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sexta-feira, 14 de fevereiro de 2025

Arroz eterno

Um senhorzinho se aproximou de mim na fila do banco e puxou conversa, daquele jeito que sempre costumam fazer: “- Tá quente hoje, né?”. A gente responde e, a partir daí, o assunto nunca mais acaba.

Outra coisa que também nunca mais acabava, era o arroz que ele mastigava. Sabe aquele grão eterno que fica na ponta da língua de alguns idosos e a gente acaba vendo porque eles mastigam, mastigam, mastigam e depois põem a língua para fora da boca, parecendo até que querem mostrar aquilo para todo mundo, e ele ainda está lá intacto? Como pode uma coisa ser mastigada tantas vezes e nunca acabar? A gente tenta focar na conversa, mas não dá, a nossa atenção fica naquilo, tentando resolver esse mistério.

Ele não parava de falar, e a fila não andava. A fila não andava, e ele não parava de falar. Falava, falava, falava e falava mais um pouco. Eu fingia que estava escutando e entendendo por educação, só balançando a cabeça num “sim” contínuo. Tudo entrava por um ouvido e saía pelo outro. Às vezes eu ouvia um “naquele tempo que era bom”, “na minha época era muito diferente” e outras frases parecidas. Eu estava alí contra a minha vontade, doido para resolver logo um problema na minha conta. Não dava para ficar prestando atenção nas histórias da vida dele.

Finalmente, consegui chegar ao balcão e pegar uma senha para o atendimento. Entrei na sala de espera. Lá, pelo menos, tinha lugar pra sentar. Uma sala cheia de idosos, eram tantos que olhei para a minha senha e pensei que eu é que deveria ter recebido uma preferencial. Hoje em dia ninguém mais vai ao banco, todo mundo resolve tudo no conforto do seu lar, direto do aplicativo de celular, mas as pessoas idosas têm dificuldade com tecnologias e, por isso, as agências de banco passaram a ser quase que exclusivamente para eles. Mas, para o meu azar, a minha conta deu problema, e era do tipo que só dá para resolver pessoalmente na agência.

O senhorzinho, que eu já tinha apelidado mentalmente de Seu Zé do Arroz, como já era esperado, foi chamado antes de mim… preferencial. Tirou um monte de papeis amarelados de dentro de uma daquelas sacolas plásticas recicladas meio acinzentadas que têm um cheiro ruim e pôs na mesa. Começou a falar batendo com a ponta do dedo indicador em cima da pilha de papeis. Pela distância não dava para escutar o que ele dizia, mas dava para ver que falava um pouco e parava para dar mais umas mastigadas no arroz. O atendente olhava fixamente para ele, provavelmente estava prestando bastante atenção no que escutava para tentar ajudar.

Para a minha surpresa, assim que o atendimento do Seu Zé terminou, eu fui chamado. O atendente me desejou boa tarde e perguntou se eu tinha visto o senhor que ele atendeu antes de mim. Eu disse que sim e que tinha conversado um tempão com ele na fila. Ele continuou: “- Você reparou no grão de arroz que ele fica mastigando? Não acaba nunca!”.

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