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sábado, 26 de outubro de 2024

Velhos amigos, idosos e perigosos

A Secretaria de Segurança começou a usar Inteligência Artificial no combate ao crime e garantia da ordem. O algoritmo permite identificar nas redes sociais palavras como Atentado, Eleição, Ataque etc. Quando soou o alerta para um bando procurado há décadas, o chefe do GIF – Grupo de Investigação de Facções – montou a operação para prender os meliantes que planejam se reunir num restaurante na região da av. Paulista. Os agentes vistoriaram o local e instalaram escuta monitorada a partir de uma VAN no estacionamento.

Na data agendada, o gerente amarelou, teve crise de diarreia e foi substituído pelo maitre, que nada sabia sobre a operação. O diretor do GIF pediu ao maitre para acomodar um certo grupo nas mesas previamente grampeadas e não se intrometer.

Eles chegaram perto do meio dia: obesos, magros, carecas e enrugados. Todos são muito amigos e bem formados. Usam codinomes: Linguiça, Bigodon, Bira, Castelo, Danton, Raulino, Randoli, Pastor Fausto, Laércio M, Fernandinho Caspicultor, Pivete (ou Pivoto) e Covic. o Jorginho não veio. Teria abandonado o grupo? Olhando para aqueles idosos, ninguém desconfia.

Falaram sobre futebol, mulher, festas, economia, política, certamente para despistar. Depois relembraram atentados. Na VAN, a inspetora Rafaela e o vigia Leonardo estavam estarrecidos com o que ouviam: Bombas caseiras, Morteiros com retardo, Canhões de Navarone; Sapo morto e dissecado; Pirulão chamuscado (queima de arquivo?); Furto de símbolo nacional; Desvios na Sala de Prendas e Cantina; Trote via telefone público (difícil de rastrear); Ronda natalina para saquear alimentos e bebidas (época em que as famílias estão vulneráveis) e outros ataques.

O GIF não conseguiu levantar todas as fichas criminais. O tal Randoli talvez seja o fabricante de bombas caseiras; Pivoto, traficante de papagaios em Araraquara. Castelo, aliciador de coelhinhas para a Playboy. Danton, o francês revolucionário. Raulino, agitador em Brasília. Covic, perigoso terrorista croata; Bira, Canelada da Várzea; Fausto, Belchior disfarçado; Laércio, produtor de baseado de orégano, Linguiça, carniceiro da Moóca; Bigodon, agenciador de vadias; Gordo, líder da gang Fat Boy; Fernandinho Beira-Praia, chefe da máfia da Prefeitura. Jorginho, exilou-se em Portugal. Todos são profissionais, pois apesar do longo histórico, nunca foram condenados. 

ROTA, Esquadrão Antibomba e Interpol prepararam-se para a invasão, cercaram o perímetro e bloquearam as portas: ninguém entra, ninguém sai. O Diretor do GIF – Ditão Júnior, vasculhou os arquivos do pai e pediu cautela, para não gerar pânico. Ninguém quer o sangue de inocentes.

Para Rafaela e Leonardo, o capeta está em todo lugar, mas é nesse bando que fica o Call Center. Falam de sexo (exploração?), mela cueca com rosto colado (tortura?), catecismo no banheiro (doutrinação?), Hogan, 86 (terroristas?) e outros codinomes. Citaram alguns mentores, ou professores: Carlão, Pistelli, Idea, Myrna, Oséas, Astorino, Deise (a bruxa) e outros. Os agentes de retaguarda vasculharam todos esses nomes, mas nada encontraram.

O bando pediu a conta e o vice diretor Telles decidiu agir. Porém, segundos antes da invasão, Ditão Júnior abortou a operação e convocou reunião no GIF. Ele se lembrou das queixas de seu pai, diretor de um colégio na Zona Leste, que nunca se livrou de um certo bando de alunos. Só conseguiu algumas advertências e suspensões. Ditão Júnior explicou que a IA ainda tem falhas e erros de interpretação. Aquele é apenas de um grupo de ex-alunos, idosos e saudosistas.

Os morteiros eram bombas juninas detonadas no banheiro do cinema durante o filme Canhões de Navarone. Catecismo eram desenhos eróticos do cartunista Zéfiro que viam no banheiro do colégio. Rosto colado não é tortura, mas dançar balada romântica (mela cueca). Sapo dissecado, descarte do trabalho de Biologia. Pirulão, o colega que foi “escorregado” no poço de queima de papel. Maxwell Smart (Agente 86) e Coronel Hogan, personagens de séries da TV. Furto de Símbolo foi empréstimo não autorizado da bandeira do Brasil para comemorar o tri em 1970.  

  • Mas doutor Ditão, eles também discutiram problemas na eleição. Isso não é crime?
  • Nada a ver com eleição. Eles têm problemas de ereção. Todos estão na casa dos 70 anos.

Este texto não é ficção. Fatos, foto e apelidos são reais. São colegas de classe, alguns desde o primário, todos formados, casados, com filhos e netos. Alguns nomes citados são professores inesquecíveis, diretor, vice e funcionários do Colégio. Os CDFs da turma, os malucos, os papudos e os tarados continuam iguais, mas os assuntos involuíram. Antes falavam sobre Super Heróis, Agente 86, futebol, Cuba Libre, bailes e garotas. Depois, restaurantes, artrose e cardiologista. 

Os amigos de seis décadas se encontram periodicamente. No WhatsApp, discutem soluções para problemas da humanidade, política, geriatria e planos funerários. Ninguém os leva a sério, muito menos as esposas. Felizmente! É bom ter amigos de longa data e muitas histórias para contar.

Laerte Temple
Laerte Temple
Administrador, advogado, mestre, doutor, professor universitário aposentado. Autor de Humor na Quarentena (Kindle) e Todos a Bordo (Kindle)

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