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sexta-feira, 26 de setembro de 2025

Autismo e educação infantil: por que a matrícula escolar não garante inclusão real?

Atualmente, cerca de 1,77 milhão de estudantes com alguma deficiência estão matriculados no ensino básico, segundo o Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep), que inclui a educação infantil, ensino fundamental e médio. Este número abrange deficiências intelectuais, físicas, auditivas, múltiplas, autismo, surdez, baixa visão e superdotação. 

Ao buscarmos sobre o Transtorno do Espectro Autista (TEA), o Censo Escolar 2023, divulgado em 2024, mostra que o Brasil registrou 636.202 matrículas de estudantes com TEA na educação básica, representando 35,9% das matrículas na educação especial.  

Entre 2022 e 2023, o número de pessoas no espectro autista matriculadas em salas de aula comuns cresceu 50%, saltando de 405.056 para 607.144, também de acordo com o  Censo Escolar. Enquanto os números de matrículas de crianças com deficiência crescem exponencialmente, a qualidade da inclusão ainda enfrenta desafios estruturais significativos.

O contexto se torna ainda mais relevante com a recente divulgação do IBGE de que foram identificadas 2,4 milhões de pessoas com autismo no Brasil, dados coletados pela primeira vez, confirmando a necessidade urgente de políticas públicas efetivas para a educação infantil inclusiva. 

“Esses números revelam um paradoxo brasileiro: temos uma das maiores populações autistas do mundo e um crescimento expressivo nas matrículas, mas ainda lutamos para garantir que essa presença física na escola se transforme em desenvolvimento real. O salto de 50% nas matrículas em salas comuns é animador, mas precisamos questionar: essas 636 mil crianças estão realmente incluídas ou apenas inseridas? A diferença entre matrícula e inclusão efetiva é o que determina se estamos cumprindo nosso papel social ou apenas estatísticas,” analisa a Vice Presidente Clínica da Genial Care, rede de cuidado de saúde atípica especializada em crianças autistas e suas famílias, Thalita Possmoser.

Os números da exclusão ainda persistem  

Em relação à escolarização, o IBGE aponta que cerca de 26% de pessoas com deficiência entre 0 a 14 anos ainda estão fora da escola. O mesmo dado é confirmado pela Unicef, no relatório Cenário da Exclusão Escolar no Brasil, apontando uma necessidade de ampliar o acesso e permanência dessa população nas instituições de ensino.

Quando se trata de inclusão, a maioria das pessoas com deficiência já está matriculada em classes comuns da rede regular de ensino, o que demonstra um avanço rumo a uma educação mais inclusiva. Na educação básica, por exemplo, é cada vez mais comum que estudantes da educação especial compartilhem o mesmo espaço das turmas regulares.

“Mais do que garantir matrícula, precisamos entender que cada indivíduo neurodivergente aprende de formas diferentes, e isso exige adaptações reais no dia a dia escolar. Sem formação adequada para os educadores e recursos de apoio individualizado, o risco é que esses pequenos permaneçam invisíveis dentro da sala de aula, mesmo estando presentes. Temos que parar de tratar a inclusão como algo complementar ou opcional. Ela é parte do direito à educação e precisa ser pensada desde o planejamento pedagógico até a organização da rotina escolar, para que todos tenham espaço para se desenvolver plenamente”, analisa Possmoser.

Infraestrutura escolar 

Dados do Instituto Rodrigo Mendes revelam que o país apresenta um crescimento expressivo do número de matrículas de crianças com deficiência na Educação Infantil, na Creche, 526,9%; e na Pré-Escola, 528,1%.

Apesar do crescimento nas matrículas e inclusão, persistem desafios como a infraestrutura escolar inadequada: 27% das escolas brasileiras não possuem itens de acessibilidade essenciais de acordo com o Painel de Indicadores da Educação Especial do Instituto Rodrigo Mendes (IRM), o que impacta diretamente a inclusão plena. 

A legislação brasileira garante diversos direitos às pessoas com deficiência. O projeto de lei aprovado pela Câmara dos Deputados em novembro de 2023 garante o direito de atendimento educacional especializado para estudantes com autismo, por exemplo, seja na rede de ensino privada ou pública. No entanto, a implementação prática dessas garantias ainda enfrenta resistências.

Além disso, educação especial é pautada na inclusão e no atendimento especializado dentro das escolas regulares, sendo que políticas públicas recomendam que essas crianças frequentem as turmas comuns sempre que possível, com suporte adequado para suas necessidades específicas.

Formação de professores e ausência de mediadores: os principais gargalos 

Para além da infraestrutura física, dois dos maiores desafios apontados por especialistas estão diretamente ligados aos recursos humanos: a formação dos professores e a escassez de mediadores escolares qualificados. Embora o número de autistas em salas comuns tenha aumentado significativamente, muitos docentes ainda relatam insegurança e despreparo para lidar com as especificidades do TEA.
“Grande parte dos cursos de licenciatura não oferece conteúdos específicos sobre neurodiversidade, autismo ou práticas pedagógicas inclusivas. Os professores acabam aprendendo na prática, muitas vezes sem apoio institucional, o que gera sobrecarga e frustração para o educador e prejuízo para o aluno”, destaca a Vice Presidente Clínica da Genial Care.
A presença do mediador escolar, ou seja, o profissional que atua como ponte entre o pequeno com deficiência e o ambiente escolar, também é essencial, mas ainda escassa na maioria das redes públicas.

“Uma criança de 2 ou 3 anos com autismo tem necessidades muito específicas de comunicação e regulação sensorial. Sem um mediador capacitado, o professor regente não consegue atender adequadamente a pessoa no espectro, nem os demais. A legislação garante esse apoio, mas, na prática, muitas famílias enfrentam longas filas ou são obrigadas a recorrer à justiça para garantir o direito dos filhos a um acompanhamento especializado”, completa Thalita.

A importância do diagnóstico precoce e da parceria com as famílias

Outro ponto sensível na inclusão de autistas na educação infantil é o diagnóstico precoce. Quanto antes os sinais do espectro forem identificados, maiores são as chances de intervenção adequada e desenvolvimento de habilidades sociais e cognitivas fundamentais. No entanto, muitos chegam às creches e pré-escolas sem diagnóstico ou com suspeitas não confirmadas, o que dificulta o planejamento pedagógico e o suporte necessário.

Além disso, a especialista reforça que a inclusão escolar só é bem-sucedida quando há diálogo constante entre escola e família. “O trabalho conjunto entre educadores, profissionais de saúde e familiares é essencial para construir estratégias individualizadas, respeitosas e eficazes. A inclusão não é responsabilidade de um único ator, mas de uma rede comprometida com o desenvolvimento integral da criança”, avalia Thalita.

Caminhos possíveis: da política à prática

O avanço em políticas públicas nos últimos anos é inegável, mas o desafio agora é garantir a efetividade dessas ações na ponta. A aplicação dos recursos precisa priorizar a capacitação contínua dos profissionais da educação, o fortalecimento do atendimento educacional especializado e a contratação de mediadores, além de assegurar acessibilidade em todas as escolas.

Para Thalita, o Dia Nacional da Educação Infantil deve ser um momento de reflexão coletiva. “Celebrar essa data é também assumir o compromisso de olhar com mais responsabilidade para os pequenos que ainda encontram barreiras para aprender, brincar e conviver. Inclusão de verdade começa com escuta, respeito e ação. Precisamos transformar boas intenções em realidade concreta nas salas de aula brasileiras.”

Comunicação como base para a inclusão 

Um dos aspectos fundamentais para que a inclusão se efetive na prática é reconhecer que a comunicação está no centro do processo de aprendizagem. Pensando justamente nessa necessidade de ampliar as discussões e oferecer ferramentas práticas para profissionais que trabalham com crianças autistas, a Genial Care realiza, em parceria com a Revista Autismo e com apoio do Instituto Mauricio de Sousa e Parque da Mônica, o 3º Congresso Extraordinário. O evento, que acontece nos dias 25 e 26 de outubro no Parque da Mônica, em São Paulo, ou na modalidade online, tem como tema central “Da comunicação à aprendizagem: desmistificando o ensino com autistas”.

O congresso reunirá especialistas nacionais e internacionais para discutir estratégias práticas de comunicação alternativa aumentativa (CAA), expressões não verbais e abordagens multimodais para diferentes perfis de crianças autistas. Entre os destaques da programação está um painel exclusivo sobre o projeto piloto de adaptação cognitiva realizado no próprio Parque da Mônica, demonstrando na prática como a inclusão pode se concretizar em diferentes ambientes.

“Estamos trazendo palestrantes que são referência no tema de comunicação multimodal e acessível. Nosso compromisso é oferecer ferramentas práticas que transformem o cotidiano de terapeutas, educadores e famílias, promovendo comunicação como direito de todos”, destaca a Psicóloga da Genial Care, Graziella Bonfim.

O evento, que será realizado em formato híbrido, conta ainda com a modalidade de ingresso social, permitindo a participação presencial mediante a doação de um brinquedo ou livro infantil em bom estado, reforçando o compromisso com o impacto social e a inclusão real. As inscrições já estão abertas e os participantes recebem certificado de participação.

Iniciativas como essa demonstram que, para além das políticas públicas e dos investimentos em infraestrutura, é fundamental criar espaços de formação e troca de experiências entre profissionais, famílias e especialistas. Afinal, a transformação da educação inclusiva acontece quando teoria e prática se encontram, oferecendo às crianças autistas não apenas o direito de estar na escola, mas de realmente pertencer a ela.

SERVIÇO

3º Congresso Extraordinário
Data: 25 e 26 de outubro de 2025
Local: Parque da Mônica – São Paulo (SP)
Formato: Híbrido (presencial + online)
Horário: 8h às 11h30 e 13h às 15h (com oficina extra)
Inscrições: Inscrições pelo link, com certificado de participação

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