Quando criança, o criativo Oscar A. Mello tentava tirar a meia com o sapato ainda no pé, morder a própria orelha e outras baboseiras. Cresceu, especializou-se em Logística e Distribuição e aposentou-se após 44 anos. Desocupado, seu passatempo é visitar diariamente o Hiperatacarejo, rede que une varejo e atacado. Observa tudo, conversa e pesquisa preços e promoções. Aproveita para flertar com a bela Nena, do Atendimento ao Cliente, que não sabe o que significa flertar.
No Hiperatacarejo, ninguém dá dez passos sem trombar com carros de transporte, escadas, repositores e paletes estacionados junto às gôndolas. Para a operação das empilhadeiras, em pleno horário nobre, todo o corredor é isolado por mais de 20 minutos. Oscar já luxou o dedão num palete e uma caixa de biscoitos caiu sobre sua cabeça. Ninguém merece! Pagar é outro drama. Perde-se mais tempo na fila do caixa do que comprando. Antigamente, lembra Oscar, a reposição de mercadorias era feita à noite, para não atrapalhar o consumidor. Hoje o Hiperatacarejo funciona 24 horas e alguns clientes preferem fazer compras na madrugada para não trombar com o pessoal.
O especialista estudou o processo, deu dicas para expor produtos, organizar a fila do caixa e sinalizar os corredores. Reuniu fornecedores no Café do Lojão, corrigiu a reposição de mercadorias de modo a não atrapalhar o fluxo e redefiniu a circulação de empilhadeiras. Durante oito dias acompanhou a implantação das melhorias e fez ajustes. As mudanças agradaram clientes, repositores, caixas e Aderbal, gerente relapso que sem nada fazer viu o faturamento e seus bônus aumentarem. Oscar é recebido com tapete vermelho e amado pelos clientes.
Com o anúncio da fusão entre Assaki e Hiperatacarejo, os clientes esperam melhorias no atendimento, compras rápidas e agradáveis. A empresa de Consultoria contratada para a fusão enviou um trainee recém-saído da faculdade e das fraldas para inspecionar a loja. O arrogante rapaz, nariz empinado, óculos fundo de garrafa, camisa de mangas curtas, gravata lisa e Tablet nas mãos, chegou cedo, xeretou, fotografou e, ao notar alguém orientando um repositor, quis ver seu crachá e o bate-boca começou.
- Crachá? Para com isso guri! Sou cliente antigo e consultor voluntário. Eu que consertei as bagunças desta loja por puro diletantismo.
- Aqui só trabalham pessoas treinadas e especializadas. E você não é uma coisa, nem outra.
- Então por que vocês não contratam gente competente?
- O senhor é muito abusado, cheio de mi mi mi.
- Se eu gostasse de mi mi mi, comprava um gato gago.
O rapaz chamou a Segurança e expulsou o aposentado, sem dar ouvidos aos apelos dos clientes e funcionários. Aborrecido, Oscar passou a comprar no Pão de Sal, loja “gourmet”, mas é tudo muito caro. É por isso que aposentado CLT não compra em mercado gourmet. Num dia quente, ele desmaiou no Pão de Sal e foi internado. Teve mais gente visitando Oscar no hospital do que clientes no Hiperatacarejo.
Após a Consultoria, a loja foi reestruturada e melhorou para pior. Voltaram as enormes filas no caixa e as trombadas entre clientes e repositores. O Resgate foi chamado três vezes para socorrer vítimas de atropelamento por empilhadeira. A prefeitura interditou o Hiperatacarejo, que desabou durante um vendaval. Quase ninguém sentiu falta da loja.
Oscar A. Mello teve alta e foi até o local, hoje estacionamento. Mais contrariado que gato no cabresto, soube que o gerente é o Aderbal e nem precisou entrar para ver a desordem: fila para estacionar, para pagar e longa espera para ter o carro certo de volta. A ordem é custo baixo, lucro alto e os clientes que se danem! Mas o pior de tudo foi ver Nena enrabichada com Aderbal. Ela merece coisa melhor.
Esta crônica é ficção, mas toda e qualquer semelhança com atacarejos reais não é mera coincidência. Visite qualquer um deles e verá. Leve lanche, kit de primeiros socorros, tenha paciência e cuidado com as empilhadeiras. O pessoal dirige como motoboys. Vida que segue!


A juventude e novos conhecimentos nem sempre se sobrepõem à experiência.
Realmente. E logo a I.N. (imbecilidade natural) dominará tudo.
Você descreveu uma tarde de compra real no Atacadão.
Você também vai lá?
Mais uma recomendação: muito cuidado na esteira rolante!
Deixe bastante espaço pra pessoa da frente sair e não causar engavetamento!
Todos são assim. Bem lembrado, Ita. Esqueci da esteira rolante e da briga de foice para conseguir um carrinho.