Pense num cara metódico, crítico, chato e super carente. Esse cara é Alaor D’Eiro. Ele tem mais regras do que os Termos e Condições de Aplicativos, mais carência do que Plano de Saúde, é mais chato do que escutar a Voz do Brasil e critica mais do que político de oposição.
Na escola, contestava os livros, conceitos, mestres, até Pitágoras e seu teorema, mas era pragmático, estudava muito e tirava boas notas: aula é aula, prova é prova. É difícil mudar uma nota via pedido de revisão, mas ele sempre pedia. Muitos professores o aprovavam para se livrarem de Alaor D’Eiro.
As boas notas atraíram colegas para seu grupo de estudo. Eles toleravam a chatice para ter seus nomes nos trabalhos. Um deles, o chinês Lin Pao Chao, realmente se preocupava com Alaor D’Eiro e tentava amenizar as críticas dos colegas.
Na idade em que rapazes e moças começam a se interessar uns pelos outros, as garotas faziam fila para dançar com o Alaor D’Eiro, um legítimo “pé de valsa”. Mas era só pelo prazer de dançar com quem sabe das coisas, sem chance de relacionamento, pois seu papo furado era tão romântico quando o preparo para Colonoscopia.
Alaor demorou a encontrar sua cara metade. Quando se interessava por alguém, aplicava testes de compatibilidade que envolviam psicologia, comportamento social, etiqueta, sociologia e até física quântica. Muitas topavam o teste pela curiosidade, mas desistiam por causa do excesso de baboseira. Ninguém era aprovada e Alaor D’Eiro divulgava os resultados, constrangendo as moças.
Lin Pao Chao sugeriu cadastrar-se num aplicativo, mas para ele, gente dando sopa em site de namoro é como roupa de brechó: surrada, brega ou com defeito, caso contrário não estaria na prateleira. Os testes continuaram e Norma Lisa, uma garota que cochila nas aulas e ronca num Si Bemol irritante, obteve 82% de acerto, pouco acima da nota de corte. Ela aceitou o teste, desde que ele topasse responder o que ela bolou. O desafio intrigou Alaor, que teve os mesmos 82% de compatibilidade, sem jamais desconfiar que fora vítima de fraude.
O casamento foi concorrido, pois muitos queriam conhecer a doida que aceitou ser a esposa de Alaor D’Eiro. Pouco antes da cerimônia, noivo e sacristão discutiram por quê o vinho era só para o padre, não tinha apostila para acompanhar a cerimônia e nem lista de presença para conferir se quem foi à recepção esteve na igreja.
A lua de mel foi outra complicação, pois o casal não parou de apontar falhas nos serviços do hotel, erros gramaticais no cardápio e desalinho nos uniformes. Alaor D’Eiro e Norma Lisa discutiam e contestavam as informações dos guias turísticos, levando dois deles à demissão e um ao sanatório.
Embora as atividades críticas diárias não deixassem tempo para intimidades, Norma voltou da Lua de Mel grávida, o que levou Alaor a criticar a qualidade da água. Alaor Jr. nasceu e o médico assinou a alta em menos de 36 horas, após abaixo assinado do pessoal do berçário. Os pais eram muito chatos e criticavam tudo. Houve muita especulação e apostas sobre o futuro do guri, pois o resultado daquela combinação genética era uma incógnita. Porém, para surpresa geral, aos 8 anos Alaor Jr. cresceu simpático, amigável, prestativo e divertido, conquistando a admiração e o respeito de todos. Norma Lisa intrigou-se, pois Alaor Jr. em nada se parecia com o pai ou a mãe, seja no comportamento, seja nas características físicas.
- Querido, você notou o Júnior não se parece conosco em nada.
- Cada qual é cada qual – respondeu o marido laconicamente.
- Pedi um exame de DNA e o resultado mostrou que não é nosso filho.
- Pois não é mesmo. Lembra que antes de sair da maternidade você foi se maquiar e pediu que eu chamasse a enfermeira para trocar a criança. Ela estava demorando muito, então eu mesmo fui ao berçário e troquei.
- Você nasceu assim ou fez algum curso?
Enquanto Alaor Jr. crescia feliz, em outro bairro, a família, os professores e os pais dos amiguinhos de Lucas Kudo, 8 anos, estranham seu comportamento metódico, crítico, chato e super carente, além de roncar em Si Bemol irritante. Vida que segue.


muito bom como sempre, o professor Laerte realmente é muito criativo