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segunda-feira, 27 de outubro de 2025

Por que as coisas são como são?

Se tem uma coisa comum aos humanos é a insatisfação, disse o avô ao jovem neto. Quem pouco ou nada tem, acaba se conformando, mas os que têm muito, esses nunca estão satisfeitos. Querem sempre mais e mais. Você duvida? Ouça esta história:

Havia um homem rico, culto, forte e articulado, porém ogro e mal-acabado, chamado Prius. Dançava mal e se vestia pior ainda. Queria ser belo, ter bom gosto e saber dançar. Sibila era muito linda, simpática, mas magra e burrinha. Queria ser inteligente e forte. Brutus era inteligente, dançava bem, mas as mulheres fugiam dele por causa da conversa sem noção. Ele só queria ter bom de papo, para agradar. Todos tinham coisas positivas, mas só se importavam com aquilo que não tinham.

Num povoado próximo, a governante era Phoebe, uma bruxa e vidente que realizava desejos em troca de impostos do povo e taxas dos turistas. Prius, Sibila e Brutus foram se consultar com Phoebe, dispostos a pagar o que fosse para realizar seus desejos. Phoebe tinha um sonho: preparar o povo para viver do próprio trabalho e não depender da bruxaria para atender as necessidades. Temendo perder o ganho com a feitiçaria, Pandora e os demais bruxos se rebelaram e depuseram Phoebe.

Pandora conseguiu ser eleita Bruxa Chefe. Tinha gente bem mais preparada, mas não se interessavam por política ou bruxaria. Era mais cômodo eleger que prometia benefícios sem a pessoa ter de trabalhar. Ela recebeu Prius, Sibila e Brutus para saber dos desejos e realizar a primeira tarefa como Bruxa Chefe. Cobrou muito caro, mas eles pagaram.

  • Sou rico, culto e forte, mas avó traio mulheres pelo dinheiro. Quero ser belo, sensível, ter bom gosto e dançar muito bem – pediu Prius.
  • Me acham bonita e simpática, mas quero ser inteligente, forte e atlética – disse Sibila. Assim, conquistarei muitos admiradores.
  • Eu só quero ter uma boa lábia para conquistar muitas mulheres – falou Brutus.

Na fábula “O aprendiz de feiticeiro”, de Goethe, um velho bruxo deixa sua oficina a cargo de um aprendiz com algumas tarefas para cumprir durante a ausência. Uma delas é buscar água no rio. O aprendiz encanta uma vassoura para fazer o serviço e ele ficar numa boa. A vassoura não parava de trazer água e inundou a oficina. Então o aprendiz quebrou a vassoura, mas cada parte se transformou em nova vassoura e dobrou o volume de água, até que o velho bruxo retornou e desfez o encanto. O aprendiz não dominava a arte de enfeitiçar.

Pandora era esperta, oportunista, mas mal sabia ler e não tinha experiência com bruxaria ou governança. Notou que um forasteiro tinha o que o outro queria e então buscou nas anotações de Phoebe e no Google, como transpor habilidades de uns para outros. Mesmo sem os dotes de bruxaria, tirou de uns, deu a outros e cobrou caro de todos. Deu certo e os três foram embora felizes com as novas habilidades. 

Pandora se proclamou rainha vitalícia e, em vez de reduzir despesas, aumentou impostos e taxas para sustentar os bruxos amigos que empregou para se perpetuar no cargo. O povo trabalhava cada vez mais para manter o governo e os benefícios daqueles que nada faziam. Quem pode, foi embora do povoado e quem perdeu emprego, aderiu aos programas sociais, só que, com menos contribuintes, não havia como sustentar aquele estado de coisas. 

  • E os forasteiros que pagavam para realizar sonhos? – perguntou o neto. Eles geravam dinheiro para o povoado.
  • Pandora dizia que todos eram exploradores, cortou relações e uniu-se aos reis que pensavam como ela.

Os turistas estrangeiros que pagavam carro para a Bruxa realizar seus sonhos, não gostaram do aumento abusivo da taxa. Além disso, Pandora era muita narrativa e pouco resultado. Eles decidiram investir em outros povoados e a receita caiu ainda mais. Sem recursos e sem querer cortar gastos, Pandora endividou o povoado, mas ninguém queria emprestar dinheiro em troca de feitiços duvidosos. 

Pandora aniquilou seus adversários para governar sem oposição e não permitiu a ascenção da novos bruxos. Morreu sem deixar bruxos preparados para o cargo, o povoado foi invadido, dominado e o povo, acostumado aos benefícios, perdeu tudo e foi escravizado.

Prius, tornou-se sensível, de bom gosto, ótimo no Pole Dance e não quis mais saber de mulher. Sibila tornou-se fortíssima, venceu o concurso Miss Músculos, mas nenhum homem a queria. Brutus conseguiu muitas mulheres e logo se casou. Hoje tem uma esposa, duas ex-esposas, três sogras, oito filhos e vive endividado com as pensões.

  • Aprenda, meu neto. Não se deve dar poder a quem não sabe usar. Não se espera o leite derramar para desligar o fogo. Escolha muito bem aqueles que irão te governar.
  • Como é que a gente do povoado permitiu que aquilo acontecesse?
  • As pessoas sempre elegem os piores para os cargos importantes. Acham que alguém tem de fazer algo, mas esperam que outros façam. Agora, chega de história porque eu e seu pai temos de trabalhar duro, pois sua mãe e sua avó gastam muito!
  • Por que vocês não se rebelam e assumem o controle dos gastos?
  • Falar é fácil, fazer é bem diferente. E não se discute com quem manda.

Laerte Temple
Laerte Temple
Administrador, advogado, mestre, doutor, professor universitário. Autor de Humor na Quarentena (Kindle) e Todos a Bordo (Kindle). Crônicas de humor toda sexta-feira, às 10h.

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