
Perder um amigo é experimentar um vazio que, por vezes, se assemelha a um abismo. Quando esse amigo é ilusório, construído entre brumas de fumaça e silêncios preenchidos, a ausência se torna ainda mais complexa: mistura-se à dúvida, à nostalgia, ao alívio e à culpa. Caminhar quase seis décadas ao lado de um companheiro invisível, mas sempre presente, é criar laços profundos com algo que nunca teve carne, mas sempre foi corpo. O cigarro, esse velho confidente, durante anos me fez companhia nos meus momentos de tédio, nas noites longas e nos instantes em que o mundo parecia exibir apenas o seu lado árido.
O ritual de acendê-lo era quase sagrado, um gesto que marcava o início de uma pausa, uma suspensão do tempo. O bailado da fumaça, translúcida e imprevisível, parecia coreografar pensamentos dispersos, acalmar tempestades internas, embalar inquietudes. Era uma dança silenciosa e íntima, onde apenas quem fuma compreende que a fumaça consola e hipnotiza. Na ponta dos dedos, o calor do cigarro tornava-se símbolo de força, de uma destemida resistência ao cotidiano banal. O tédio, com ele, parecia não ter lugar.
Porém, a vida cobra caro por companhias assim. A cada tragada, um acordo silencioso se desenhava: minutos de paz em troca de anos de saúde. Era uma moeda injusta, mas difícil de recusar. O preço pago, no entanto, começou a pesar mais que o consolo oferecido. O corpo, sábio, começou a sinalizar a urgência da despedida. Médicos, amigos, a própria voz interior repetia o óbvio tantas vezes negado: o paraíso prometido era, na verdade, um labirinto de venenos, onde a saída podia significar vida ou, na demora, significava a morte lenta de partes antes vibrantes.
A decisão de abandonar esse amigo não foi súbita, nem indolor. Trata-se de uma saudade acompanhada de uma estranha liberdade. A ausência do desejo incontrolável, que por tantos anos guiou gestos automáticos, revela um novo território a ser explorado: o do tédio genuíno, do silêncio que não busca subterfúgios, do desconforto que pede outros modos de cuidado. É aprender a habitar o próprio vazio, a conviver com as pequenas inquietações sem recorrer a um consolo fugaz.
Ainda não é simples. O antigo amigo, embora agora distante, permanece em algumas esquinas da memória, acena nas horas vazias, sussurra promessas de prazer e segurança. Mas a cada dia sem acendê-lo, constrói-se uma nova narrativa: a de quem reconhece o valor de permanecer, de quem opta pela vida, mesmo que ela ofereça o tédio e o desconforto entre as suas pausas.
Despedir-se de um amigo ilusório é, talvez, abrir caminho para que outros encontros sejam possíveis: com a saúde, com o tempo, consigo mesmo. É reconhecer que alguns vazios não precisam ser preenchidos, apenas vividos. E, nessa travessia, descobrir uma liberdade que, por tanto tempo, pareceu inalcançável.