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sexta-feira, 26 de setembro de 2025

A solidão servida gelada

Diante do copo de cerveja, Arnaldo refletia sobre sua vida.

Suas idas rotineiras àquele bar o confortava e, a cada gole que dava, sentia anestesiar as dores de sua alma.
Com seus sessenta e poucos anos, Arnaldo parecia não ter mais expectativa de vida e se escondia atrás daquela espuma dourada, como se ela lhe emprestasse outros olhos para ver o mundo.

Sua vida tinha sido promissora até então. A trajetória de sua vida era de dar inveja a qualquer empresário, mas ele estagnou quando veio a aposentadoria, pois sentia que havia dado tudo de si para a vida e contentou-se em viver apenas o agora, na companhia de seu inestimável copo de cerveja.

Francisco, o dono do bar, já sabia a rotina do seu dia: abrir o estabelecimento e aguardar a chegada de Arnaldo, seu fiel cliente.
Intimamente, Francisco queria muito compreender os reais motivos que levavam Arnaldo a ir àquele bar todo santo dia e sentar na mesma mesa. Francisco até ensaiava uma conversa, tentando puxar assunto sobre isso, mas, como Arnaldo era muito reservado, se limitava a servi-lo da melhor forma possível. Afinal de contas, Arnaldo contribuía com a existência daquele bar há mais de três anos.

Enquanto Francisco tentava desvendar aquele misterioso cenário, Arnaldo simplesmente parecia não se importar com o fluxo da vida. Seus olhos perdidos e a solidão como companhia pareciam lhe ser suficientes naquele momento.

Ao contrário do que se possa imaginar, Arnaldo nunca foi de perder as estribeiras ou algo do gênero. Sempre tomou sua bebida fermentada de forma moderada e ficava no bar em torno de quatro a cinco horas, mas sempre sozinho.

Francisco observava atentamente Arnaldo e queria muito poder ter abertura para uma aproximação, mas Arnaldo, discretamente, colocava uma barreira de proteção, permitindo que Francisco apenas o servisse.

Até que, certa tarde, Arnaldo não compareceu ao bar. As horas foram passando, a noite chegou e nada de Arnaldo aparecer. Francisco ficou inquieto, pois tinha certeza de que algo havia acontecido com seu cliente. A ausência de Arnaldo naquele bar se repetiu por duas semanas. Até que, certa tarde, Francisco teve que ir ao banco e, de longe, avistou Arnaldo. Ele, como sempre, estava sozinho. Francisco sentiu alívio em ver aquele homem solitário ali diante de seus olhos.

Ao longo dos anos, Francisco se apegou a Arnaldo, mesmo que este não desse espaço para uma aproximação maior, mas tinha muito carinho e empatia pela solidão do cliente, presenciada ao longo dos anos.

Aproximando-se devagar, Francisco foi cumprimentá-lo e, quando Arnaldo percebeu a chegada de Francisco, abriu um sorriso de canto a canto da boca e, para a surpresa de Francisco, o abraçou com muito carinho.

Aquele abraço significou muito para Francisco e, enquanto se sentia abraçado, uma lágrima caiu de seus olhos como agradecimento ao Universo por estar vendo aquele “amigo” ali diante de si.

O encontro entre os dois durou cerca de um minuto apenas, mas foi o suficiente para amenizar a angústia que se passava no coração de Francisco por não ter notícias daquele homem.Passaram-se os anos e Francisco nunca mais teve notícias de Arnaldo.
Arnaldo simplesmente desapareceu de seu bar, e Francisco nunca soube os motivos que levaram Arnaldo a frequentar por tanto tempo aquele estabelecimento, mas de uma coisa tinha certeza: a solidão de Arnaldo foi sentida por Francisco, e este tinha convicção de que, não frequentando mais o bar, Arnaldo havia encontrado algo muito melhor que o copo de cerveja e o silêncio. E isso lhe bastava.

Patricia Lopes dos Santos
Patricia Lopes dos Santos
Escritora, autora do livro "Memórias de uma depressiva", mãe de Sofia, Duda e Átila, esposa de Cristian Ferreira, me aventuro na escrita, onde me encontro totalmente.

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