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sábado, 2 de agosto de 2025

IA para poucos? A capacitação em inteligência artificial precisa ser uma agenda de base

Enquanto as grandes corporações contratam consultorias para redesenhar suas arquiteturas de dados com IA generativa, a realidade de milhares de micro e pequenas empresas brasileiras é outra: falta conexão, falta estrutura e, acima de tudo, falta gente treinada. A inteligência artificial se consolida como o principal motor de produtividade da próxima década, mas seu acesso e aplicação ainda estão restritos a quem tem tempo, dinheiro e equipe técnica.

A promessa da IA como alavanca de competitividade só se concretiza se ela for, antes, uma política de base. E isso passa por um tema que tem sido negligenciado: capacitação escalável e inclusiva.

Um estudo recente do Institute of Coding mostra que apenas 12% das PMEs investiram em treinamento em IA até agora. Ainda mais alarmante é o fato de que 52% das empresas citam a falta de habilidades internas como principal obstáculo para adoção de soluções baseadas em inteligência artificial. Não é uma lacuna técnica. É uma lacuna de acesso.

A discussão sobre IA tem girado em torno de aplicações sofisticadas: copilotos de código, automações em marketing, diagnósticos médicos por imagem, modelos generativos para conteúdo. Mas para o pequeno empreendedor, o desafio ainda é entender como aplicar IA na prática: como organizar dados, automatizar tarefas repetitivas, classificar clientes, priorizar atendimento ou mesmo entender como uma planilha preditiva funciona.

Sem essa ponte entre o conceito e a aplicação acessível, a IA se transforma em mais uma fronteira de exclusão produtiva. Fala-se em transformação digital, mas para muitos, trata-se ainda de alfabetização digital.

E o paradoxo é evidente: o público que mais se beneficiaria de produtividade e automação, como autônomos, pequenas lojas, negócios locais e startups early stage, é o que menos tem acesso ao conhecimento necessário para usar a tecnologia.

Boa parte das soluções em IA já está disponível em ferramentas que as PMEs já usam: WhatsApp, Google Workspace, ferramentas de CRM, plataformas de e-commerce. O desafio não é ensinar inteligência artificial em profundidade. É ensinar como utilizar IA no contexto do negócio, com linguagem simples, exemplos reais e formato sob demanda.

Estamos falando de um tipo de capacitação mais próxima do operacional do que do acadêmico. Cursos longos, caros e excessivamente técnicos não atendem essa camada. O que se precisa são modelos de aprendizado modulares, rápidos, gratuitos ou de baixo custo, que ensinem o essencial com aplicabilidade imediata.

É aqui que entram os microcursos, os treinamentos sob demanda e as trilhas de conhecimento adaptáveis à realidade do pequeno empreendedor.

Empresas que oferecem soluções com IA embutida precisam assumir a responsabilidade de educar os seus usuários finais. Criar assistentes inteligentes e interfaces acessíveis não é suficiente se o usuário não entende o potencial da ferramenta.

As big techs, fintechs e marketplaces que hoje se beneficiam da inteligência artificial como diferencial competitivo deveriam liderar o movimento de capacitação prática com conteúdo, eventos, tutoriais, programas de certificação simplificados e incentivo ao uso estruturado. O retorno disso, inclusive, é comercial: quanto mais bem treinado o cliente, mais valor ele extrai da plataforma. E mais fidelização se gera.

Se antes a exclusão era o acesso à tecnologia, hoje é a capacidade de usá-la com consciência. Essa nova exclusão é perigosa porque mina a competitividade de milhões de negócios que ainda sustentam economias locais, cadeias regionais e empregos de base. 

A inteligência artificial não pode ser um privilégio corporativo. Ela precisa ser uma ferramenta coletiva de transformação econômica. Isso só será possível quando capacitar for parte da entrega e não uma externalidade.

Se queremos um país mais produtivo, mais competitivo e mais conectado com o futuro, a base empresarial precisa ter o direito de entender, testar e aplicar IA no seu próprio ritmo e no seu próprio contexto. Porque no fim das contas, não existe transformação tecnológica sem inclusão cognitiva.

Autor:

Victor Ramos é CPTO da Zavii Venture Builder

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