Doutorando no Programa de Pós-graduação em Educação pela Universidade Federal de São Carlos. Docente do Centro Universitário Barão de Mauá e Faculdade de Educação São Luís. Professor da Rede Municipal de Ribeirão Preto (SP).
A educação básica no Brasil convive com desafios históricos que afetam diretamente o desempenho escolar: desigualdades socioeconômicas, infraestrutura, defasagens de aprendizagem e altas taxas de evasão e reprovação. Nesse cenário, cresce a compreensão de que a gestão escolar é peça-chave para transformar o insucesso em sucesso, atuando como mediadora entre políticas públicas, professores(as), estudantes e comunidade.
Pesquisas recentes apontam que escolas que adotam práticas de gestão estruturadas, com planejamento pedagógico consistente, monitoramento contínuo e envolvimento das famílias, alcançam melhores resultados, mesmo em contextos de vulnerabilidade (Rezende et al., 2024). Já aquelas que não conseguem organizar processos coletivos e acompanhamento sistemático tendem a registrar maiores índices de fracasso escolar (Rossatto, 2013).
O papel do(a) gestor(a), portanto, vai muito além da administração burocrática. Para Lück (2009), trata-se de exercer uma liderança pedagógica, capaz de orientar professores(as), motivar estudantes e articular ações que promovam aprendizagens significativas. Essa visão dialoga com os princípios de Paulo Freire (2018; 2019), que defendia uma gestão democrática pautada no diálogo e na corresponsabilidade, em que todos os atores escolares participam da construção das decisões e do projeto educativo.
Evidências empíricas reforçam esse diagnóstico. Abrucio (2007) mostrou que escolas paulistas com liderança participativa alcançaram melhores resultados no Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (IDEB). De forma semelhante, Jovino (2023) constatou que instituições situadas em áreas socialmente vulneráveis também podem apresentar desempenho satisfatório quando contam com gestores(as) comprometidos(as) com planejamento, acompanhamento pedagógico e engajamento comunitário.
No entanto, os desafios são significativos. Um deles é equilibrar a autonomia docente com a orientação pedagógica do(a) gestor(a). Até que ponto é possível intervir na prática do(a) professor(a) sem comprometer sua liberdade profissional? Outro obstáculo está em efetivar a gestão democrática em meio às exigências burocráticas que consomem tempo e limitam a participação da comunidade (Oliveira; Lopes; Silva, 2023).
Ainda assim, há consenso na literatura sobre a necessidade de valorização e motivação da equipe docente. Reconhecer o trabalho dos(as) professores(as) e incentivá-los(as) na criação de projetos inovadores aumenta o engajamento e reflete diretamente no aprendizado dos estudantes (Madeiro, 2015). O fortalecimento de um ambiente escolar cooperativo e respeitoso também aparece como estratégia relevante, pois favorece a convivência e o desempenho (Castro, 2024).
Outro ponto crucial é a formação continuada dos(as) gestores(as). Estudos indicam que, para enfrentar os desafios da educação contemporânea, é indispensável que diretores(as) estejam constantemente atualizados em liderança educacional, gestão de pessoas e práticas pedagógicas inovadoras (Almeida; Azevedo; Azevedo, 2018). Essa preparação garante que políticas públicas sejam adaptadas de forma contextualizada às necessidades locais, ampliando as condições para o sucesso escolar.
Assim, ao assumir o diálogo como princípio, a gestão escolar deixa de ser um exercício de autoridade e se torna um espaço de escuta, construção e corresponsabilidade. Nas palavras de Freire, dialogar é “reconhecer o outro como sujeito do processo educativo” — e é justamente esse reconhecimento que pode transformar a escola em ambiente de sucesso.
Esse entendimento amplia o papel do(a) gestor(a): não basta planejar e monitorar, é preciso criar condições para que a comunidade escolar se sinta ouvida, valorizada e corresponsável pelo processo educativo. Quando o diálogo se torna eixo estruturante da gestão, professores(as) têm mais abertura para inovar, estudantes se reconhecem como protagonistas de sua aprendizagem e famílias passam a participar ativamente da vida escolar. É nessa prática cotidiana de escuta e construção coletiva que a gestão democrática se consolida como motor de transformação social.
Assim, a gestão escolar se consolida como eixo estruturante da qualidade da educação. Mais do que organizar rotinas administrativas, cabe ao(à) gestor(a) liderar processos pedagógicos, fortalecer vínculos com a comunidade e promover um ambiente de diálogo e corresponsabilidade. Como concluem Rezende et al. (2024), consolidar uma gestão democrática, dialógica e estratégica é condição essencial para transformar contextos de insucesso em experiências de sucesso.
Dessa forma, o futuro da educação básica depende, em grande medida, da capacidade de cada escola em fortalecer sua gestão. Quando liderada de forma participativa e comprometida, a gestão escolar não apenas melhora índices de desempenho, mas também garante que cada estudante tenha acesso a uma formação de qualidade, crítica e emancipadora.
Referências
ABRUCIO, F. L. Gestão escolar e qualidade da educação: um estudo sobre dez escolas paulistas. São Paulo: Fundação Getulio Vargas, 2007.
ALMEIDA, E. R. de; AZEVEDO, J. R. N. de; AZEVEDO, L. M. de O. Educação básica e gestão da escola pública. Organização: Ana Maria Falsarella. 1. ed. Araraquara (SP): Junqueira & Marin, 2018.
CASTRO, O. C. de. O papel do gestor educacional frente aos desafios da gestão escolar. Revista Acadêmica Digital, n. 73, maio 2024. Disponível em: https://souzaeadrevistaacademica.com.br/revista/73-maio-2024/11-ocy-chaves-de-castro.pdf. Acesso em: 28 ago. 2025.
FREIRE, P. Pedagogia da Autonomia: saberes necessários à prática educativa. 56. ed. São Paulo: Paz e Terra, 2018.
FREIRE, P. Pedagogia do Oprimido. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 2019.
JOVINO, J. R. de S. Ações da gestão escolar como fator relevante para o desempenho no IDEB: estudo de caso da gestão e da aprendizagem na Escola Municipal de Ensino Fundamental Professor José de Anchieta. 2023. Dissertação (Mestrado Profissional em Governança e Desenvolvimento) – Escola Nacional de Administração Pública, Brasília, 2023. Disponível em: https://repositorio.enap.gov.br/jspui/bitstream/1/7586/2/Disserta%C3%A7%C3%A3o%20Jovino%20com%20%20ficha%20catalogr%C3%A1fica.pdf. Acesso em: 29 ago. 2025.
LÜCK, H. Dimensões da gestão escolar e suas competências. Curitiba: Editora Positivo, 2009.
MADEIRO, E. O papel do gestor escolar na motivação do aluno e do professor: demandas e desafios de duas escolas municipais. 1. ed. Rio de Janeiro: PoD Editora, 2015.
OLIVEIRA, E. A. de; LOPES, T. M. R.; SILVA, S. P. Gestão escolar: práticas e repercussões no sucesso escolar. Práticas Educativas, Memórias e Oralidades – Rev. Pemo, [S. l.], v. 5, p. e11418, 2023. DOI: 10.47149/pemo.v5.e11418. Disponível em: https://revistas.uece.br/index.php/revpemo/article/view/11418. Acesso em: 29 ago. 2025.
REZENDE, G. U. de M.; ALVES, C. F.; FABRI, E. V.; GUIMARÃES, G. L. L.; BERNARDO, A. P. M.; DA SILVA, V. B. Gestão escolar e liderança: o papel do diretor no sucesso escolar. ARACÊ , [S. l.], v. 6, n. 3, p. 4959–4972, 2024. Disponível em: https://periodicos.newsciencepubl.com/arace/article/view/1194. Acesso em: 30 ago. 2025.
ROSSATTO, M. A gestão escolar diante das dificuldades de aprendizagem. 2013. Trabalho de Conclusão de Curso (Especialização em Gestão Educacional) – Universidade Federal de Santa Maria, Santa Maria, 2013. Disponível em: https://repositorio.ufsm.br/bitstream/handle/1/694/Rossatto_Marcia.pdf?sequence=1&isAllowed=y. Acesso em: 29 ago. 2025.
Autor:
Mario Marcos Lopes

