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quarta-feira, 1 de outubro de 2025

Sobre a Isenção do Imposto de renda e o Congresso Nacional: A Fome dos Pobres e a Indigestão dos Ricos

É curioso ver como, no Brasil, até mesmo o óbvio vira campo de batalha. Afinal, quem em sã consciência poderia ser contra um projeto que é de imposto de renda quem ganha até cinco mil reais por mês? Estamos falando da imensa maioria da população, gente que carrega o país nas costas, que sobrevive entre boletos, carne moída e transporte público lotado. Mas, como sempre, a lógica do bem comum bate de frente com a lógica de um Congresso que parece viver em Marte, ou melhor, nos camarotes dos super ricos que não querem ser incomodados.

O projeto é simples, direto e justo: quem ganha pouco não paga imposto, quem ganha muito paga mais. Simples aritmética de justiça social. Mas é que surge o Centrão, essa entidade amorfa e voraz que tem horror a qualquer coisa que mexa com privilégios. Ao lado deles, a extrema-direita, que defende os bilionários como se fossem os verdadeiros oprimidos da Nação, como se Jeff Bezos precisasse de um fiador moral em Brasília. O resultado? A tentativa de detonar a compensação prevista no texto, ou seja, aumentar a contribuição dos que nadam em piscinas de champanhe para garantir que os de baixo tenham um respiro no fim do mês.

A velha política do “quanto pior, melhor” aparece em cena mais uma vez, impiedosa e cínica. Não interessa aliviar a vida de milhões de brasileiros; interessa ver o governo sangrar para depois posar de salvador com discursos inflamados sobre patriotismo e liberdade. Querem impedir que o projeto avance não porque discordem da ideia de desonerar os mais pobres, mas porque isso compromete o pequeno teatro de terror que monta diariamente para a platéia das redes sociais. Se há fome no prato do trabalhador, paciência: o que importa é o prato cheio no jantar do lobby.

E como se não bastasse, entre em cena a bancada do agro, sempre generosamente com seus próprios bolsos e impiedosa com os de todos os outros. Para eles, a conta não deveria ir para os super ricos, mas sim para saúde, educação e programas sociais. É quase uma comédia macabra: cortar merenda escolar para manter liberdade de jatinhos; tirar remédio de posto de saúde para preservar lucros de exportadores; fechar creches e universidades para que fazendeiros e comerciantes em dólar sigam engordando na sombra. A lógica é clara: a população que lute, enquanto o latifúndio brinda com espumante importado.

A ironia é cruel: deputados que dizem defender a “família de bem” querem manter a mãe de família na fila do açougue, pagando imposto sobre o salário mínimo gourmet, enquanto cegam fortunas imorais. O Centrão e sua turma da extrema-direita posam de patriotas, mas quando chega a hora de escolher entre a mesa do povo e o cofre dos milionários, o garfo corre sempre para o lado dos banqueiros. São os campeões da chantagem, que trabalham projetos de interesse social para depois venderem o desbloqueio a peso de ouro.

O projeto, em sua essência, é a tradução da justiça fiscal: reduzir a carga para quem pouco tem e cobrar de quem realmente pode contribuir. Mas para o Congresso de aluguel, justiça é palavrão, e modernidade fiscal é ameaça. Prefira manter a desigualdade acentuada, para continuar afagando quem engorda suas campanhas e seus cofres. É um teatro grotesco, encenado diariamente no plenário, enquanto lá fora a população sonha apenas com a sobrevivência.

Que fique claro: não é incompetência, não é falta de entendimento. É escolha. Escolha deliberada de dificultar a vida de milhões para manter intacto o conforto de Poucos. O nome disso não é político, é crueldade institucionalizada.

Se dependesse do Centrão, da extrema-direita e da bancada do agro, a justiça tributária seria uma heresia e os pobres seguiriam pagando até pelo privilégio de serem explorados. Mas esse projeto é maior do que as manobras rasteiras e o cinismo de ocasião: ele simboliza uma ideia que já passou da hora de se tornar regra, não exceção. A ideia de que quem tem mais deve pagar mais. Ponto.

Enquanto isso, o Congresso se retruca, com medo de desagradar suas mecenas de terno italiano e chapéu de cowboy. Mas não se iludam: por trás do discurso hipócrita da responsabilidade fiscal, o que há mesmo é responsabilidade com a manutenção de privilégios escandalosos. E nós sabemos muito bem de que lado da história eles decidiram ficar: o lado onde a fome dos pobres é detalhe e a indigestão dos ricos é prioridade nacional.

Manuel Flavio Saiol Pacheco
Manuel Flavio Saiol Pacheco
Doutorando e Sociologia e Direito pela Universidade Federal Fluminense (UFF), Mestre em Justiça e Segurança pela Universidade Federal Fluminense (UFF), Especialista em Desenvolvimento Territorial pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ).. Possui ainda especializações em Direito Tributário, Direito Constitucional, Direito Administrativo, Docência Jurídica, Docência de Antropologia, Sociologia Política, Ciência Política, Teologia e Cultura e Gestão Pública e Projetos. Graduado em Direito pela Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro (UFRRJ). Advogado, Presidente da Comissão de Segurança Pública da 14º Subseção da OAB/RJ, Servidor Público.

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