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terça-feira, 10 de setembro de 2024

Multiverso e o golpe nosso de cada dia

Tem muita gente que acredita em Universos Paralelos, Multiverso etc., temas que emergem da Física Quântica e da Relatividade Geral. Juca crê que foi deixado na Terra pela nave mãe, após um choque entre universos. É incrível o volume de golpes que ele sofre, o que só faz sentido se tiver vindo de um universo onde não existam golpes.

Tudo começou com o golpe da falsa parteira, que o devolveu ao berçário para não ser presa após sequestrar o bebê. Ao devolver, misturou as etiquetas, e Joaquim Silva virou Abeb Nokano, filho de nigerianos. A troca de bebês foi desfeita, mas não o nome. Para os pais biológicos, ele é Joaquim, ou Juca Abeb Nokano. 

Na escola, foi vítima do golpe do Falso Professor – um veterano fingiu ser docente e cobrou leituras e exercícios. Sofreu assaltos com armas falsas, até que resolveu encarar, mas o revólver era real e ele levou um tiro. No hospital, recebeu telefonema do seguro cobrando pela prótese no braço. Pagou e depois lembrou que o tiro foi na orelha direita, não no braço. Outro golpe.

Conheceu a enfermeira Ester Elisa e começaram namoro sério. Por insistência dela, procurou apoio religioso. Gunter, o pastor alemão, limpou sua conta bancária com o golpe do terreno no paraíso. Juca e Ester decidiram se casar para que Juca Júnior, gerado no leito hospitalar, não fosse filho de pais solteiros. A Cerimonialista é prima da noiva e bem avaliada no Facebook. Bolou um casório incrível: decoração chique, bufê e viagem de Lua de Mel fantástica. Edy Graça, tia de Ester e corretora de imóveis, vendeu um belo apartamento na planta e uma casa na Praia da Armação. Como presente pela compra, ganhou uma linda orquídea. Juca assinou a papelada do financiamento, pagou taxas, seguros, juros antecipados, mas a grana ainda não saiu.

O noivo convidou mais de 180 pessoas, inclusive uns golpistas conhecidos. Sua casa ficou abarrotada de presentes e a conta conjunta com Ester repleta de PIX para a Lua de Mel. No ensaio da cerimônia, ninguém apareceu. No endereço funciona uma funilaria. O dono ofereceu café frio e explicou que todo mês pinta um casamento fajuto no local. Está pensando em fechar a funilaria e abrir um bufê. O movimento anda fraco e o negócio de casamento está em alta.

Como o celular da noiva só caia na caixa postal, Juca foi até a futura residência do casal, mas em vez de um prédio, achou apenas um terreno invadido. Comprou na planta e recebeu só a orquídea. A Praia da Armação foi armação. Em casa, ficou furioso ao notar que os presentes sumiram e a conta bancária do casal está negativa até o limite. Golpe do Baú.

Foi registrar B.O. na delegacia e viu um cartaz “Procura-se”, com a foto da noiva e vários codinomes, inclusive Ester Elisa, filho da falsa enfermeira que sequestrava bebês no hospital.  Sim, a noiva é “filho”. Alfredo é um trans e, por óbvio, nunca engravidou. Golpe da barriga.

  • Você tem de deixar de ser trouxa – disse um dos padrinhos.
  • Como posso fazer isso?
  • Informe-se, leia sobre golpes, mude as senhas. Fique esperto.

Comprou o curso “Como não cair em golpes” e matriculou-se no A.A. – Assaltados Anônimos. Nunca recebeu o link, nem o livro do curso. Tudo golpe, menos o A.A. onde soube que no Brasil tem um golpe a cada 8 segundos. São 7 golpes por minuto, 450 por hora, 120 milhões por ano. Golpes deveriam ser melhor distribuídos pela população! Por que só acontece comigo? – pensou.

O coordenador do A.A, por conta da vivência do Juca como vítima, sugeriu entrar para a política e melhorar as leis contra golpes. Ele gostou de ideia, filiou-se a um partido, gastou uma nota, foi eleito, mas não pode ser diplomado devido à fraude na lei de cotas: não é mulher, nem indígena, nem negro, apesar do nome nigeriano.

Juca decidiu encerrar a temporada terrena. Encomendou adagas para o suicídio, mas não foram entregues. Finou-se de desgosto. Deixou em testamento sua última vontade, paga na funerária: cremação, música clássica e cinzas jogadas em alto mar, de helicóptero. Ninguém compareceu à cerimônia, ao som de clássicos de Pablo Vittar. Não teve helicóptero e as cinzas foram jogadas no gramado. As pessoas, sem saber, pisam naquilo que um dia já foi Juca Abeb Nokano.

Laerte Temple
Laerte Temple
Administrador, advogado, mestre, doutor, professor universitário aposentado. Autor de Humor na Quarentena (Kindle) e Todos a Bordo (Kindle)

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