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quarta-feira, 6 de agosto de 2025

Portos e soberania: quem deve controlar a infraestrutura crítica brasileira?



Se até os nossos portos forem comandados por interesses estrangeiros, o que ainda restará sob o controle do Brasil? A decisão da Justiça Federal que nega o pedido da Maersk para suspender as regras do leilão do Tecon Santos 10 vai muito além de uma decisão liminar: ela é um marco na defesa da autonomia logística e da soberania econômica do país. Ao reconhecer que não houve ilegalidade do modelo proposto pela Antaq, a decisão reafirma que cabe ao Estado impor limites a quem concentra poder demais em setores estratégicos, mesmo que esse alguém seja uma gigante global.

A disputa pelo Tecon Santos 10 reacende essa pergunta crucial e, com ela, uma reflexão sobre quem realmente comanda as engrenagens logísticas nacionais. O setor portuário não é apenas um ponto de escoamento, é um ativo geopolítico vital. Por ele passam fertilizantes, alimentos, combustíveis e produtos industriais. Submeter essa estrutura ao domínio de poucos grupos, em especial estrangeiros, é abrir mão da nossa capacidade de reagir a crises, planejar estrategicamente e proteger o interesse público.

Hoje, três operadores concentram maior parte da capacidade de contêineres no Porto de Santos. E a concentração não se limita a Santos. Desde 2022, oito novos terminais de contêineres passaram a ser administrados por grandes armadores, como MSC, Maersk e CMA CGM. Dos 23 terminais de contêineres no Brasil, 14 já pertencem a esses grupos globais, em operação ou previstos até 2026. Isso significa que quase toda a estrutura do Sul, Sudeste e Nordeste está nas mãos de três companhias internacionais.

O mapa portuário mostra o avanço: Vila do Conde (PA), Manaus (AM), Salvador (BA), Suape (PE), Natal (RN), Fortaleza (CE), Pecém (CE), Itajaí (SC), Paranaguá (PR), Itaguaí (RJ) e Santos (SP) já são controlados por esses mesmos grupos. A consequência é clara: o índice de concentração CR4, que mede a fatia das quatro maiores empresas, saltou de 65% em 2020 para 70% em 2022 e deve atingir 80,5% em 2024, acima do limite crítico de 75% fixado pelo próprio Cade como alerta de risco concorrencial.

Mesmo assim, a Maersk tentou judicializar o processo. Alegou inovação nos critérios e cerceamento do contraditório, mas o juiz federal Paulo Cezar Neves Júnior foi direto: a modelagem do leilão é legítima, construída com amplo debate técnico e regulatório. A negativa da liminar mostra que a Justiça reconhece a autoridade da Antaq e o dever do Estado de proteger sua infraestrutura essencial.

O caso do Tecon Santos 10 não é apenas uma licitação. É um marco na definição dos limites entre o interesse público e a lógica privada em infraestrutura crítica. Permitir que poucos conglomerados concentrem o controle dos principais terminais portuários equivale a restringir a concorrência, fragilizar a capacidade regulatória do Estado e comprometer a soberania econômica.

A Constituição é clara: soberania é fundamento da República (art. 1º), princípio da ordem econômica (art. 170) e dever do Estado enquanto agente normativo e regulador (art. 174). Proteger os portos contra a concentração excessiva, portanto, não é uma escolha política, mas uma obrigação constitucional. O porto não é apenas um ativo econômico, é um vetor de poder e de autonomia nacional.

A lição que fica do Tecon Santos 10 é inequívoca: a soberania brasileira significa garantir que a infraestrutura crítica permaneça a serviço do desenvolvimento do Brasil e não de estratégias privadas de concentração global.

Autora:

Marcela Bocayuva, mestra em Direito Público,  especialista em Direito Portuário e sócia-fundadora do escritório Bocayuva Advogados

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