Quando se trata de pagamento de custas judiciais, ao menos no âmbito do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, há uma nítida inclinação de rejeição de interpretações legais e factuais mais indulgentes aos jurisdicionados que pedem sua dispensa. Neste contexto, interpretações irrazoáveis e mesmo a desconsideração do texto legal são, infelizmente, muito comuns.
Alguns exemplos podem comprovar essa tendência, no limite, um tanto quanto arbitrária: Apelante que goza da gratuidade de justiça interpõe recurso especial contra acórdão. No exame de admissibilidade do recurso, advém despacho determinando que o preparo do recurso especial fosse recolhido – e em dobro – porque o juízo que havia deferido gratuidade de justiça era o estadual e as custas do recurso especial, por ser direcionado ao Superior Tribunal de Justiça, teriam natureza federal e, portanto, o juízo não teria competência para dispensá-lo.
Não se olvide, ainda, das inúmeras decisões que insistentemente se negam a respeitar a legislação vigente acerca da dispensa do adiantamento de custas pelo advogado nas ações cujo objeto é o recebimento de honorários (art. 82, § 3º, CPC, incluído pela Lei nº 15.109/2025) e, também, da devassa que se exige daqueles que buscam gozar dos benefícios da gratuidade de justiça sem qualquer justificativa fática que infirme a verossimilhança da declaração de hipossuficiência exarada por pessoa física.
Há poucos dias, mais um despacho judicial trouxe certa estranheza e hesitação acerca da legalidade e mesmo constitucionalidade de seu conteúdo. Esse despacho determinava a inclusão no cálculo do débito o valor das custas processuais que não haviam sido pagas por conta de benefício de justiça gratuita deferida ao exequente. A fundamentação utilizada foi o Comunicado Conjunto nº 951/2023 do Tribunal de Justiça de São Paulo, especificamente em seus itens 10 e 11. Vejamos a redação dos itens:
A Presidência do Tribunal de Justiça e a Corregedoria Geral da Justiça COMUNICAM aos Senhores Magistrados, Dirigentes e Servidores das Unidades Judiciais do Estado de São Paulo, Ministério Público, Defensoria Pública, Procuradorias Municipal e Estadual, advogados e público em geral que, em decorrência das alterações na Lei n° 11.608/2003, a qual disciplina a cobrança de custas no âmbito do Tribunal de Justiça de São Paulo, deverão ser observadas as seguintes diretrizes para apuração e cobrança de taxa judiciária e despesas processuais:
(…)
10. Nos casos em que o autor ou exequente, por força de gratuidade ou outra hipótese, tenha sido dispensado do adiantamento, os valores da taxa judiciária e das demais despesas pendentes, inclusive aquelas atinentes às fases anteriores do processo, deverão ser incluídos no demonstrativo de débito para que sejam cobradas concomitantemente com o valor da execução.
11. Na hipótese do item 10, obtida a satisfação por meio de constrição judicial ou depósito judicial, os valores da taxa judiciária e das demais despesas que não foram oportunamente recolhidos deverão ser deduzidos do valor depositado em juízo, devendo atentar-se a unidade judicial por ocasião de eventual levantamento.
(…)
Noutros termos: incumbiu-se à parte, atribuição da Procuradoria do Estado, que é a representação judicial do Estado (art. 132 da CF) e, ainda, a cobrança da dívida ativa do Estado (art. 3º, V, da Lei Complementar Estadual nº 1.270/2015, no caso do Estado de São Paulo).
O mais grave é que essa exigência também consta da própria Lei Estadual nº 11.608/2003, consoante redação do parágrafo 13 do art. 4º, acrescentado pela Lei Estadual nº 17.785/2023: “Ao dar início à execução, o exequente incluirá no demonstrativo de débito a taxa prevista nos incisos III e IV do presente artigo”.
O autor ou o exequente atua na defesa de seus interesses e apenas destes, conforme previsto no art. 18 do CPC. Não possui, portanto, interesse e legitimidade para efetuar cobrança de custas judiciais por ele não antecipadas por razão de deferimento de gratuidade de justiça gratuita ou outro motivo.
A cobrança das custas nas execuções civis decorre exatamente do dispêndio que o vencedor foi obrigado a fazer para acessar a jurisdição. Logo, em antecipando as custas e sendo vencedor na demanda, tem título executivo contra o executado e atua em seu legítimo interesse de ser ressarcido destas custas e despesas processuais. Já na hipótese de não as ter antecipado por dispensa legal (gratuidade de justiça ou qualquer outra), não tem interesse e legitimidade para atuar como procurador ou advogado do Estado em busca de tributos devidos e não pagos.
Lembramos, ademais, que o art. 22 da Constituição Federal fixa que “Compete privativamente à União legislar sobre: I – direito (…) processual (…)”, de modo que a lei estadual não poderia conceder legitimidade ativa extraordinária ao exequente para cobrar tributos juntamente com seu crédito.
De outro lado, a inscrição na dívida ativa é condição sem a qual não se admite execução de créditos públicos, sejam eles tributários ou não. Nesse sentido, dispõe o art. 2º da Lei nº 6.830/1980: “Constitui Dívida Ativa da Fazenda Pública aquela definida como tributária ou não tributária na Lei 4.320, de 17 de março de 1964, com as alterações posteriores, que estatui normas gerais de direito financeiro para elaboração e controle dos orçamentos e balanços da União, dos Estados, dos Municípios e do Distrito Federal”. E mais: apenas a dívida inscrita em dívida ativa goza de presunção de certeza e liquidez, autorizando, portanto, sua cobrança judicial (art. 3º da Lei nº 6.830/1980).
No caso da cobrança formulada pelo autor que antecipou custas, ele não cobra o tributo em si, mas a antecipação dele.
Prescinde de inscrição em dívida ativa, porque o pagamento das custas está comprovado nos autos e sua certeza e liquidez decorre da própria sentença que condena “o vencido a pagar ao vencedor as despesas que antecipou” (CPC, art. 82, § 2º). Logo, uma coisa é cobrar o ressarcimento da custa judicial antecipada. Outra completamente diversa é substituir a procuradoria na inscrição e cobrança desses tributos devidos e não pagos.
A nós, convence muito a interpretação de que o Comunicado Conjunto nº 951/2023 do TJSP, especificamente no que tange aos itens 10 e 11, padece de ilegalidade e inconstitucionalidade que, entretanto, têm sido complacentemente ignoradas pelo Tribunal de Justiça de São Paulo e, então, resta a OAB-SP ou a alguma outra entidade legitimada, discutir a validade da medida do TJ-SP e a própria constitucionalidade da previsão do art. 4º, § 13 da Lei Estadual nº 11.608/2003.
Autor:
Lucas Pedroso Klain, Advogado em São Paulo. Especialista em Direito Tributário e Direito Processual Civil.