Eu dirigia uma hora e meia todo dia até o trabalho, em uma renomada agência de publicidade na cidade. Eram 3 horas de vida perdida dentro do carro, 5 dias por semana, 20 dias no mês. No acumulado do ano, era praticamente o tempo de férias dentro de um carro. Mas era o que tinha, apesar da distância eu gostava do trabalho.
Até que em uma tarde, me chamaram numa sala.
– Nós perdemos o contrato com a empresa e a agência está cortando algumas pessoas da equipe. Você é uma delas Priscila. Obrigada pelo seu tempo conosco. – disse o diretor de arte da agência.
“Tudo bem, vida que segue” – pensei. Só não imaginava que seguiria a 11.637 quilômetros dali.
Diego trabalhava mais de 10 horas por dia no Uber, depois de ter perdido 10 mil reais em operações na bolsa, passou a trabalhar no mínimo 12 horas. Mas tinha “liberdade” de fazer seu próprio horário. E foi pra ele que liguei contando a novidade.
Do meu último dia de trabalho, fomos direto para o shopping comer alguma coisa e afogar as mágoas em uma torre de chopp com 1,5 litros. Bebemos tudo e decidimos sair do país.
Foram 6 meses entre ajeitar as coisas, papelada, visto, entrevista, alguns bicos e umas 3 despedidas até a data da viagem. Depois de mais de 20 horas, chegamos ao destino: em Charleston, na estranha Carolina do Sul. Aguardamos por 4 horas o amigo do Diego que morava lá e iria nos buscar para levar em um quarto alugado que ele tinha conseguido pra gente. Pela internet, sem ver pessoalmente, 4 horas de espera. Começou bem.
Uma hora depois, estávamos na rua da casa onde ficaríamos por um certo tempo. Segundo o tal amigo que nunca tinha ido ver o local pessoalmente, a casa era térrea com alguns tijolos à vista, gramado na frente e uma caminhonete na garagem. Assim como 90% das casas de suburbio daquela cidade, e daquela rua.
Eram dez horas da noite e batemos na porta da casa que tinha a tal descrição. Duas, três vezes batemos na porta e vimos alguem espiando pela janela. Em uns 3 minutos abre a porta e sai para o jardim um homem alto, gordo e grande segurando uma arma e perguntando o que estávamos fazendo ali. Ok, casa errada.
Falando um inglês tupiniquim, explicamos que procurávamos a casa de ” Fred” – não me recordo bem o nome, acho que era esse – então, o grandalhão volta pra dentro de casa, troca a arma por uma lanterna e nos ajuda a encontrar a bendita casa. Que era igual a dele, com a caminhonete na garagem alguns metros à frente.
Alívio por não ter sido baleada já no primeiro dia e por ter um espaço confortável pra descansar da viagem. – foi o que achei, inocentemente.
Tá, nao fomos baleados. Feliz por isso e extremamente decepcionada ao entrar na casa.
O lugar tinha cheiro de barata morta com fungo e roupa suja. Tudo junto. Uma pilha de louça suja se equilibrava na pia de pedra amarelada e uma moça de 1,50 metros de estatura, com o uniforme de trabalho e falando em câmera lenta, veio nos receber e mostrar o quarto que ficaríamos. Foram 30 segundos de conversa até ela voltar pro outro quarto e nunca mais sair.
Se eu consegui descrever o cheiro da casa, o cheiro do quarto era impossível descrever. Estava cheio de coisas de outra pessoa, roupas suadas no chão, uma roupa de cama manchada assim como o colchão. Uma prateleira com tanta coisa que a poeira contornou e desenhou a forma dos objetos que estavam lá. E tinha um pequeno frigobar também que eu não deveria ter aberto. As uvas que estavam lá dentro estavam na última fase de mutação pra virar um alienígena.
Mas estávamos exaustos pra sair dali naquele momento, e por fim, decidimos ficar ali naquela noite. Combinamos de no dia seguinte procurar outro local de qualquer jeito.
De qualquer forma, eu estava de certa forma feliz e alivida por dormir num colchão sujo e não ter levado um tiro.
Era o primeiro passo de uma vida que viria.
Autora:
Priscila Soares