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terça-feira, 30 de setembro de 2025

Dividir o Brasil: o grande plano mirabolante de quem acha que preconceito pode ser projeto de país

Paulo Bilynskyj só esqueceu de convidar Dom Pedro II, Lula, e quem sabe até Lampião, para esse momento histórico em que o Brasil, finalmente, conhecerá o milagre da tesoura ideológica – o corte salvador entre o Norte ‘errado’ e o Sul ‘superior’, dignos do clube restrito dos que sabem votar ‘certo’. O deputado, num surto de genialidade, sugere que, se não for possível banir o Nordeste da urna, que tal banir da geografia mesmo? Talvez responda à angústia existencial de quem acorda todo dia com a insuportável certeza de que os baianos e amazonenses teimam em existir e exercer cidadania como se fossem… brasileiros.

Nada mais natural para um parlamentar com um currículo de violência, reações agressivas e toda a delicadeza de um bloco de concreto em cima do dedinho do pé – já são episódios com jornalistas e denúncias no currículo, porque, afinal, quem nunca confundiu democracia com MMA de quinta categoria? Seu discurso, longe de ser ‘novidade’, é apenas mais uma reprise do clássico da extrema direita: culpabilizar o pobre, o nordestino, o caboclo, e chamar reação de “vitimismo”. Separar o Brasil com régua e compasso, condenar o Norte ao exílio, e celebrar o Sul como polo civilizatório é só mais uma dessas ideias geniais que servem para acalmar os egos magoados de quem perde eleição e precisa culpar alguém que não esteja do lado do espelho.

Só não vale dizer que é preconceito, hein? Isso seria ofensivo, claro: o preconceito não é exclusivo, é institucionalizado, legitimado na retórica do “eles são o atraso, nós somos o progresso”. De que lado está o ódio? Bilynskyj responde com a naturalidade de quem já cruzou todas as linhas de civilidade: do lado de quem grita, ameaça e agride, tudo em nome de um projeto de país em que Brasil é só Brasília – desde que os eleitores estejam com CPF avalizado no CEP ‘certo’.

E enquanto Bilynskyj sonha com seu Brasil dividido, valeria lembrar do que diz Roque de Barros Laraia, respeitadíssimo antropólogo brasileiro. Na obra “Cultura: um conceito antropológico”, Laraia desbanca qualquer ideia tosca que queira medir civilidade ou cultura pela régua do preconceito. Para ele, toda cultura tem uma lógica interna que deve ser compreendida em seu próprio contexto, sem julgamentos etnocêntricos que hierarquizem povos e tradições. Afirmar que uma cultura é “melhor” que outra ou que certos povos possuem “graus diferentes de civilidade” não passa de um equívoco profundo e uma visão ultrapassada baseada em ignorância e burrice epistemológica — para utilizar um termo acadêmico que provavelmente Bilynskyj nem sonha em compreender. Medir cultura e civilidade com a régua do etnocentrismo é um desastre conceitual, pois a cultura é um processo dinâmico e complexo, fruto da história e interação humana, e não um termômetro de competência ou valor intrínseco de grupos sociais. Talvez o recorte cognitivo do deputado o impeça de assimilar essa realidade, algo que é tristemente comum em políticos do mesmo viés, que navegam pelo mundo com lentes enviesadas e preconceituosas, incapazes de transcender seus estreitos horizontes ideológicos.

Não é preciso separar o Brasil: basta continuar ignorando metade dele, como sempre fizeram. Mas chamar isso de “união nacional” seria irônico demais até para Carnaval. Que tal um desfile separatista? Convide o deputado para puxar o trio – só não esqueça de avisar que caboclo, nordestino e amazônida também sabem cantar, votar e resistir. Se isso não for Brasil, nada mais

Manuel Flavio Saiol Pacheco
Manuel Flavio Saiol Pacheco
Doutorando e Sociologia e Direito pela Universidade Federal Fluminense (UFF), Mestre em Justiça e Segurança pela Universidade Federal Fluminense (UFF), Especialista em Desenvolvimento Territorial pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ).. Possui ainda especializações em Direito Tributário, Direito Constitucional, Direito Administrativo, Docência Jurídica, Docência de Antropologia, Sociologia Política, Ciência Política, Teologia e Cultura e Gestão Pública e Projetos. Graduado em Direito pela Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro (UFRRJ). Advogado, Presidente da Comissão de Segurança Pública da 14º Subseção da OAB/RJ, Servidor Público.

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