O desejo de escapar da rotina urbana levou dois jovens enamorados a buscarem refúgio em meio à natureza. Depois de muita pesquisa na internet, encontraram um sítio afastado, a cem quilômetros do formigueiro de concreto, mais dez em estrada de terra, e ali, em um pequeno chalé, esperavam encontrar a paz que ansiavam. O imóvel era tão singelo que, visto de fora, lembrava uma casinha de bonecas: varanda diminuta, sala e quarto conjugados, uma cozinha compacta. Mas era o lago à frente, tão vasto e silencioso, abraçado por uma floresta densa e úmida, que parecia guardar segredos ancestrais. Ali, bem longe das sirenes e do caos, eles finalmente sentiam o alívio de estarem fora do alcance da civilização.
Logo após se instalarem, partiram por uma trilha que levava a uma cascata oculta. O frescor das águas batendo nas pedras, o vento lançando gotículas no rosto, o tempo diluído entre beijos e risos: tudo era perfeito. Só ao cair da noite retornaram ao chalé, onde algo estranho os aguardava — poças de água no piso da varanda, inexplicáveis e silenciosas. O céu estava estrelado, não havia sinais de chuva. Trocaram olhares de surpresa, mas afastaram o pressentimento de perigo. Prepararam um lanche, assistiram a um filme de terror na pequena televisão, e só o sono interrompeu o eco das cenas sangrentas.
A madrugada, porém, trouxe inquietude. Um som incomum — passos pesados, e arrastados — vindos da varanda. Alarmados, acenderam as luzes. Ana permaneceu na cama enquanto o namorado, de lanterna em punho, saiu para investigar. Lá fora, pegadas molhadas e lamacentas desenhavam um caminho sinistro ao redor da casa. O medo se insinuou, mas tentaram racionalizar: talvez fosse o caseiro, perdido na noite. Voltaram para a cama, buscando nos braços de Orfeu algum consolo.
Pouco depois, novos ruídos. Mais uma vez, ele enfrentou a escuridão, desta vez levando consigo uma faca, o coração disparado. Ana, trêmula, só conseguiu sussurrar: “Tenha cuidado.” Lá estavam, de novo, as marcas de pés cheios de lama, como se alguém — ou algo — caminhasse incansável à volta do chalé. Ao contornar a casa, um vulto muito alto e esbranquiçado disparou em direção ao lago. Em um instante, o som de um “tibum” cortou o silêncio. A figura fantasmagórica mergulhara nas águas negras, que engoliram o segredo em um redemoinho gelado.
O sono não voltou. O dia amanheceu e, com os pássaros em coro, tentaram encontrar explicação. Procuraram o caseiro, relataram o ocorrido. O homem, perplexo, limitou-se a dizer que, tempos atrás, um senhor de sessenta anos havia morrido afogado naquele mesmo lago, num fim de semana comum como tantos outros.
Atordoados, fizeram as malas e partiram, sentindo, pela primeira vez, alívio ao encontrar o burburinho e o caos do trânsito paulistano. Os sons das ambulâncias, antes insuportáveis, agora soavam como trilha de segurança. O sítio, um paraíso à primeira vista, revelara-se palco de um mistério que jamais esqueceriam. E, ao chegarem em casa, só restava um pensamento: enfim, estavam a salvo — ou assim queriam acreditar.