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segunda-feira, 10 de novembro de 2025

“Diga-me com quem tu andas, e te direi quem tu és”!

Saudades dos meus dezesseis anos. Naquela época, tudo era mágico para mim. Eu trabalhava em uma construtora, tinha meu dinheiro, mesmo que pouco, mas dava para as pequenas travessuras de um adolescente. Não esqueço a Sandra, garota mais velha, com aproximadamente vinte e dois anos. Linda. Cabelos e olhos com a cor de jabuticabas. Um sorriso espontâneo que mostrava os dentes brancos como os da moça da propaganda de creme dental. Ah! Saudades!

Eu havia estabelecido uma rotina; saía do trabalho e ia direto para a república onde ela morava. Conversávamos muito. Para ela, eu era apenas um garoto com um bom papo. Mal sabia ela que, para mim, ela seria a namorada ideal. A verdade é que eu sonhava com ela. Mais velha e no terceiro ano de filosofia na USP, uma gênia, se é que pode existir feminino de gênio. Aprendi muito com ela. Pena que só podia ficar somente até as dezenove horas, porque às sete e meia eu entrava na escola, num prédio a poucas quadras dali. Época grandiosa dos supletivos. O governo implantou essa modalidade de ensino para diminuir o número de cidadãos fora das escolas e das universidades. Eu estava feliz, nem tinha consciência de que vivíamos um período de governo militar. Só queria ganhar “o pão nosso de cada dia” e conquistar a Sandra.

Mas essa rotina não durou muito. Certo dia, saí do trabalho e, como sempre, me dirigi ao sobrado, louco para encontrar minha paixão, a Sandra. Só que deu ruim, como se diz hoje em dia. Ao chegar ao sobrado, a porta estava aberta, como sempre. Entrei. Não havia ninguém na parte de baixo. Gritei o nome da Sandra. Silêncio total. Segundos se passaram e uma voz desconhecida disse: “Sobe para o andar de cima!” Eu subi. Dei de cara com uma metralhadora apontada para mim. No canto da parede, a Sandra e todos os meus amigos sentados, todos encostados na parede, grudados um no outro. Todos de cabeça baixa. Quis sentar-me do lado da Sandra, mas o policial bruscamente me empurrou para sentar-me, obedecendo a ordem de chegada. Não se ouvia um pio dos meus amigos. Passados alguns minutos, fizeram com que a gente descesse em fila indiana até alguns carros que estavam estacionados na rua, ali perto do sobrado. Dois a dois, fomos colocados em carros sem placa e sem identificação. Hoje sei para onde nos levaram. Fomos levados para um quartel do exército situado na rua Tutóia, rua famosa aqui em São Paulo.

Ao entrarmos no quartel, fomos colocados em uma sala, da mesma forma que no sobrado, todos encostados na parede. E então, um a um, era levado para a sala de um superior. Acho que um delegado, não tenho certeza da patente dele, caro leitor. Mas sei que se entrava por uma porta – um a um – e ninguém voltava. Quem ficava aguardando ser chamado, suava frio. Finalmente, chegou a minha vez. A Sandra já tinha ido para onde não sei… Quando cheguei na frente do suposto delegado, ele me fitou dos pés à cabeça e, num tom amigável, disse: “Garoto, você apareceu no lugar e na hora errada. Estávamos atrás de um grande traficante de drogas e ele frequentava esta república. Há tempo monitorávamos esse sobrado. Mas estou vendo, pelas suas carteiras de estudante e de trabalho, que você não faz parte da quadrilha. Pode ir embora.” Na mesa dele, havia uma fruteira, ele pegou uma maçã e me deu e disse: “Vá para casa e pense no provérbio – ‘Diga-me com quem tu andas e te direi quem tu és’”. Saí muito nervoso e, sem olhar para trás, e, sinceramente, naquele momento, nem me lembrei da Sandra…!

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