Quais São as Condições Que Constituem os Discursos na TV, Quanto à Sua Forma e Conteúdo? Qual é o Perfil do Telespectador do Jornal Nacional, Conforme o Editor? O Que é o “Estado-Distraído” dos Telespectadores?
Para analisar como os discursos são produzidos no texto televisivo, é necessário considerar o contexto situacional e histórico de sua produção. Para pensar sobre as condições de produção dos discursos na TV (e da TV), é fundamental conhecer pelo menos três (3) condições que os constituem, tanto do ponto de vista de sua forma quanto conteúdo:
- São constituídos a partir da interlocução simulada da TV entre produtores e espectadores a partir de um jogo de expectativas, criando uma simulação de ato comunicativo;
- São instituídos a partir de lógicas, interesses e finalidades de diferentes ordens (econômica, tecnológica, pedagógica e discursiva) que presidem a enunciação dos produtos televisivos;
- São constituídos por meio da articulação de linguagens diversas (palavras, sons e imagens), características específicas dos textos audiovisuais da TV.
Para explicitar que uma das condições para a produção discursiva na TV (e da TV) é a interlocução simulada, parte-se do pressuposto de que qualquer ato de fala é um elo na cadeia dos atos da fala. Por isso, os textos televisivos são produzidos tendo um direcionamento de sentido; ou seja, são produzidos para um outro e, por essa razão, faz parte de uma interlocução.
Esse processo ocorre entre interlocutores que visam com-vencer um ao outro; isto é, não apenas vencê-lo, mas obriga-lo a partilhar de sua vitória. Assim, nenhuma interlocução pode ser considerada inocente, pois é um jogo de manipulação e de persuasão, cujas configurações são concebidas para não serem percebidas.
No caso específico da TV, apesar da sua produção discursiva ser instituída por uma interlocução simulada – que é praticada através da expectativa que se tem de público por parte da produção – uma dessas regras é o pressuposto de que um certo “estado distraído”, característico do espectador de TV. Por causa desse pressuposto, a maior parte das práticas de linguagem da TV procura capturar a todo momento nossa atenção e nossas emoções, de forma persuasiva.
Por essas regras nunca poderemos afirmar categoricamente se, por exemplo, este “estado distraído” do telespectador é instituinte de suas práticas de linguagem ou se suas práticas de linguagem instituíram esta característica no espectador de TV e, ao que tudo indica, elas se constituem mutuamente.
A interlocução na TV entre pessoas que possam retrucar e responder ao interlocutor e, além disso, não há um único grupo social e cultural, tanto do lado da produção televisiva – pois são muitos os sujeitos envolvidos em qualquer produção de programa televisivo – quanto do lado dos espectadores. Por esse motivo a interlocução se dá a partir de interlocutores imaginários.
Para Vargas ([1]), a ideia de público-alvo é fundamental na produção televisiva, por pautar esta interlocução e essa entidade indefinida pode funcionar como um espelho mágico. “Refletimos nele o que somos pela impossibilidade de capturar o que eles (os espectadores) são”. Há – por parte da produção – uma constante necessidade de contemplar o telespectador como o outro ausente, de controlar os sentidos e presumir como o programa será lido pelo telespectador. Por sua vez, ele não tem condições de viabilizar uma resposta. Assim, produtor e receptor ficam ambos invisíveis, embora não sejam inexistentes.
A autora ressalta que, por um lado, a concepção de público como entidade passiva e incapaz de compreender conceitos complexos, marcava não somente a pedagogia do programa, mas também a linguagem televisual desenvolvida. Mas, por outro lado, ala ressalta que esta concepção também era questionada pelos próprios produtores do programa e, portanto, a “linguagem televisiva desenvolvida” também era atravessada por concepções não hegemônicas de público, revelando “uma constante tensão entre diferentes concepções no cotidiano da produção e, desta maneira, “o programa encontrou sua competência e seus limites.
O mesmo acontece com o “Jornal Nacional” e, a matéria assinada pelo jornalista Laurindo Leal Filho, publicada em 2005 na revista Carta Capital, descreve que Wiliam Bonner, editor chefe, emoldura a “entidade coletiva” que assiste ao programa, em um perfil “Homer Simpson”, personagem dos Simpons. O jornalista comenta a visita que fez à redação do Jornal Nacional:
- “Bonner informa sobre uma pesquisa que identificou o perfil do telespectador do Jornal Nacional, o qual tem muita dificuldade de entender notícias complexas e pouca familiaridade com siglas, como BNDES, por exemplo. Na redação, o telespectador foi apelidado de Homer Simpson, um simpático e obtuso personagem dos Simpsons, o qual é preguiçoso e tem um raciocínio lento. Daí para frente o nome mais citado por Bonner é o do Senhor Simpson ”
“Essa o Homer não vai entender”- diz Bonner – referindo-se a uma reportagem que, segundo ele, o telespectador brasileiro médio não compreenderia.
Segundo Preti ([2]), na produção dos textos televisivos considera-se a categoria e o tipo de audiência, o qual regula não apenas o desenvolvimento do tema, mas também as características da linguagem usada e chama a atenção que, neste tipo de interlocução televisiva nivelando-se os padrões, privilegiam-se as convenções em busca de uma linguagem comum.
Desse modo, esta interlocução simulada sustenta forma e conteúdo na TV (e da TV) e as articulações das linguagens vão se estabelecendo na forma: (a) fragmentada, por se presumir o “estado distraído” do telespectador; (b) recorrente, por também pressupor o “estado distraído”, a passividade e a incapacidade de compreensão de conceitos complexos, pelo telespectador; (c) simplificada, para que as mensagens sejam entendidas pelo máximo de pessoas de diferentes classes sociais; (d) excludente, formadora e padronizada, ao definir um perfil; ou seja, um público-alvo.
Portanto, para produzir a impressão de que os valores dos telespectadores estão sendo contemplados e dissimular a impossibilidade de interação entre o enunciador e enunciado, os programas de TV se utilizam de estratégias para promover outros efeitos de interatividade. E, para que esta simulação de interação se torne mais convincente, os programas buscam construir o efeito de interatividade, solicitando opiniões, dados e a participação dos telespectadores de diferentes segmentos sociais.
Como exemplos, podemos citar a estratégia da conversão do espectador como “parte do espetáculo”, como nos programas de auditório e entrevistas em programas jornalísticos; da apresentação de painéis com opiniões da audiência, como nos reality shows, do oferecimento de outros meios como Internet e telefone para estabelecer a interlocução, como nos links em sites para mostrar que os telespectadores podem interferir no conteúdo e na forma do programa, como no link “Você no Fantástico” no site específico da Rede Globo.
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([1]) VARGAS, Maria Jacinta. “Museus Imaginários: o cotidiano da produção de uma série do programa Globo Ciência”. Dissertação de Mestrado, Rio de Janeiro. Faculdade de Educação da UERJ – Programa de Pós-Graduação em Educação, 2005.
([2]) PRETI, Dino. “A Linguagem na TV: o impasse entre o falado e o escrito”. São Paulo, Companhia das Letras, 1991. P. 232