Segundo o historiador Plutarco, o general Pompeu, no ano 70 A.C., disse: “Navigare necesse, vivere non est necesse” (navegar é preciso, viver não é preciso), frase repetida pelo poeta Petrarca no século XIV e por Fernando Pessoa, mas com outro sentido. Heitor Mentado leu esse parágrafo na tese de doutorado da prima e não entendeu bulhufas. Mas qualquer que seja o sentido, é muito para sua cabecinha.
Dora Appy Mentado explicou que Pompeu tinha de convencer os marinheiros a levar a carga de trigo da Sicília para Roma, enfrentando as precárias condições de navegação e possíveis ataques piratas. Para levar o trigo à Roma, navegar era preciso, mesmo com risco de vida.
- Viver não é preciso? Se os marinheiros morrem, a carga não chega a lugar algum!
- Mas o sentido é: se alguns não arriscarem a vida, o trigo não chegará a Roma e muitos passarão fome. Navegar envolve correr riscos.
No texto de Fernando Pessoa, explicou a prima, o sentido é outro. Viver não é preciso quer dizer “viver é impreciso”, no sentido de imprecisão, pois a vida não é exata. É imprecisa. É uma aventura.
- Pensei que isso fosse composição do Caetano.
- Ele canta “viver também é preciso”, mas o sentido não é um nem outro. Esse baiano só quer levar a vida na boa, sem preocupações.
O primo agradeceu, mas continuou na mesma. No fim de semana, foi ao Litoral visitar o Zeca e a irmã Lucimar, amigos de infância. Heitor detesta o mar. Enjoa só de passar perto ou sentir o cheiro. Para ele, água é só para beber, tomar banho dia sim, dia não e lavar o carro, no lava-jato. No seu dicionário, os verbos nadar e navegar não existem.
Zeca tem um bar no Iate Clube, onde Heitor conheceu Marina, bela morena curvilínea que trabalha como salva-vidas na orla. Saíram, conversaram e ele soube que para conquistar Marina, terá de parar de beber, fumar e jogar cartas. Ela o convidou para navegar no barco do pai, que é o Comodoro, diretor do Iate Clube. O dilema é: navegar, namorar Marina e morrer no mar, ou viver em terra firme, mas sem a Marina. Heitor procurou Zeca, que lhe deu preciosas dicas para se livrar do vexame.
O Comodoro, a esposa, Marina e uns amigos chegaram ao Clube para navegar e pescar. Antes do embarque, Heitor insistiu nuns drinques e canapés que encomendou. O Zeca caprichou no menu, com ajuda da irmã Lucimar, o único “mar” que Heitor aprecia. Para fazer hora, torcendo para o tempo fechar, ele pediu para o Comodoro lhe mostrar o Clube.
O tempo não fechou e o grupo já ia embarcar quando Lucimar teve convulsões e quase desmaiou. Heitor carregou a moça até o carro para levá-la ao Pronto Socorro. O Comodoro sugeriu seguir com a pescaria e deixar o passeio de barco para mais tarde. E assim fizeram.
- Tudo limpo. Zarparam – gritou Zeca.
- Gostou das convulsões? Fui convincente? – perguntou a alegre Lucimar.
- Excelente e oportuno. Agora vamos vazar logo daqui e procurar uma pousada.
- Direi que vocês foram para um hospital em São Paulo – avisou Zeca.
Mais tarde, Zeca telefonou para Heitor e pediu que ligase a T.V. O noticiário mostrava o barco do Comodoro à deriva e os ocupantes enlameados. O motor engripou, o barco precisou ser rebocado, todos a bordo tiveram diarreia e o lavabo transbordou. Não era lama!
- O que aconteceu com eles?
- Nada. Óleo de Rícino para o motor pifar e laxante no drinque. Com o balanço do mar, é certeza de enjoo e diarreia. Logo estarão bem.
- E as convulsões? Por que o Zeca e eu não tivemos diarreia?
- Tudo encenação e nossos drinques não foram batizados.
Lucimar quer Heitor e o irmão Zeca bolou o plano. Ela sabe que não tem as belas curvas da Marina, que nasceu com baixa resolução e que o amado morre de medo do mar. Heitor queria Marina, mas para isso, navegar é preciso. Só que para ele, viver também é preciso, e longe do mar. Lucimar levou a melhor sobre a bela morena. Estratégia é tudo!
Assim que se casaram, Heitor teve de parar de fumar, beber, jogar e ainda ajudar na faxina. Não era bem o que queria, mas pelo menos vive em terra firme. Seu consolo é que, no escurinho, qualquer Jujuba vira banquete. Aviso aos navegantes: se for navegar, não beba!