Introdução
Com base em sua documentação diária, a Organização Al-Baider relata que centenas de famílias palestinas — especialmente nas comunidades beduínas como Arab al-Mleihat e na região de Ras al-Auja — vivem sob ameaça direta de políticas sistemáticas de colonização. Essas políticas incluem: confisco de terras, restrições às fontes de água, violência diária por parte de colonos, e pressão contínua para que abandonem suas casas. Segundo a organização, as crianças são as mais afetadas por essa crise: sua infância está sendo silenciosamente roubada e sua identidade moldada num ambiente de medo, privações e deslocamentos constantes.
Escalada Alarmante Segundo a ONU (OCHA)
Relatórios do Escritório das Nações Unidas para a Coordenação de Assuntos Humanitários (OCHA) apontam uma escalada preocupante nos ataques contra comunidades beduínas no Vale do Jordão nos últimos dois anos:
- Dezenas de famílias de Arab al-Mleihat e regiões vizinhas foram forçadas a abandonar suas casas após o estabelecimento de novos postos de colonos, como o “Neve Ariel”.
- Mais de 60 crianças da comunidade Arab al-Mleihat perderam suas casas, salas de aula móveis e acesso às terras de pasto de suas famílias.
- Pesquisadores da organização B’Tselem documentaram casos de envenenamento de rebanhos, destruição de tanques de água e bloqueio do acesso a poços tradicionais, agravando as condições de saúde e vida das crianças.
Traumas Psicológicos e Violência Cotidiana
Hassan Mleihat, coordenador geral da Al-Baider, afirma que as crianças sofrem traumas psicológicos profundos devido aos deslocamentos repetidos. Em suas visitas frequentes às comunidades afetadas, observou que muitas crianças passaram por deslocamentos totais ou parciais várias vezes nos últimos dois anos. Algumas foram obrigadas a dormir ao ar livre; outras perderam seus poucos pertences em questão de minutos. Esses traumas reforçam um estado constante de medo e insegurança.
Acesso à Educação e Serviços Básicos Comprometido
- Salas de aula temporárias montadas por organizações humanitárias foram demolidas ou bloqueadas por ações de colonos ou por postos de controle militar israelenses.
- Muitas crianças percorrem longas distâncias até escolas alternativas, o que aumenta os índices de evasão escolar.
- O acesso a cuidados médicos e apoio psicológico é quase inexistente, e a população depende de visitas esporádicas de equipes médicas voluntárias.
Violência Direta de Colonos
- Organizações de direitos humanos colheram depoimentos de crianças que foram empurradas, chutadas ou ameaçadas com armas enquanto acompanhavam suas famílias nas terras de pastagem.
- Em um caso ocorrido na área de Marj Sayyah, colonos atacaram um grupo de pastores — incluindo três crianças — e esfaquearam um burro na frente deles, provocando traumas psicológicos severos.
Direito Internacional: Um Escudo Ausente
Dr. Rasem Bisharat, Comissário de Relações Exteriores da Al-Baider, destacou que, conforme a Quarta Convenção de Genebra, é proibida a transferência forçada de civis sob ocupação. A convenção também obriga a proteção de crianças contra violência, deslocamento e negação da educação. No entanto, as crianças de Arab al-Mleihat e de outras comunidades beduínas do Vale do Jordão são sistematicamente submetidas a essas violações sem nenhuma proteção legal ou política eficaz.
Estudo de Caso: Invasão Escolar em Arab al-Mleihat
Aseel Mleihat, jornalista e responsável de mídia da organização, relatou um episódio particularmente alarmante envolvendo crianças da comunidade beduína de Auja. De acordo com a agência de notícias WAFA (17 de setembro de 2024), forças israelenses — acompanhadas por colonos — invadiram uma escola beduína em Arab al-Mleihat, ao noroeste de Jericó, durante o horário escolar. Eles detiveram professores, revistaram-nos e provocaram pânico generalizado entre alunos e equipe.
Segundo Aseel, alguns colonos agrediram fisicamente professores e alunos, enquanto soldados israelenses detiveram o diretor da escola e uma professora. As forças também confiscaram as câmeras de vigilância, apagando as gravações do incidente — o que agravou o impacto psicológico nos estudantes.
Impactos Psicológicos e Educacionais nas Crianças
- Alunos que testemunharam a invasão sofreram de ataques de pânico, distúrbios do sono e dificuldade de concentração. Alguns passaram a apresentar incontinência urinária, e muitos recusaram-se a retornar à escola, segundo relatos de pais e pesquisadores de campo.
- Pais relatam que suas crianças já não se sentem seguras em sala de aula. Enquanto escolas em outras partes do mundo oferecem proteção e acolhimento, os filhos dessas famílias vivem sem nenhuma forma de segurança em seu ambiente educacional.
Recomendações da Al-Baider para Proteger as Crianças
- Estabelecer missões internacionais permanentes de proteção nas comunidades beduínas do Vale do Jordão — especialmente em Arab al-Mleihat — para monitorar violações e garantir um ambiente seguro às crianças.
- Financiar urgentemente a reconstrução de escolas móveis e a ampliação dos serviços de saúde mental nas áreas atingidas.
- Iniciar processos legais em tribunais internacionais para responsabilizar os autores de crimes contra crianças palestinas — tratando-os como crimes de guerra.
- Pressionar governos que apoiam Israel a cessar o apoio militar e político que viabiliza operações de deslocamento forçado.
Conclusão
A Al-Baider reafirma que as crianças de Arab al-Mleihat e de outras comunidades beduínas e rurais não são vítimas colaterais do conflito — são alvos diretos de uma política israelense de “limpeza silenciosa”, que visa esvaziar a Área C da presença palestina. Essas crianças, que deveriam viver infâncias seguras e livres, com pleno acesso à educação, são forçadas a enfrentar uma violência que ultrapassa sua idade.
Proteger o presente delas é a única forma de garantir seu futuro — antes que seja tarde demais.
Autor:
Dr. Rasem Bisharat
