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sábado, 20 de dezembro de 2025

A aliança (im)provável entre Ronaldo Caiado e Ciro Gomes

            Os recentes acontecimentos da política brasileira vão clareando, cada vez mais, a situação eleitoral de 2026, que promete uma disputa presidencial das mais acirradas da história. De um lado, Lula parece ter contido o esfarelamento de sua candidatura à reeleição, com o presente que Eduardo Bolsonaro lhe deu dos EUA, fabricando um inimigo e uma agressão externos. Soma-se a esse o outro regalo do Congresso Nacional, o mesmíssimo que figura na propaganda petista como “inimigo do povo” (muito embora o próprio Lula contradiga esta bobagem seguidamente em declarações em que afirma que o Congresso tem votado “tudo” o que ele precisava que fosse votado). Com um atraso de 15 anos, finalmente entrega a isenção do Imposto de Renda para quem ganha até 5 mil reais mensais, e acena com a ressureição da proposta de fim da escala de trabalho 6×1, a mesma que há alguns meses o Governo fez questão de ver morrer lentamente nos corredores do Castelo democrático, uma vez que estes apelos se apresentam como tábua de salvação para a reeleição. Os congressistas liberaram ainda ao governo espaço fiscal para as demais políticas populistas de quase compra de votos, e já se anuncia luz e gás para todas as famílias de baixa renda para breve.

Do outro lado, com Bolsonaro cada vez mais próximo da cadeia, exterminada que parecia a chance de reeditar a grande coalizão nacional da “democracia” contra o “fascismo”, em benefício de Lula, ganha nova força a hipótese de uma candidatura de um dos filhos ou da esposa de Bolsonaro, a serem lançados aos 45 do segundo tempo, repetindo a estratégia lulista em 2018, quando empurrou o poste que saiu às ruas vestindo máscara de Lula e fazendo da campanha presidencial uma grande carreata de propaganda pela liberdade do ex-condenado. Completamente ineficaz para vencer a eleição, mas muito eficaz para eleger muitos congressistas bolsonaristas e manter o capital político aceso, para o futuro – exatamente como Lula fizera em 2018. Isso explica o recuo de Tarcísio, que não aceitará esta humilhação de ser candidato tampão de última hora, sem possibilidade de construção de unanimidade e coalizão com as forças de centro, o que restringiria demais as suas chances de vitória – não enquanto tem por certa a reeleição no estado mais poderoso do país. A estratégia de Bolsonaro abre espaço para o crescimento de uma candidatura ao centro, da mesmíssima forma com que em 2018 a estratégia de Lula abriu margem para Ciro Gomes atingir a cifra de 13 milhões de votos, sem partido relevante e sem recursos, com uma chapa completamente pura. 2026 pode até repetir a tragédia de 2018, a menos que os fatores novos de Ronaldo Caiado e do União Progressistas joguem as cartas certas. Reparem bem: Caiado, ao contrário de Ciro, está no maior partido do país, com o maior corpo de recursos materiais para conduzir uma campanha vitoriosa. O erro seria findar reduzido a uma chapa pura, sem agregar uma figura relevante de campo político diverso – o que Ciro buscou fazer com Kátia Abreu, que precisou se filiar ao próprio partido de Ciro. A Ciro faltaram recursos, a Caiado, se conseguir manter a sua candidatura pela super-federação, sobrarão recursos. Ciro Gomes poderia ser a Kátia Abreu de Caiado, com muito mais vantagens que aquela ofereceu a Ciro na ocasião.

            A situação das alianças partidárias é igualmente diversa do que era em 2018,  quando os maiores partidos do país escolheram por candidato uma figura desprovida de carisma, apelidado Picolé de Chuchu. É questionável se o candidato tampão de Bolsonaro terá amplos arcos de aliança com partidos do Centro, sobretudo com a criação da Federação partidária entre o PP e o União Brasil, que colocou em alerta tanto o MDB quanto o PSD. Dado o histórico dos partidos e as conversas entre Lula e Rodrigo Pacheco que envolvem o Governo de Minas Gerais, é provável que o PSD se divida e libere suas bases para apoios variados e paradoxais, segundo a lógica de cada estado, como tem sido a tônica da história dos partidos. Em posição similar ficará o MDB, tudo indica, e mesmo se o PT oferecer à Simone Tebet o lugar de Alckmin na chapa de 2026, dando ao PSB o consolo do apoio para o Governo de São Paulo numa batalha perdida com a reeleição provável de Tarcísio (inclusive se for o próprio Alckmin o candidato, embora esta remota alternativa fosse oferecer maior dificuldade ao atual governador do estado. A ver). O UPB, pelo contrário, já acena com uma vontade de protagonismo, e dá sinais de que pretende fazer diferente. Terá candidato? A aposta é alta, pode reduzir o número de congressistas ao escolher mobilizar recursos para uma campanha presidencial que seja vista como fraca, em detrimento do reforço de caixa para as campanhas ao legislativo. Pela mesmíssima razão PSD e MDB raramente tem candidatos ao planalto, senão na posição de vice.

            A grande novidade da candidatura de Ronaldo Caiado, contudo, já apresenta dificuldades em ganhar corpo, não havendo unidade no interior da Federação pelo seu nome, sobretudo no PP. Sendo ainda uma figura desconhecida da maior parte do país, a crescente exposição da sua imagem e os imensos recursos materiais para a sua campanha poderiam pender a balança da disputa, uma vez que ele é carismático, experiente e será reconhecido pelo eleitorado como um governante de pulso firme, capaz de exercer autoridade. Ora, este traço é característico do Bolsonaro, abrindo um flanco neste eleitorado cativo de maneira semelhante com que Ciro Gomes abriu um flanco no eleitorado de Lula, em 2018. Faltaria a Caiado justamente o apelo à esquerda, que só pode ser fornecido por Ciro Gomes. Daí minha intuição de que a candidatura Caiado devesse cortejar, cada vez mais, Ciro Gomes daqui em diante. E Ciro deveria deixar-se ser cortejado e corresponder aos acenos vindouros de Caiado. Deveria mesmo busca-los ativamente, uma vez que Caiado é o único candidato a concorrer, com chances reais de vitória, que tem grande vinculação com o mundo produtivo e com a economia real do país. A vitória de Caiado representará, potencialmente, o fim não só da polarização superficial que esteriliza o país, mas também o fim da hegemonia liberal-fiscalista, recolocando o Estado brasileiro na condição de indutor e fomentador do crescimento econômico planejado. Em outras palavras, Caiado seria a pá com que Ciro Gomes retiraria o entulho que tem estagnado a vida brasileira há já três décadas.

Há inúmeros desafios para esta união pragmática, mas haverá de ser operada, ou a candidatura Caiado dará com os burros na água: Ciro Gomes é o único que pode garantir a Caiado a cifra de 10 por cento dos votos até julho, condição que lhe foi imposta pelo seu partido para bancar a sua candidatura em 2026. Ciro Gomes, de sua parte, tem demonstrado sucessivamente que não veria problema algum em compor como vice em uma candidatura minimamente alinhada com o seu projeto de país. A costura dessa aliança deve ser sustentada, portanto, em compromissos públicos assumidos por Caiado em política econômica. O que sobra é tempo para formulá-los e anunciá-los, nesta sua campanha antecipada. Há que buscar a construção desta aliança, ativamente, o quanto antes. Um bom ponto de partida seria oferecer a Ciro Gomes o Ministério da Fazenda e o controle do Banco Central. Se Caiado for capaz de fazê-lo, teremos o primeiro presidente Candango por nascimento no Palácio do Planalto. Juscelino e Getúlio sorrirão abraçados no éter. Se falhar, 2026 nos dará o último mandato de Luis Inácio, Bolsonaro manterá força no Legislativo e o UPB tenderá a diminuir de tamanho, perdendo qualquer vantagem de que neste momento dispõe na luta com o MDB e o PSD pelo mesmo espaço.

Autor:

João Batista M. Prates[1]


[1] Mestre em Filosofia (UNIFESP, 2022); especialista em Ensino de Sociologia (UFMS, 2022), em Gestão e Controle Social das Políticas Públicas e em Direito Público Municipal (EGC-TCMSP, 2021 e 2023). Possui pós-graduação em Legislativo, Controle Externo e Políticas Públicas no Brasil e em Legislativo, território e Gestão democrática da cidade (EP-CMSP, 2020 e 2023).

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