A tese de doutorado de Cora Cristina Ramos Accioly de Barros Spindola, intitulada Obsolescência Planejada: insuficiência da proteção jurídica no Direito brasileiro, defendida na Universidade Federal de Pernambuco em 2024, oferece uma análise crítica e aprofundada sobre o fenômeno da obsolescência planejada e sua relação com o ordenamento jurídico brasileiro. O estudo é estruturado em quatro capítulos, abordando desde os fundamentos socioeconômicos do consumismo até propostas jurídicas para enfrentar o problema, com foco na sustentabilidade e na proteção do consumidor. No primeiro capítulo, a autora explora os aportes socio-históricos da sociedade de consumo, destacando a transição da sociedade do trabalho para o consumismo. Referenciando autores como Zygmunt Bauman (Vida para o Consumo, 2008) e Jean Baudrillard (1995), Spindola analisa como a cultura de consumo, impulsionada pela lógica capitalista, promove a substituição acelerada de produtos, criando um ciclo vicioso de descarte e aquisição. A autora argumenta que a obsolescência planejada, seja por qualidade, função ou desejabilidade, é um efeito colateral desse modelo econômico, exacerbando a escassez de recursos naturais e a produção de resíduos. O segundo capítulo detalha as espécies de obsolescência planejada (qualidade,
função e desejabilidade) e seus impactos socioeconômicos e ambientais. Com base em autores como Slade (2006) e Mores (2015), Spindola descreve como a prática, inicialmente identificada em casos históricos como o cartel de lâmpadas da década de 1920, tornou-se uma estratégia deliberada de mercado. A autora conecta o fenômeno aos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS), especialmente o ODS 12 (consumo e produção responsáveis) e o ODS 13 (ação contra a mudança global do clima), destacando o aumento do lixo eletrônico (o Brasil é o quinto maior produtor, com 2,1 milhões de toneladas anuais, segundo a Agência Brasil, 2023) e a exploração insustentável de recursos. No terceiro capítulo, a autora avalia a proteção jurídica contra a obsolescência planejada no Brasil, analisando a Constituição Federal de 1988 e o Código de Defesa do Consumidor (CDC, Lei nº 8.078/1990). Apesar de princípios como a boa-fé objetiva e a responsabilidade objetiva do fornecedor, a autora conclui que o ordenamento jurídico
brasileiro é insuficiente para coibir práticas de obsolescência planejada. Spindola também examina legislações estrangeiras, como a francesa (Lei nº 2015-992), que criminaliza a prática, e a belga (Resolução nº 5-125/1, 2011), que regula a durabilidade de produtos, sugerindo que o Brasil pode se inspirar nessas iniciativas.
O quarto capítulo propõe soluções jurídicas, enfatizando a importância do critério da vida útil dos produtos como base para regulamentações. A autora defende a ampliação da transparência e da informação ao consumidor, conforme previsto nos artigos 6º e 9º do CDC, e sugere a criação de normas específicas, inspiradas em projetos de lei brasileiros (PL nº 5.672/2013 e PL nº 7.875/2017) e em modelos internacionais. Spindola também propõe incentivos fiscais para empresas que adotem práticas sustentáveis e a responsabilização pela destinação final de resíduos, promovendo uma economia circular. A tese de Spindola é um trabalho robusto e bem fundamentado, que combina análise teórica com preocupações práticas, alinhando-se aos debates globais sobre sustentabilidade e direitos do consumidor. A abordagem interdisciplinar, que integra sociologia, economia e direito, é um ponto forte, pois contextualiza a obsolescência planejada como um fenômeno estrutural do capitalismo contemporâneo. A utilização de autores renomados, como Bauman, Fraser (2018), e Han (2017), enriquece a discussão teórica, enquanto a análise de casos judiciais brasileiros (e.g., RESP nº 984.106/SC) e legislações internacionais demonstra rigor empírico.
No entanto, a tese apresenta algumas limitações. A ausência de uma proposta legislativa concreta e detalhada para o Brasil, apesar das sugestões gerais, pode dificultar a aplicação prática das soluções apresentadas. Além disso, a questão probatória, reconhecida pela autora como um desafio (p. 120), mereceria maior aprofundamento, especialmente no que tange a mecanismos para comprovar a intencionalidade da obsolescência planejada. A pesquisa de Spindola é altamente relevante em um contexto de crise ambiental e desigualdades sociais agravadas pelo consumismo. Ao identificar lacunas no ordenamento jurídico brasileiro e propor soluções baseadas em experiências internacionais, a tese contribui para o debate acadêmico e político, oferecendo um caminho para políticas públicas mais robustas. A ênfase na economia circular e na sustentabilidade reforça a necessidade de repensar padrões de produção e consumo, alinhando o Direito do Consumidor aos desafios do século XXI.
REFERÊNCIAS
BAUMAN, Zygmunt. Vida para o Consumo: a transformação das pessoas em mercadoria. Rio de Janeiro: Zahar, 2008.
BRASIL. Código de Defesa do Consumidor. Lei nº 8.078, de 11 de setembro de 1990. Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l8078.htm. Acesso em: 04 jan. 2024.
FRASER, Nancy. Capitalism: A Conversation in Critical Theory. Cambridge: Polity Press, 2018.
SLADE, Giles. Made to Break: Technology and Obsolescence in America. Cambridge: Harvard University Press, 2006.
SPINDOLA, Cora Cristina Ramos Accioly de Barros. Obsolescência Planejada: insuficiência da proteção jurídica no Direito brasileiro. Tese (Doutorado em Direito) – Universidade Federal de Pernambuco, Recife, 2024.
Autor:
Professor Dr. José Rinaldo Domingos de Melo