Era uma tarde de outono quando Marília foi surpreendida pelo entregador de correspondências com um presente delicado e personalizado. Junto com o presente, um bilhete escrito à mão com os dizeres: “Para a mulher mais encantadora que conheci.”
Marília enrubesceu por alguns instantes e, de cara, soube de quem veio aquele presente tão inesperado: Cleber.
Cleber conquistou o coração de Marília desde o primeiro instante que o viu, era o que ela afirmava a si mesma diante do espelho todos os dias.
Carinhoso e gentil, deixava claro para Marília o tanto que ela era importante para ele e o quanto queria ter um relacionamento sério com ela. Mas, Marília, muito observadora, percebia que tinha algo nele que ela ainda não compreendia.
No auge de sua adolescência, Marília se desdobrava entre a segurança que Cleber lhe proporcionava e sua paixão enrustida por Humberto, um carinha da turma da bagunça que conquistou o coração dela.
Humberto era o oposto de Cleber. Faceiro e pilantra, era o malandro que toda mulher desejava ter, nem que fosse para passar raiva.
Cleber, obviamente, desconhecia essa paixão oculta que Marília sentia por Humberto e investia todas as suas fichas nela e Marília correspondia, mesmo que em seu íntimo soubesse que estava dividida entre a segurança de um e aquela paixonite do outro que, segundo suas convicções, era uma verdadeira furada.
Mas, Marília, por mais que tentasse, não conseguia se desvencilhar de Humberto. Ele, com seu jeito matreiro de ser, conquistava o coração dela e, por mais que parecesse não querer nada sério com ela, apenas uns momentos fortuitos, não deixava de estar presente na vida dela todo santo dia. Tudo o que ele fazia ou deixava de fazer, ele comunicava à ela. As coisas mais importantes ou bobas eram levadas ao conhecimento dela, o que a deixava confusa e ao mesmo tempo alimentava a paixonite aguda que sentia por ele. Entretanto, Marília dosou tudo e viu que era uma cilada ficar na companhia de Humberto. Com muita sabedoria, conseguiu se afastar dele e concentrou suas emoções em Cleber apenas.
Cleber, alheio à escolha que Marília fizera, pediu-a em namoro e era muito atencioso, principalmente no mundo virtual. Marília foi observando atentamente o comportamento de Cleber e algo a deixava com a pulga atrás da orelha: ele sempre tinha algum impeditivo para estar ao lado dela. Os encontros esporádicos, com hora certa para ele ir embora, foi deixando Marília ressabiada e ao mesmo tempo inconformada.
Enquanto ela tinha tempo todo livre de Humberto, conversas sem fim, presença ativa, de Cleber ela tinha apenas a sensação de que pertencia a alguém e isso não lhe bastava, uma vez que era incompleta a relação.
Passaram-se alguns meses e Marília arrastava o sentimento de querer mais de Cleber. Ela tinha certeza do que sentia por ele, mas por mais que ele a fizesse se sentir especial, não se doava por inteiro, não a fazia sentir borboletas no estômago, não engrenava. Ela, a todo custo, tentava dizer para si que um relacionamento era assim mesmo, mas que custo isso teria a longo prazo? Até quando ela ia suportar se contentar com o pouco tempo que ele tinha para ela? Até que ponto ela estava disposta a esperar pelo tempo dele? As respostas vieram e não foi bom o cenário.
Diante do espelho, olhou-se com ternura e tomou uma decisão que mudaria todo o contexto de sua vida atual: conseguiu pôr um fim no relacionamento com Cleber e se viu sozinha. Mas, em seu íntimo, estava mais feliz do que se tivesse optado por estar com uma pessoa que a fazia se sentir mais uma na multidão e outra que não se doava por inteiro.
O tempo foi passando e a vida, ah, a vida, prega surpresas a todo momento. Quando Marília menos esperava, conheceu João que chegou como um tsunami na vida dela e mostrou o quanto ela poderia se sentir verdadeiramente completa ao lado de alguém e ela teve a certeza de que seu sexto sentido estava afiado em relação às paixões de outrora: foi necessário abrir mão de paixões fortuitas para se ter um grande e intenso amor.
Ela, agora, definitivamente, estava certa que havia valido a pena as decisões que ela havia tomado para ter o grande trunfo em sua vida: a beleza encantadora de ser verdadeiramente especial para alguém sem medo de ser feliz.