A alfabetização de alunos com necessidades educacionais especiais exige práticas pedagógicas fundamentadas em evidências e alinhadas aos princípios da educação inclusiva. No Brasil, documentos como a Constituição Federal de 1988, a LDB nº 9.394/1996 e a Declaração de Salamanca (UNESCO, 1994) consolidam o dever do Estado e das instituições de ensino de garantir acesso, participação e aprendizagem com equidade. Para estudantes com deficiências, transtornos de aprendizagem ou condições descritas no DSM-V (American Psychiatric Association), torna-se indispensável que a alfabetização seja conduzida por metodologias claras, sistemáticas e sensíveis às particularidades cognitivas, linguísticas e socioemocionais.
Nos últimos anos, parte das discussões educacionais têm apontado para uma revalorização de métodos tradicionais de alfabetização, especialmente os de base sintética, como o método fônico. Esse movimento está relacionado ao crescente número de estudantes com dificuldades persistentes de leitura e ao diagnóstico preocupante do analfabetismo funcional no país. Dados do INAF indicam que uma parcela expressiva da população jovem e adulta apresenta limitações para compreender textos e realizar tarefas cotidianas que envolvem leitura, evidenciando fragilidades acumuladas nos processos iniciais de alfabetização. Além disso, avaliações como a Provinha Brasil e o estudo internacional PIRLS revelam desempenhos aquém do esperado, reforçando a necessidade de práticas mais estruturadas, explícitas e sequenciadas, características centrais dos métodos sintéticos historicamente aplicados no Brasil.
Nesse cenário, o método fônico se destaca como uma abordagem estruturada que oferece previsibilidade didática e forte respaldo empírico. Pesquisas brasileiras demonstram que a instrução explícita das relações entre fonemas e grafemas favorece o desenvolvimento da decodificação, da consciência fonológica e do reconhecimento automático de palavras, competências essenciais sobretudo para estudantes com dificuldades persistentes na aquisição da linguagem escrita. O uso de recursos multissensoriais e fonovisuarticulatórios amplia ainda mais a acessibilidade cognitiva, proporcionando que crianças com déficits de atenção, distúrbios de linguagem ou deficiência intelectual leve tenham mais caminhos para aprender.
É igualmente relevante mencionar que estudos acadêmicos recentes analisam o movimento de retomada das práticas fonéticas no Brasil, interpretando-o como uma resposta tanto aos desafios educacionais atuais quanto à necessidade de políticas públicas de alfabetização pautadas em evidências científicas. Pesquisas discutem, por exemplo, os impactos de abordagens estruturadas na aprendizagem inicial e nos resultados de avaliações nacionais, argumentando que metodologias explícitas podem contribuir para a redução das defasagens históricas de leitura e escrita. Essas análises fortalecem o entendimento de que o retorno a métodos fonicamente estruturados não representa um retrocesso, mas uma tentativa de recuperar bases fundamentais da alfabetização que haviam sido negligenciadas.
“O desenvolvimento das funções psicológicas superiores exige mediações intencionais que considerem o nível de desenvolvimento real e o potencial do estudante” (Vygotsky, 1989, 2001). Essa perspectiva reforça por que metodologias estruturadas, graduais e progressivas, como o método fônico, criam condições mais sólidas para que alunos com necessidades especiais avancem em sua zona de desenvolvimento proximal.
Na literatura voltada à deficiência intelectual, os estudos apontam que clareza metodológica, repetição estratégica, apoio visual e ensino explícito são fatores determinantes para o desenvolvimento da leitura e da escrita. Esses princípios convergem diretamente com o método fônico, que organiza o processo alfabetizador de forma sequencial e compreensível, reduzindo a sobrecarga cognitiva e ampliando a autonomia dos estudantes, inclusive daqueles com síndromes genéticas ou atrasos no desenvolvimento neuropsicomotor.
Por fim, é fundamental reconhecer que alfabetizar alunos com necessidades educacionais especiais não significa apenas aplicar uma técnica, mas integrar ciência, afeto e ética educacional. Como lembra Brandão (1991), educar é um ato profundamente humano. Essa compreensão sustenta iniciativas pedagógicas que articulam estrutura, neuropsicopedagogia e sensibilidade, como a coleção A Liga da Afetividade, desenvolvida pelo Sistema Maxi de Ensino. Ancorada em princípios fônicos e fortalecida por recursos socioemocionais, essa proposta demonstra que metodologias consistentes podem, e devem, caminhar ao lado de práticas que valorizam o vínculo, o respeito e a formação integral da criança.
Assim, quando aplicado em sintonia com os referenciais inclusivos brasileiros, o método fônico não apenas se mostra eficaz, mas se consolida como uma ferramenta essencial para garantir que alunos com necessidades educacionais especiais tenham acesso ao direito inalienável de aprender, ler, escrever e participar plenamente da vida escolar.
REFERÊNCIAS
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