A proximidade do Dia dos Pais, 10 de agosto, traz à tona uma reflexão urgente: qual o papel das empresas na valorização da paternidade ativa? E mais, até que ponto o ambiente corporativo ainda reforça um modelo ultrapassado, em que o homem é visto apenas como provedor, e não como figura de cuidado e afeto?
Em 2025, mais de 65 mil crianças foram registradas apenas com o nome da mãe na certidão de nascimento entre janeiro e abril, o que corresponde a cerca de 6,3% de todos os nascimentos registrados no período. Esse dado é da Associação Nacional dos Registradores de Pessoas Naturais (Arpen-Brasil). Por isso, a figura paterna ainda é marcada por vínculos emocionais mais frágeis, um reflexo de uma cultura que historicamente afastou os homens do cuidado cotidiano.
No mundo do trabalho, essa lógica se perpetua na prática: licenças curtas, ausência de incentivo ao envolvimento parental e um ambiente que ainda vê o cuidado como responsabilidade feminina.
“Enquanto a licença-maternidade, por exemplo, é tratada como um direito, a licença-paternidade ainda é vista por muitos gestores como um favor ou uma ‘folga’. Isso mina a construção de vínculos mais fortes entre pais e filhos desde os primeiros dias de vida”, explica a psicanalista e presidente do Instituto de Pesquisa de Estudos do Feminino (Ipefem), Ana Tomazelli.
Distância afetiva que se reflete no consumo e no comportamento social
A diferença de vínculo familiar também aparece em gestos simbólicos. Segundo levantamento da ONG Promundo, 58% dos homens brasileiros afirmam que gostariam de passar mais tempo com seus filhos, mas 61% deles dizem que sentem que o trabalho os impede de fazê-lo. Ou seja, existe desejo de presença, mas faltam condições reais para que ela se concretize.
Outro estudo, da Fundação Maria Cecilia Souto Vidigal, aponta que a presença ativa do pai nos primeiros anos de vida está diretamente associada ao desenvolvimento emocional e cognitivo da criança, e também à maior corresponsabilidade nas tarefas domésticas no longo prazo. Isso mostra que investir na paternidade não é só uma pauta familiar, mas social e econômica.
Cuidado não é folga: o papel das empresas na mudança cultural
Hoje, a legislação brasileira prevê apenas cinco dias de licença-paternidade, um dos prazos mais curtos do mundo. Em países como a Suécia, Noruega e Islândia, os pais têm direito a até 3 meses pagos. Algumas empresas brasileiras já começam a se movimentar: Natura, Unilever, Twitter e Itaú, por exemplo, oferecem de 20 dias a 120 dias de licença para os pais, promovendo a equidade desde o nascimento do bebê.
Mas ainda são exceções. A maioria dos profissionais precisa escolher entre a carreira e a presença na rotina dos filhos, o que perpetua o estigma de que homens não cuidam.
A vergonha do afeto e o silêncio emocional masculino
Além da estrutura, há uma barreira simbólica importante: o afeto reprimido. Isso revela o quanto a expressão emocional ainda é um tabu entre homens, um desafio que começa na infância e se estende à vida adulta, muitas vezes com impactos em saúde mental e relacionamentos.
Para quebrar esse ciclo, é preciso uma mudança de mentalidade nas empresas. “Criar políticas que incentivem o cuidado, oferecer espaços de escuta e apoio à parentalidade, valorizar histórias de lideranças que conciliam trabalho e família, tudo isso ajuda a construir um ambiente onde ser pai presente não é desvio, mas parte do desenvolvimento profissional”, explica Ana.
Paternidade ativa é investimento no futuro
Incluir a paternidade ativa na pauta corporativa é reconhecer que o cuidado não é — e nunca foi — exclusividade das mulheres. É entender que vínculos afetivos fortalecidos refletem em profissionais mais equilibrados, comprometidos e saudáveis. E, mais do que isso, é contribuir para formar uma nova geração de crianças que crescem com referências masculinas mais empáticas, envolvidas e emocionalmente disponíveis.
Neste Dia dos Pais, que a homenagem vá além dos presentes e das postagens nas redes sociais. “Que seja também um convite para repensarmos o papel das empresas na promoção de um novo modelo de paternidade: mais presente, mais sensível e, acima de tudo, mais humana”, finaliza Ana Tomazelli.