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sexta-feira, 15 de novembro de 2024

Traumas complexos e terapias alternativas

Tem gente que, não importa o que faça, dá tudo certo. Outros levam a vida aos trancos e barrancos, mas acabam se dando bem. Porém, há quem só alterne fracassos e derrotas. Não se pode ganhar todas, dizem, mas quem gosta de perder todas?

Balião é um colecionador fracassos. Desabonitado, nariz aquilino, cabeção, barba desgrenhada, deficiente capilar, queixo encolhido e olhar de peixe morto, é uma combinação piorada de Noel Rosa com Pedro de Lara. Desde pequeno, morou só com a mãe, que nunca perdoou a doula por insistir no parto normal. Disse ao guri que o pai morreu do coração, mas esse coração tem nome e sobrenome: Tonhão Xavier, o mecânico por quem ele se apaixonou.

O rapaz tem CNH, mas não dirige. Cheio de traumas, seu carro fica na garagem. Desorientado, consegue se perder até usando Uber. Tem passaporte, mas não viaja por medo de avião. Tentou praticar arco e flexa, mas desistiu após alvejar acidentalmente o instrutor e a si mesmo. Inveja os primos, vizinhos e os amigos que namoram, divertem-se e têm sucesso nos empregos e nos negócios. Inseguro e medroso, é uma biblioteca de frustrações, no trabalho e na vida amorosa. 

Queria ser médico, mas formou-se em Direito. Nos processos seletivos em grandes escritórios, era sempre eliminado nas entrevistas. Como advogado, apelou em um processo no qual seu cliente fora inocentado e o recurso resultou em condenação. Representou uma mulher vítima de tentativa de homicídio pelo marido infiel. Ela foi presa, teve de pagar custas e pensão vitalícia para o ex-marido e a amante. Decidiu empreender, montou vários negócios, mas todos faliram. 

O jeito foi trabalhar na imobiliária da mãe, Dona Cida (Estarrecida de Souza), que administra os imóveis da família. Dominadora, explosiva, sempre dizia: Ainda vou dar um jeito em você, seu imprestável. Pobre Balião! Ela não o contratou como advogado, mas como Assistente, só para assistir. Castradora e ciumenta, quer que ele se divirta e namore, mas espanta qualquer uma que se aproxime. Sabe das limitações do filho e acha que as moças querem apenas os imóveis quando ela morrer. O único lazer de Balião é assistir séries de TV, como Plantão Médico, O Bom Doutor, Chicago Med e outras baboseiras do gênero hospitalar.

Balião tentou suicídio, mas fracassou! Jogou-se de um viaduto, o cinto enroscou no gradil, ele ficou pendurado e foi resgatado pelos bombeiros, com transmissão ao vivo pela TV. Dona Cida quase infartou. Pegou os comprimidos da mãe e tomou 20 drágeas de uma só vez. Eram laxante e ele passou dois dias no banheiro, usou 3 tubos de Hipoglós, perdeu 2 quilos. A diarista cobrou em dobro pela limpeza e ganhou milhares de seguidores postando vídeos no Instagram.

Certa tarde, ele viu dois elementos numa moto assaltando um casal. Quando o carona disparou contra o homem, Balião saltou sobre a moto e nocauteou os dois meliantes. A mulher chamou o Resgate e ele estabilizou da vítima. As séries de TV serviram para alguma coisa. O paramédico até elogiou o modo como cuidou do ferido. O pai da vítima, o famoso psicanalista doutor Sig, foi à imobiliária agradecer quem salvou seu filho e nora. Soube dos traumas de Balião, ofereceu ajuda profissional e garantiu que podia curá-lo.

O doutor Sig o examinou e diagnosticou SiBUA – Síndrome Bipolar Uniformemente Acelerada, algo inédito, inexistente na literatura médica. O processo envolveu terapia holística, sessões de análise, leituras de autoajuda, dinâmicas de grupo e retiros temáticos. O doutor documentou o caso raro e complexo para apresentar em Congressos e publicar artigos na Revista Brasileira de Psicanálise. Para auxiliar na terapia, a nora sugeriu Sibila, amiga meiga, encalhada e com crônica TPM – Transtorno do Poder Máximo. Quem sabe a convivência os ajude. Ao término de uma sessão de relação íntima supervisionada, o doutor perguntou:

  • Sentiu alguma faísca, Balião?
  • Sim, mas acho que foi da arma de choque que ela usou em mim.
  • Tudo bem com você, Sibila? Algum problema?
  • Sabe o que mais dói, doutor? Minha joanete!

A relação evoluiu para algo semelhante ao namoro e chegou o dia do grande teste: fim de semana num Resort especializado em terapia de casais. A expectativa era enorme, mas a viagem foi complicada. Sibila exigiu que Balião dirigisse o carro. Ele tentou se esquivar, mas ela virou uma fera e deu-lhe muitas broncas, safanões e tabefes ao longo do percurso. O plano era conviver um fim de semana, mas após 8 dias sem notícias, Sig e Dona Cida foram até o Resort.

O gerente explicou que na noite de terapia para homens inseguros que sofrem bullying e apanham e mulheres frígidas, briguentas e ciumentas, Sibila e Balião não conseguiam dormir por causa do barulho e resolveram intervir. Ele fez massagem tântrica para elevar a libido das mulheres e ela enquadrou os maricas e ministrou um mini curso de macheza. O barulho mudou, de brigas para gemidos voluptuosos, lascivos, e eles dormiram bem. Nos dias seguintes, todas as mulheres queriam massagens e os homens treinar técnicas de macheza.

Balião e Sibila se casaram e montaram uma clínica para tratar de distúrbios conjugais. Cida faleceu meses depois, em paz, pois viu que Sibila tem condições de cuidar dos bens da família. Ah, e de Balião também. Ao fim da cremação, a nora jogou as cinzas da velha no bueiro e deu a chave do carro ao marido, que ameaçou recusar, mas só até ouvir: Ainda vou dar um jeito em você, seu imprestável! Pobre Balião!

Laerte Temple
Laerte Temple
Administrador, advogado, mestre, doutor, professor universitário aposentado. Autor de Humor na Quarentena (Kindle) e Todos a Bordo (Kindle)

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