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sexta-feira, 15 de novembro de 2024

Bicho do mato

No exato momento em que eu enfiei a chave no buraco da fechadura da porta do quarto, e antes mesmo de começar a girá-la para abrir e entrar, tive aquela sensação de jornada completada com sucesso, de missão cumprida, pois ali estava sendo concluído todo um planejamento que envolvia um projeto extremamente importante realizado dentro do prazo estipulado e aprovado em sua totalidade sem ressalvas, condições às quais me propus a recompensar a mim mesmo com um final de semana de descanso naquele hotel fantástico cercado de natureza por todos os lados. Era só mato, cachoeira, silêncio, ambientes rústicos, lareira e tudo mais que não tinha nada a ver com concreto, asfalto, sinais de trânsito, correria e demais perturbações da cidade. Eu queria voltar de lá revigorado, renovado física e espiritualmente.

Assim que entrei, fui direto ao banheiro tomar um banho gelado para me refrescar depois de uma viagem de várias horas. Foi um dos melhores banhos que tomei na minha vida. Agora era só abrir a porta da varanda e sair um pouco para respirar o ar puro e ficar um tempo observando a natureza. Quando pus as mãos nas duas partes da cortina e comecei a puxá-las para abrir, de trás de uma delas, saiu voando um bicho enorme. Ele era tão grande e fazia um barulho tão assustador, parecido com o de um avião caindo, que nem consegui olhar direito para ele e tentar identificar o que era, apenas saí correndo e me tranquei no banheiro. De lá, ficava escutando o barulho que ele fazia enquanto voava pelo quarto e não tinha coragem de abrir nem uma gretinha da porta para olhar.

Depois de horas e mais horas trancado naquele banheiro, olhei no relógio que tinha deixado em cima da pia antes de entrar no banho e constatei que só haviam se passado 10 minutos desde que fiz o check-in. Horas mais tarde, o barulho parou. “Será que ele foi embora?”, “Claro que não, a porta da varanda tá fechada!”. Levei mais algumas suadas horas para tomar coragem e abrir um pouquinho a porta e olhar lá fora, lá dentro do quarto. Primeiro dei umas pancadas na porta, se ele estivesse ali, sairia voando. Nenhum barulho, ele estava pousado em outro lugar. Abri e olhei pela frestinha. Não o achei. Abri um pouco mais e pus a cabeça para fora. Ele estava pousado na porta de entrada. Novamente não consegui identificar o que ele era, eu só conseguia ver aqueles olhos vermelhos de raiva me encarando e aquele sorriso debochado. Era só o que eu via, até mesmo quando eu fechava os meus olhos. Por ali não daria para fugir. “E se eu tentasse correr até a porta da varanda e sair por lá?” Não, por lá também não daria, o tempo que eu levaria para abrir e sair era longo demais, ele poderia voar para cima de mim. Eu estava preso naquele bunker claustrofóbico, desarmado e com o exército de um bicho só à minha espreita.

Com toda a tensão provocada pelo medo, pelo pavor, acabei me esquecendo do basculante. Eu tinha que fechá-lo para não correr o risco de outro bicho desses entrar e… “Espera! E se eu sair pelo basculante?”. Para minha sorte, era um daqueles que tem uma espécie de maçaneta e abre quase todo para fora e não ficava muito alto. Dava tranquilamente para eu subir e passar por ele. Subi na caixa d’água acoplada da privada, dei um pulinho e quase consegui sentar na pedra de granito, mas perdi o equilíbrio e caí de costas em cima do motor do ar condicionado, que ficava na varanda do quarto. Pulei para a varanda do vizinho e bati na porta pedindo socorro e dizendo que tinha ficado preso no banheiro. Ele me disse que eu tinha machucado as costas e que estava sangrando e me ofereceu seu banheiro para lavar a ferida. Enquanto a levava, me dei conta de que estava só de samba-canção. Eu não tinha nem desfeito a mala ainda, só a abri e tirei a cueca para pôr depois do banho. “Bingo!”, era só pedir na recepção para eles buscarem a mala e dizer que não queria mais aquele quarto porque a porta do banheiro estava com defeito.

Enquanto o recepcionista consultava no computador se havia mais algum quarto vago, minha cabeça me disse: “E se entrar bicho no outro quarto também?”. Comecei a torcer para que todos os outros quartos estivessem ocupados, mas havia um, muito maior, mais luxuoso e mais caro. Disse que não tinha mais dinheiro, que não daria para pagar a diferença. Ele me disse que, para compensar o transtorno, o hotel não iria me cobrar mais nada. Sem saída, apelei para o único recurso que me ocorreu, comecei a gritar: “Não fico mais um minuto neste hotel! É muita falta de respeito com o hóspede! Vocês não fazem manutenção?”. Ele me disse que iria chamar o gerente para resolver a situação da maneira que fosse melhor para mim.

Aproveitando a ausência do funcionário, agarrei a minha mala, como se estivesse abraçando, e saí correndo, ainda só de samba-canção, entrei no carro, deixei os vidros fechados e acelerei o máximo que pude em direção ao asfalto, meu caminho de volta à segurança do concreto, dos sinais de trânsito, da correria e das demais perturbações da cidade.

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