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terça-feira, 28 de outubro de 2025

Como a estrutura familiar molda nosso comportamento no trabalho

*Por Damaris Pedro

1. As raízes que seguimos sem perceber

Quando olho para a minha própria trajetória – e aposto que você já fez o mesmo -, percebo que parte de quem sou no trabalho tem muito pouco a ver com a universidade, cursos ou treinamentos… e muito mais com aquilo que aprendi em casa. A estrutura familiar, o nosso “clã” original, deixa marcas, às vezes suaves, outras vezes profundas.


Por exemplo: se você era o filho mais velho, talvez você tenha aprendido desde cedo a “dar conta do pedaço”, pegar responsabilidades, cuidar dos mais novos, e chegar no serviço com esse senso de “alguém que segura o rojão”. Já se você era o caçula, talvez tenha tolerado menos cobrança, sido mais espontâneo – o que no ambiente corporativo pode significar uma abordagem mais leve ou experimental.
Pesquisas mostram que mais de 90% dos colaboradores relatam que as dinâmicas familiares influenciam o trabalho de alguma forma.


Em casa aprendemos padrões de comportamento social: como reagimos à crítica, à autoridade, ao conflito. Em muitos casos, esses padrões são “exportados” para o trabalho sem filtragem consciente. Já vi colaborador que evita chamar atenção do chefe por “perceber que em casa não era visto”, outro que precisa “mostrar serviço” a todo custo porque em casa sentia que sua voz não era ouvida.
O “eu corporativo” e o “eu familiar” dialogam o tempo todo – mesmo quando não queremos. E reconhecer isso é o primeiro passo para entender o nosso comportamento no trabalho de um jeito mais honesto.


Ao fazermos essa reflexão, nosso posicionamento frente à equipe, frente ao líder, frente aos desafios ganha mais consciência. Por que aquela reunião me incomoda tanto? Talvez porque ela remete àquele jantar em que meus pais discutiam e eu fui “pacificador”. Por que eu larguei de fazer perguntas? Talvez porque em casa, perguntar significava ser “incomodado”. Essas raízes, por mais que invisíveis, moldam nosso “arquivo interno” de estratégias sociais.

2. Papéis familiares transferidos para o escritório

Se você parar pra pensar, facilmente reconhecerá entre os colegas de trabalho pessoas que se comportam como aquele “responsável da casa”, como o “rebelde”, como o “pacifista” ou “o que nunca reclama, mas sofre por dentro”. Esses arquétipos têm nome – e têm origens familiares. Em casa, cada membro tinha um papel: cuidar dos pais, mediar brigas, “puxar o bonde”. E adivinhe? No trabalho esses papéis migraram.


Uma reportagem da revista Fast Company Brasil explica que, por exemplo, quem era “pacificador” em casa – aquele que tentava agradar ambos os pais – se destaca no trabalho por mediar conflitos e ouvir bem. Já o “rebelde” familiar se torna o profissional que aponta o que está errado mesmo que isso incomode.
Isso não é ruim, longe disso. Serve como um mapa interno, que traz certas forças e fragilidades. O problema acontece quando o papel familiar se torna rígido, automático, e não “passível de revisão”. No escritório, se você assume sempre o papel de “cuidador”, talvez você acabe ignorando suas próprias metas e se sacrificando. Se você for o “rebelde”, pode ter dificuldade em colaborar ou aceitar limites.


Vale a pena perguntar: “eu estou agindo assim porque esse é o meu ‘eu ideal’ do trabalho ou porque esse é o padrão que eu aprendi em casa e que funciona por inércia?” Esse questionamento abre espaço para escolher conscientemente, em vez de repetir padrões. E isso muda a qualidade dos relacionamentos, do engajamento e até do bem‐estar no trabalho.
Uma empresa que entende isso, que conecta a vida familiar com a cultura organizacional, tem resultados melhores: colaboradores mais engajados, menor turnover.


Então, sim: lembra daquela noite em que você ficou de “vigia” porque os pais discutiam? A pessoa que assume esse papel em casa talvez hoje assuma “vigia” no time, cuide do clima, iniba seu próprio brilho por conta de “ser suporte”. Reconhecer isso significa: posso escolher outro papel. Podemos escolher juntos um novo desenho.

3. Desafios e como transformar essa influência em potência

Reconhecer que a estrutura familiar molda nosso comportamento no trabalho é uma coisa. Transformar essa influência em vantagem — e evitar que ela vire limitação —, é outra. Aqui vão alguns desafios comuns e como podemos lidar com eles de modo prático.

Desafio 1: Repetir padrões sem perceber. Quando você se pega sempre respondendo aos outros, sempre acomodando ou sempre contestando, talvez seja o padrão familiar agindo. Para lidar: tente mapear seus comportamentos recorrentes no trabalho e perguntar “isso me serve ou estou cocriando história antiga?”.

Desafio 2: Sobrecarregar‐se por “lealdade ou dever”. Em famílias onde o papel era “eu cuido”, no trabalho você pode acabar sempre aceitando “mais uma” tarefa, mesmo que comprometa seu foco ou saúde. A dica: aprenda a dizer “não” ou “é demais agora”, reconhecendo que cuidar de si também é trabalho sério.

Desafio 3: Falta de reconhecimento por modos silenciosos de atuar. Se sua estratégia era ficar “nos bastidores” e fazer tudo pra ninguém ver na infância, talvez hoje você trabalhe horas extras, faça além, e ainda sinta que “fiz tudo errado porque não me elogiaram”. A saída: comunique suas entregas, celebre pequenas vitórias, crie rede de apoio que reconheça seu estilo.

Desafio 4: Pressão por provar algo. Quem foi “o filho que precisava mostrar valor” pode entrar no trabalho com a expectativa de que “se não for exceto, não pertenço”. Isso gera ansiedade, esgotamento e pode matar a criatividade. Solução: alinhe com o líder ou com você mesmo que pertencimento não depende de “ser o melhor”, mas de “ser visto, contribuir e crescer”.
Transformar essas influências em potência significa usar o que você aprendeu em casa como insumos valiosos — empatia, resiliência, escuta, coragem — e evitar que se transformem em armadilhas automáticas. Reconhecer que você está no controle do seu comportamento. Que pode escolher conscientemente o papel que deseja exercer, e que a organização também pode apoiar essa reconexão.

Por exemplo: uma empresa que promove eventos onde as famílias dos colaboradores participam, ajuda a criar maior adesão e sentido de pertencimento. No fim das contas, seu valor profissional não depende apenas do que você entrega, mas de como você se compreende e se apresenta — e entender as raízes torna esse processo mais humano e potente.

No fundo, nosso comportamento no trabalho é um mosaico — parte de nós veio da escola, parte veio da casa, parte veio do primeiro emprego. E entre esses elementos, a estrutura familiar ocupa um lugar enorme, silencioso, que influencia escolhas de carreira, estilos de liderança, formas de colaboração e até o modo como encaramos o fracasso.
Espero que, ao ler este artigo, você tenha reconhecido partes suas — talvez tenha sacado “ah, por isso faço isso assim” — e se sinta motivado(a) a olhar para a sua estrutura familiar com curiosidade, compaixão e intenção. Porque, no trabalho e na vida, não estamos apenas repetindo o passado: estamos moldando o futuro, com consciência.

Damaris Pedro é jornalista e assessora de imprensa, especialista em cultura e vive em Curitiba.

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