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segunda-feira, 27 de outubro de 2025

O amor que contornas as pedras

Ana chegou na casa de nossa mãe toda empolgada para apresentar seu namorado. 

Recordo-me que eu estava no quarto quando ela chegou e eu, como sempre, muito atrasada para ir trabalhar – eu costumava trabalhar de domingo a domingo para ter uma renda extra e, naquele domingo, não foi diferente.

Ao sair do meu quarto, dei de cara com a cena: nossa mãe, como uma investigadora, fazendo todos os questionamentos possíveis e impossíveis para o futuro genro. Confesso que me diverti com aquela cena de ver a saia justa que minha irmã e seu namorado Caio estavam passando perante a nossa mãe.

Ao ver Caio pela primeira vez, nunca imaginei que ele realmente entraria para a família, uma vez que éramos muito simples e morávamos na cidade satélite mais violenta da capital federal, quiçá do Brasil. Mas, percebi que isso não era um problema para Caio, apesar dele morar no outro lado da cidade.

Olhando-o fixamente para avaliar com quem minha irmã estava se metendo, percebi que Caio era um cara muito educado, sorriso largo e frouxo e sempre com uma resposta na ponta da língua. De cara já se notava que ele vinha de uma família com poder aquisitivo melhor que a nossa. Sua forma de se comunicar dava sinais de que ele era um rapaz de valores e princípios e isso me deixou extremamente feliz por ver que Ana havia acertado na escolha de seu par perfeito.

Enquanto nossa mãe dava os infinitos conselhos para eles, percebi o olhar apaixonado de Caio para Ana como se dissesse: case-se comigo agora.

Já Ana, ressabiada do outro lado, esperava as pancadas que a nossa mãe poderia dar a eles durante a sabatina. Era visível a tensão no olhar dela, uma vez que nossa mãe não deixava passar nada batido e podia alterar o tom de voz a qualquer momento. Mas, tudo correu na mais perfeita ordem.

Ana era a caçula da família e sempre foi muito serelepe. Cabulando as aulas para fugir com os amigos da escola, vez ou outra nossa mãe ia buscá-la na rua com o cinto na mão. Nunca imaginei que o freio de mão dela iria chegar em sua juventude de forma tão inesperada, mas, confesso, fiquei muito satisfeita em vê-la traçando um novo rumo em sua vida.

O tempo foi passando e o namoro de Ana com Caio ia de vento em popa até que a nossa caçula decidiu dizer sim àquele rapaz que a encantou desde o primeiro encontro.

Recordo-me que a minha felicidade em vê-la no altar foi tão intensa, que perdi a maior parte da cerimônia, uma vez que as lágrimas não deixavam de rolar por sentir tamanha emoção, afinal de contas ela foi a primeira da família a subir ao altar e esse momento foi inesquecível para mim. Ver nossa caçulinha alí, diante de todos, reafirmando seu compromisso perante ao Universo, foi a imagem mais sublime que poderíamos ter.

Mais de vinte anos se passaram e até hoje é visível o olhar apaixonado de Caio para Ana. 

Quando estamos reunidos, o sorriso largo e as pupilas dilatadas dele para ela são marcas registradas de um casamento sólido e amoroso.

Falar que eles não tem problemas seria uma grande mentira. Claro que eles têm problemas, como não ter? Mas, eles são como água: contornam todas as pedras até encontrar uma nova saída e sempre encontram.

Eu definiria Ana e Caio com uma única palavra: parceria.

Porque é isso que os sustenta há tanto tempo: o olhar cheio de cumplicidade, o riso compartilhado e o cuidado silencioso nas entrelinhas do dia a dia. 

Eles aprenderam que o amor não é feito de promessas eternas, mas de pequenas escolhas diárias: escolher ficar, mesmo quando a vida aperta; escolher rir, mesmo quando o mundo pesa; escolher caminhar lado a lado, ainda que os passos nem sempre estejam no mesmo compasso.

E, quando os vejo juntos, percebo que o amor verdadeiro é isso: duas almas que se reconhecem e seguem, firmes, reinventando o destino a cada amanhecer.

Patricia Lopes dos Santos
Patricia Lopes dos Santos
Escritora, autora do livro "Memórias de uma depressiva", mãe de Sofia, Duda e Átila, me aventuro na escrita, onde me encontro totalmente.

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