso me lembra de um pedido que preciso fazer sempre: dai-me, Senhor, a serenidade dos guardas da Capela Sistina. Diante do inelutável, não lhes atinge o mais leve estremecimento.
Um desavisado pode até sentir pena deles, pois uma das suas missões – quiçá a principal – é falar em tom imperativo, aparentemente em vão, “no photo!” para a multidão de turistas que visitam o lugar e ficam boquiabertos com o trabalho de Michelangelo. Não que a ordem seja inútil, pois quando fui ali houve muitos – eu, inclusive – que não se atreveram a tocar na câmera ou no telefone. Em contrapartida, vi um bom número de registros fotográficos clandestinos e presumo que isso é algo que se repete todo santo dia. Os guardas pareciam conformados com a desobediência, tanto que umas três ou quatro vezes, nos quinze minutos que permaneci no lugar, o “no photo!” serviu como mera reprimenda aos infratores pegos em flagrante. Eu pensei que tais incautos seriam despojados de suas parafernálias – e, quem sabe, torturados e trancafiados em alguma masmorra pelo resto da vida. Mas não houve nada assim. Então percebi que, dado o esplendor da obra de Michelangelo, a proibição de fotografias na Capela Sistina já nasceu destinada ao fracasso. Os guardas sabem disso, e desempenham seu mister tão somente para manter as aparências. Tenho certeza de que eles próprios já tiraram fotos proibidas daquela maravilha de obra. Quis custodiet ipsos custodes? Quem falaria “no photo!” para os homens que falam “no photo!”? Pois é.
Sim, o afresco é uma maravilha. E olhe que Michelangelo fez tudo aquilo de má vontade! A propósito, se o Senhor me permite uma observação em tom de queixa, penso que ter criado o gênio de Caprese foi uma covardia com os simples mortais. De qualquer forma, perdão pelo meu inconformismo. É que, em relação a muitas coisas desta vida, ainda não tenho a serenidade dos guardas da Capela Sistina.
Autor:
Ataíde Menezes