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quarta-feira, 6 de agosto de 2025

“Felizes para sempre”: o que ninguém conta te conta com o pós-venda

*Por Amure Pinho

A história que todos conhecem é sempre a mesma. O empreendedor começa uma startup com uma ideia inovadora, supera os obstáculos, cresce, atrai investidores e, depois de alguns anos, vende a empresa para um grande grupo por um valor milionário. A mídia faz questão de celebrar o acordo como um “felizes para sempre” corporativo, aquela narrativa épica de vitória. Mas e depois da assinatura do contrato? O que acontece quando a festa acaba? O que vem depois da venda raramente é contado com o mesmo entusiasmo. E se é algo que todo mundo deveria saber, é que a realidade é bem menos glamourosa. O pós-venda é, muitas vezes, uma jornada turbulenta de frustrações, choques culturais e, em muitos casos, desgaste emocional.

Um elemento central nas fusões e aquisições é o earn-out, uma cláusula que condiciona o pagamento total da venda a metas futuras. Ou seja, o empreendedor não recebe tudo de uma vez, mas apenas uma parte, com base no cumprimento de determinadas metas operacionais ou financeiras após a venda. Parece razoável, certo? Mas, na prática, é mais como uma batalha de expectativas. O fundador precisa continuar trabalhando numa empresa que já não é mais sua, reportando-se a executivos que, muitas vezes, não entendem o espírito do negócio. E a nova controladora começa a empurrar sua própria lógica de gestão. A tensão é inevitável.

No Brasil, o fenômeno é cada vez mais comum. Lembra da 99? Quando foi comprada pela Didi Chuxing, a startup de mobilidade viu seus fundadores se afastando rapidamente, logo depois da venda de US$ 1 bilhão. O famoso “unicórnio” brasileiro se transformou em uma história de adaptação difícil, com choques culturais, perda de autonomia e frustração. Isso não é uma exceção. É a realidade de muitas aquisições de startups, seja no Brasil ou fora dele. Como mostra a pesquisa da Ernst & Young, 70% das fusões falham em gerar o valor esperado. E o principal culpado? Choques culturais e dificuldades na integração dos times.

E o impacto emocional disso? Ninguém fala sobre isso. Muitos fundadores relatam o que chamam de um “luto corporativo” após a venda. O que era um projeto de vida, um sonho construído com sacrifícios e dedicação, agora vira um pedaço de uma engrenagem corporativa. O trabalho, que antes era uma paixão, agora se transforma em uma tarefa. É como ver o filho ser educado por estranhos, com uma cultura diferente, com valores e práticas diferentes.

Esse impacto emocional é ainda mais profundo quando o earn-out não é bem estruturado. As metas muitas vezes são baseadas em projeções irreais e não consideram o impacto da transição. Isso faz com que o empreendedor se veja preso a um processo que não é mais seu, enquanto o novo controlador muda a estratégia da empresa, tornando a execução das metas impossíveis e, frequentemente, gerando disputas judiciais.

E o pior é que, ao ser absorvido por grandes corporações, o fundador pode perder o protagonismo, e acabar ocupando cargos simbólicos, ou até se tornando um “embaixador da marca”, sem poder real de decisão. Para quem sempre teve liberdade para criar, inovar e tomar riscos, esse ambiente corporativo pode ser sufocante. A lógica das grandes empresas é lenta, burocrática e focada em processos, enquanto uma startup vive no ritmo do instinto e da urgência. O choque de ritmos pode ser fatal, tanto para o emocional quanto para o desempenho da empresa.

Claro, nem tudo é desastroso. Quando o comprador entende o valor da cultura da startup e mantém a autonomia do fundador, as coisas podem ser diferentes. TotvsLocaweb e outras empresas estão cada vez mais adotando modelos de aquisição que preservam a essência da startup, permitindo que ela continue operando com liberdade. Nesses casos, o earn-out é mais uma ferramenta de alinhamento do que uma armadilha.

Mas para que isso aconteça, o processo de venda precisa ser conduzido com maturidade e transparência. Isso envolve desde a definição das metas claras no contrato até discussões honestas sobre o papel dos fundadores no pós-venda. No fim das contas, o “felizes para sempre” não acontece no dia da venda. Ele depende do processo de integração, da capacidade de adaptação e do comprometimento com uma visão conjunta para o futuro. E quase ninguém te prepara para isso. Mas com a preparação certa, o “felizes para sempre” não precisa ser um final, mas um novo começo.

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