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sábado, 16 de novembro de 2024

O que você quer ser quando crescer?

Crianças sonham com várias profissões e mudam de ideia todo dia: professor, bombeiro médico, enfermeira, super herói, jogador, artista. Ninguém sonha ser coveiro, engraxate, garçom de cabaré ou ascensorista, carreira com altos e baixos. Nunca vi uma só dizer que quer ser político e se aposentar com salário integral, que é o que interessa. Isso elas demoram a aprender. 

Hoje, as profissões da moda são virtuais, artificiais e a criança de sonha em ser influenciador, instagramer, tiktoker, ter milhões de seguidores, fama e fortuna rápida. Poucos querem ser empresários, agricultores ou autônomos. Muita dor de cabeça, AVC e problemas cardíacos. Os mais espertos, que não querem trabalho duro, vão para a política.

Mari sempre quis ser educadora, influenciada pela avó que viveu num tempo em que professora era a profissão que 9 entre 10 rapazes sonhavam para suas namoradas. Salário digno, respeito, habilidade para lidar com crianças e longe do assédio de colegas de escritório.

A normalista foi professora substituta, estuda Economia e namora Bento, que cuida das Redes Sociais de um político. Mas aí a avó que a criou, inventou de morrer e Mari teve de se virar sozinha. Bento, agora assessor de senador, chamou-a para morar em Brasília, mas ela queria uma profissão de verdade. Recusou e foi obrigada a trocar o magistério por um emprego na Cia. Pátria, que presta serviços ao Governo. Sofreu mais que joelho de freira na Semana Santa, mas se formou. Bento enricou e namorou muitas militantes em troca de favores políticos.

Tudo corria bem para Mari, até que o governo mudou. A Pátria não entrou no esquema, perdeu o contrato e foi proibida de participar de concorrências. Mari telefonou para o ex namorado, agora suplente de senador.

  • Bento, a Pátria tem décadas de experiência e foi substituída por empresa fundada há 3 meses!
  • É uma empresa de fachada, em nome do filho do senador. É fake, mas aparenta ser legal.
  • É tudo fajuto! Duvido que passem pela homologação.
  • Tranquilo. O Chefe de Homologações é de casa e está na folha de pagamento do Partido.
  • Não há nada de real no governo? É tudo fake?
  • Claro que há. Salário, benefícios, poder. Tudo é real! Hoje comando o Astro, mas o senador vai para o Tribunal no fim do ano e eu assumirei sua vaga.
  • Como você pode fazer isso comigo, Bento? Fui sua namorada!
  • Não é pessoal, querida. Política é assim mesmo. Nada é o que parece.

A Pátria foi investigada pela Polícia Federal, os sócios processados e os empregados demitidos. Mari saiu por aí, desolada, caminhando a esmo, quando viu um artista de rua tocando violão e cantando Michael Bublé em troca de gorjetas. Ela observou de perto e notou algo estranho.

  • Você não está cantando de verdade. Não tem vergonha de enganar as pessoas?
  • Isso é um playback. A gente só finge que canta. É o meu talento. Nada é o que parece.

Sidney, o cantor, pareceu-lhe sincero. Conversaram bastante e Mari falou de seu drama pessoal. Ele sugeriu que ela o acompanhasse até o circo onde trabalha. Não pagam muito, mas dá para o gasto e não precisa ter prática. Mari foi apresentada ao gerente, contratada, levada ao camarim e em poucos minutos estava vestida a caráter, com chicote e cartola, mas sem saber qual era o trabalho. As luzes se acenderam e ela se viu numa arena com vários leões. Travou a ponto de cortar charuto com o esfíncter, mas um leão se aproximou, abriu a enorme boca e disse:

  • Oi Mari. Se acalma. Sou seu amigo Nelson, ex engenheiro da Pátria. Lembra?
  • É você, Nelson? Estou mais assustada que idosa em Montanha Russa! O que você faz aqui?
  • Todos os leões trabalhavam na Pátria. Estávamos desempregados e o Sidney arrumou esse bico. O Palhaço é o Raul, do Jurídico, e a Mulher Barbada é a Sheila, do café. O Sidney controla os rugidos lá no estúdio. Nada é o que parece. Só não dê chicotada na gente, tá!
  • E essa platéia? Pouca gente e nem parecem interessados.
  • São funcionários fantasmas. Batem o ponto, vem para cá passar o tempo e arrumar amantes.

Terminado o show, cada um recebeu R$ 500,00. Mari fez as contas: R$ 500,00 por meia hora de trabalho, R$ 15 mil por mês. É fake, mas é o triplo do eu que ganhava como professora! Então Bento chegou, ladeado por duas periguetes que ele dispensou para ficar a sós com Mari.

  • Bento, o que você faz aqui?
  • Eu comando o Circo Astro, lembra? É um projeto fake, só para desviar verbas da Cultura.

Bento só queria mostrar à Mari a vida que levaria se o tivesse seguido. Ele nunca estudou, mas se deu bem na política. Está rico, será senador e vive cercado de beldades, enquanto os trouxas trabalham duro para pagar impostos, manter o sistema e aposentar com uma miséria mensal.

  • Eu te convidei para morar comigo, mas você preferiu ser professora. Deu no que deu! 
  • Eu preferi ter um trabalho duro, de verdade.
  • Trabalho duro é como tosa em porco: muito grito e pouca lã!
  • Mas mantive minha dignidade, embora ganhasse uma merreca. Agora estou desempregada.
  • Sem ressentimentos? Fica comigo. Tenho algo bem melhor para você: Gerente do depósito de peças de carros que não estavam à venda. Alguns chamam de receptação de carros furtados para desmanche, mas nada é o que parece.
  • Também tenho algo para você – Disse a raivosa Mari enquanto lhe desferia várias facadas.
  • Ei! Isso corta! Não se parece com aquelas facas fake usadas no circo.
  • Nada é o que parece, querido.

Mexe com quem trabalha duro! Vida que segue.

Laerte Temple
Laerte Temple
Administrador, advogado, mestre, doutor, professor universitário aposentado. Autor de Humor na Quarentena (Kindle) e Todos a Bordo (Kindle)

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