A organização do Estado, tema que mobilizou a trindade da filosofia grega – Sócrates, Platão e Aristóteles -, é, sem dúvida, um dos principais marcos civilizatórios da história humana.
Ali, surge pela primeira vez a figura anônima do servidor público, o servidor da pólis, personagem que, no exercício da função, devotava-se ao interesse coletivo, personificando o Estado, o ente comum, que, sendo de todos, não era privativo de ninguém.
Desde então, o servidor público tornou-se personagem central na organização das cidades e na vida dos cidadãos. Não havia ainda um padrão comum na distribuição das funções nos diversos Estados que, a partir de então, se organizaram.
Somente com o advento da burocracia, a partir do século XVIII, é que se começou a racionalizar a distribuição de funções, em busca de maior eficácia. Max Weber, fundador da teoria sociológica, elaborou um conceito de burocracia baseado em elementos jurídicos do século XIX, concebidos por teóricos do direito.
O termo foi empregado para indicar funções da administração pública, guiadas por normas, atribuições específicas, esferas de competência bem delimitadas e critérios de seleção de funcionários. Designava o aparato técnico-administrativo, formado por profissionais especializados, selecionados segundo critérios racionais, de modo a cumprir com maior eficácia as diversas tarefas dentro do sistema estatal.
Houve, no curso do tempo, em função de governos mais ou menos centralistas, distorções no uso da estrutura burocrática, chegando ao ponto de a burocracia deixar de ser um meio para constituir um fim em si mesmo. Mas essa é outra história.
Cumpre registrar que o advento da burocracia especializou a mão de obra do funcionalismo, favorecendo a que o Estado melhor cumprisse sua missão. Se, em diversas situações históricas isso não se materializou, deve-se à ação política de governos, que, na ânsia por mais poder, distorceram seu papel social e moral.
No Brasil, a modernização do serviço público deu-se tardiamente, ao tempo do Estado Novo, de Getúlio Vargas, nos anos 40 do século passado. Antes, prevaleciam critérios subjetivos, que, no Império, levaram a elite aristocrática a ocupar postos-chaves na administração, e na República, as oligarquias a nomear pessoas com pouco ou nenhum espírito público.
Mesmo assim, grandes figuras da cultura, no Império e na República – entre outros, Machado de Assis, Olavo Bilac, Lima Barreto, Guimarães Rosa, João Cabral de Melo Neto, para citar só alguns –, fizeram do serviço público seu ganha-pão e contribuíram para elevar seu padrão de serviços.
A modernização varguista tornou o Estado atraente aos meios acadêmicos. Estabeleceu carreiras e propiciou remunerações mais dignas. Não obstante o perfil autoritário daquele regime, o Estado passou a funcionar com maior eficácia.
Na sequência, o Brasil se democratizaria e se industrializaria, com o surgimento de empresas estatais de grande porte, como Petrobrás, Companhia Siderúrgica Nacional, Companhia de Desenvolvimento do Vale do São Francisco, Eletrobrás e outras mais. O Estado passa a contar com uma elite funcional, que inaugura uma nova fase desenvolvimento, que chegaria ao apogeu no governo JK. O país, é verdade, beneficiou-se de expressivos financiamentos e investimentos externos. Mas nada disso funcionaria sem a qualificação e a dedicação do servidor, peça-chave para a implementação de qualquer política pública.
Considerando-se os avanços que o Brasil obteve e o papel que o Estado neles exerceu, constata-se que o saldo em favor do servidor público é amplamente favorável.
O Brasil é um país que hoje tem peso no cenário mundial. Possui quadros de alta qualidade técnica no Itamaraty, no sistema bancário (Banco do Brasil, Banco Central, Caixa Econômica Federal, Banco de Brasília e em Bancos Estaduais), nos Ministérios da Economia, Infraestrutura, Educação e em vários postos do Executivo, e ainda nas Forças Armadas, no Judiciário e no Legislativo. Na VALEC e no DNIT sempre usados como exemplos distorcidos por equívocos do passado, temos profissionais de qualidade inquestionável e desenvolvendo projetos e missões de carga elevada de responsabilidade.
Considere-se ainda que, ao longo de todo esse período, houve retrocessos no tratamento dado ao servidor, principalmente atribuindo-lhe responsabilidades que não eram dele.
Mais que isso, tornou-se uma espécie de patinho feio da vida pública nacional, estereotipado como preguiçoso, quando, ao contrário, em grande medida, dá mais do que recebe. O que muita gente desconhece é que a vocação para servir é uma realidade.
Conheço grandes quadros técnicos no serviço público brasileiro que poderiam ter valiosos benefícios e vantagens na iniciativa privada, mas que optaram por servir ao Estado. Realizam-se empreendendo políticas públicas cujos benefícios chegam a milhões, o que não é possível laborando em uma empresa do setor privado.
Na Embrapa e na Emater, por exemplo, há cientistas de primeira linha, em condições de trabalhar em qualquer empresa de ponta do Primeiro Mundo, mas que preferem dedicar sua vida ao Estado. Em todos os segmentos e escalões do serviço público, do mais modesto aos mais elevados, há gente assim, a quem é preciso fazer justiça.
Por isso, para que esse patrimônio não se perca – e, ao contrário, se fortaleça -, é fundamental registrar a importância do servidor público e do seu amor em fazer do trabalho uma verdadeira profissão de fé a serviço de uma coletividade que dele depende.
Autor:
Edmilson Gama a Silva, engenheiro, advogado e tem mestrado em Economia.