22.6 C
São Paulo
quinta-feira, 7 de agosto de 2025

RESENHA DA TESE “DIREITO À CIDADE, ACESSO À JUSTIÇA E PARTICIPAÇÃO” DE LUÍZA PAVAN FERRARO


A tese de doutorado de Luíza Pavan Ferraro, intitulada Direito à Cidade, Acesso
à Justiça e Participação, defendida na Escola de Direito de São Paulo da Fundação
Getulio Vargas em 2025, aborda a interseção entre o conceito de direito à cidade, acesso
à justiça e participação popular no contexto de conflitos fundiários no Brasil, com foco
nas remoções forçadas e na atuação das Comissões de Soluções Fundiárias (CSFs). A
autora parte da Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) 828, que
resultou na criação dessas comissões pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ) através da
Resolução nº 510/2023, para analisar como esses mecanismos podem promover justiça e
participação em disputas territoriais urbanas.Dividida em sete capítulos, a tese estrutura
se em torno de três eixos principais: democracia e participação, acesso à justiça e a análise
empírica das CSFs. Ferraro discute o conceito de direito à cidade, inspirada por autores
como Henri Lefebvre, David Harvey e Bianca Tavolari, destacando a luta por moradia
digna e a participação popular como elementos centrais para a transformação urbana.
A autora também explora o acesso à justiça sob a perspectiva de Mauro
Cappelletti, Marc Galanter e Maria Tereza Sadek, enfatizando as “ondas” do acesso à
justiça e a importância de processos coletivos para lidar com conflitos fundiários. No
âmbito empírico, a tese examina a criação e o funcionamento das CSFs, especialmente a
do Tribunal de Justiça do Paraná (TJPR), analisando sua estrutura, visitas técnicas e
recomendações para mediação e conciliação. A pesquisa destaca o papel das CSFs como
um avanço na resolução de conflitos fundiários, promovendo diálogo entre o Judiciário,
as partes envolvidas e órgãos públicos. Ferraro argumenta que essas comissões
representam uma tentativa de democratizar o sistema de justiça, embora reconheça
limitações, como sua natureza facultativa e a dependência de engajamento do Poder
Público. A tese também conecta as remoções forçadas à violência estrutural e à
acumulação de capital, utilizando conceitos de Ermínia Maricato e Raquel Rolnik para
discutir a produção do espaço urbano e suas implicações para a cidadania. Ferraro oferece
uma contribuição significativa ao articular o direito à cidade com o acesso à justiça,
trazendo uma perspectiva interdisciplinar que combina teoria jurídica, sociologia e
estudos urbanos. A escolha de focar nas CSFs é pertinente, pois essas comissões
representam uma inovação institucional no Brasil, especialmente no contexto da
pandemia de COVID-19, quando as remoções forçadas foram intensificadas. A análise
detalhada da ADPF 828 e da Resolução nº 510/2023 demonstra o esforço do Judiciário
em responder às demandas por moradia digna, embora a autora aponte que a
implementação prática enfrenta desafios, como a falta de obrigatoriedade das
recomendações das CSFs e a complexidade de coordenar múltiplos atores.
Um dos pontos fortes da tese é a fundamentação teórica robusta, que dialoga com
autores clássicos e contemporâneos. A citação de Lefebvre reforça a ideia de que o direito
à cidade envolve não apenas o acesso à moradia, mas também a participação ativa na
produção do espaço urbano. A análise de Cappelletti e Galanter enriquece a discussão
sobre acesso à justiça, destacando a importância de mecanismos alternativos de resolução
de conflitos, como mediação e conciliação, que as CSFs buscam implementar. Além
disso, a abordagem empírica, com a análise de atas e relatórios do TJPR, confere
concretude à argumentação, mostrando como as visitas técnicas e audiências públicas
podem transformar a percepção do Judiciário sobre os conflitos fundiários.
No entanto, a tese poderia explorar mais profundamente os impactos reais das
CSFs nas comunidades afetadas. Embora Ferraro mencione casos específicos, como a
Ocupação Bubas e a Fazenda São Domingos, a análise dos resultados concretos (como
reassentamentos bem-sucedidos ou falhas na implementação) é limitada. Além disso, a
discussão sobre as desigualdades de poder entre os atores envolvidos (moradores,
proprietários, Judiciário e órgãos públicos) poderia ser mais detalhada, especialmente
considerando o pluralismo jurídico e as dinâmicas de exclusão urbana. A tese é relevante
por abordar um tema candente no Brasil, onde a urbanização excludente e as remoções
forçadas continuam sendo desafios estruturais. A análise das CSFs oferece um modelo
potencial para outras jurisdições, destacando a importância de soluções dialogadas que
priorizem os direitos humanos. A articulação entre teoria e prática também é um mérito,
pois a autora não apenas problematiza conceitos abstratos, mas os aplica a contextos
concretos, como a atuação do TJPR.
A pesquisa contribui para o campo do direito urbanístico ao propor que o acesso
à justiça deve ser entendido como um componente essencial do direito à cidade. A ênfase
na participação popular reforça a necessidade de incluir as comunidades afetadas nas
decisões judiciais, promovendo uma justiça mais democrática. A tese também dialoga
com a agenda global de direitos humanos, citando documentos como o Pacto
Internacional de Direitos Econômicos, Sociais e Culturais e a Nova Agenda Urbana da
ONU, o que amplia sua relevância para além do contexto brasileiro. A tese de Luíza Pavan
Ferraro é uma obra densa e bem fundamentada que conecta o direito à cidade, o acesso
à justiça e a participação popular, oferecendo uma análise crítica e propositiva sobre as
Comissões de Soluções Fundiárias. Apesar de algumas lacunas na análise empírica, o
trabalho é uma leitura essencial para estudiosos e profissionais interessados em
conflitos fundiários, justiça social e urbanismo no Brasil. A autora demonstra que a
democratização do sistema de justiça é um passo crucial para garantir o direito à cidade,
mas que sua efetividade depende de maior engajamento institucional e social.
REFERÊNCIAS
Ferraro, Luíza Pavan. Direito à Cidade, Acesso à Justiça e Participação. Tese de
Doutorado, Escola de Direito de São Paulo, Fundação Getulio Vargas, 2025.
Lefebvre, Henri. O Direito à Cidade. São Paulo: Centauro, 2001.
Cappelletti, Mauro; Garth, Bryant. Access to Justice: The Worldwide Movement to Make
Rights Effective. Milano: Giuffrè, 1978.
Maricato, Ermínia. Brasil, Cidades: Alternativas para a Crise Urbana. Petrópolis:
Vozes, 2014.
Tavolari, Bianca. Direito à Cidade: Um Debate Necessário. São Paulo: Revista dos
Tribunais, 2016.
Conselho Nacional de Justiça. Resolução nº 510/2023. Disponível em: [inserir link].
Acesso em: 15 jan. 2025.

Autor:

Professor Dr. José Rinaldo Domingos de Melo

DEIXE UMA RESPOSTA

Por favor digite seu comentário!
Por favor, digite seu nome aqui

Leia mais

Patrocínio