É curioso ver como, no Brasil, até mesmo o óbvio vira campo de batalha. Afinal, quem em sã consciência poderia ser contra um projeto que é de imposto de renda quem ganha até cinco mil reais por mês? Estamos falando da imensa maioria da população, gente que carrega o país nas costas, que sobrevive entre boletos, carne moída e transporte público lotado. Mas, como sempre, a lógica do bem comum bate de frente com a lógica de um Congresso que parece viver em Marte, ou melhor, nos camarotes dos super ricos que não querem ser incomodados.
O projeto é simples, direto e justo: quem ganha pouco não paga imposto, quem ganha muito paga mais. Simples aritmética de justiça social. Mas é que surge o Centrão, essa entidade amorfa e voraz que tem horror a qualquer coisa que mexa com privilégios. Ao lado deles, a extrema-direita, que defende os bilionários como se fossem os verdadeiros oprimidos da Nação, como se Jeff Bezos precisasse de um fiador moral em Brasília. O resultado? A tentativa de detonar a compensação prevista no texto, ou seja, aumentar a contribuição dos que nadam em piscinas de champanhe para garantir que os de baixo tenham um respiro no fim do mês.
A velha política do “quanto pior, melhor” aparece em cena mais uma vez, impiedosa e cínica. Não interessa aliviar a vida de milhões de brasileiros; interessa ver o governo sangrar para depois posar de salvador com discursos inflamados sobre patriotismo e liberdade. Querem impedir que o projeto avance não porque discordem da ideia de desonerar os mais pobres, mas porque isso compromete o pequeno teatro de terror que monta diariamente para a platéia das redes sociais. Se há fome no prato do trabalhador, paciência: o que importa é o prato cheio no jantar do lobby.
E como se não bastasse, entre em cena a bancada do agro, sempre generosamente com seus próprios bolsos e impiedosa com os de todos os outros. Para eles, a conta não deveria ir para os super ricos, mas sim para saúde, educação e programas sociais. É quase uma comédia macabra: cortar merenda escolar para manter liberdade de jatinhos; tirar remédio de posto de saúde para preservar lucros de exportadores; fechar creches e universidades para que fazendeiros e comerciantes em dólar sigam engordando na sombra. A lógica é clara: a população que lute, enquanto o latifúndio brinda com espumante importado.
A ironia é cruel: deputados que dizem defender a “família de bem” querem manter a mãe de família na fila do açougue, pagando imposto sobre o salário mínimo gourmet, enquanto cegam fortunas imorais. O Centrão e sua turma da extrema-direita posam de patriotas, mas quando chega a hora de escolher entre a mesa do povo e o cofre dos milionários, o garfo corre sempre para o lado dos banqueiros. São os campeões da chantagem, que trabalham projetos de interesse social para depois venderem o desbloqueio a peso de ouro.
O projeto, em sua essência, é a tradução da justiça fiscal: reduzir a carga para quem pouco tem e cobrar de quem realmente pode contribuir. Mas para o Congresso de aluguel, justiça é palavrão, e modernidade fiscal é ameaça. Prefira manter a desigualdade acentuada, para continuar afagando quem engorda suas campanhas e seus cofres. É um teatro grotesco, encenado diariamente no plenário, enquanto lá fora a população sonha apenas com a sobrevivência.
Que fique claro: não é incompetência, não é falta de entendimento. É escolha. Escolha deliberada de dificultar a vida de milhões para manter intacto o conforto de Poucos. O nome disso não é político, é crueldade institucionalizada.
Se dependesse do Centrão, da extrema-direita e da bancada do agro, a justiça tributária seria uma heresia e os pobres seguiriam pagando até pelo privilégio de serem explorados. Mas esse projeto é maior do que as manobras rasteiras e o cinismo de ocasião: ele simboliza uma ideia que já passou da hora de se tornar regra, não exceção. A ideia de que quem tem mais deve pagar mais. Ponto.
Enquanto isso, o Congresso se retruca, com medo de desagradar suas mecenas de terno italiano e chapéu de cowboy. Mas não se iludam: por trás do discurso hipócrita da responsabilidade fiscal, o que há mesmo é responsabilidade com a manutenção de privilégios escandalosos. E nós sabemos muito bem de que lado da história eles decidiram ficar: o lado onde a fome dos pobres é detalhe e a indigestão dos ricos é prioridade nacional.