Era um homem prático, acordava cedo, ouvia o podcast do Irmão Rico, já para acordar me distanciando dos vícios da pobreza espiritual, sabia que eu há mais um dia iria vencer, saindo da cama já me dirigia ao corredor. Caminhava a esquerda, sentindo o frio piso, que me lembrava, logo, de tomar um banho tão frio quanto. O extenso corredor virava a direita, e então passava olhando meus quadros na parede, emoldurados por minha mulher, ah, um deles era eu nas minhas primeiras conquistas na empresa, então, segurando diplomas. Uma ereção vinha, mas, mesmo indo ao banheiro, dobrando a esquerda e depois da extensão, subindo as escadas, eu iria tomar banho e superar o tesão de ser poderoso, sendo mais poderoso.
Banho, a dor me trazia tantos pensamentos que esfregando aqui e ali, com a rispidez masculina, com meu sabonete da marca “Vilania a bactérias inquilinas”, ah, me lembrava logo do inquilinato nojento do apartamento, que reclamava aqui e ali do aluguel. Depois do banho, dentes, e então minha esposa me vestia, e eu não lhe recompensava com nenhum beijo, pois tinha mais o que fazer e eu, mostrava minha intensa masculinidade.
Saindo do meu apartamento, já passava pela dona Fulana, que já vinha me mostrar o absurdo daqui e ali daquele glorioso complexo. Já lhe dizia “Dona, esse lugar deveria ter aluguéis dobrados, pois, eu aceitaria de bom grado, vermes como a senhora iriam ficar desolados, e nosso amado síndico ficaria cheio de bem merecidos agrados”.
Ignorando a velha, já atendia ligações importantes, até porque, eu era uma pessoa importante. Para fora, percebia os olhares das pessoas, impressionadas, mas, por serem ignorantes, sem entenderem minhas vestes tão destacadas com: três relógios; um de bolso no bolso do peito do terno, um no bolso da calça que tinha a corrente exposta, e um dourado no pulso, anéis cobriam meus dedos que inquietamente tateavam o celular, pois eram muitas mensagens importantes. As significações múltiplas de roupas tão bem polidas, de tecido fino, apesar do frio, mostravam a sagacidade voraz de um ser tão capaz.
Já no centro da cidade, me encaminhando a empresa, via logo o Ciclano, um mendigo de quinta categoria, indigno da calçada que vivia, mas, eu, como um bondoso e benevolente, já lhe estendia algo preparado só para ele. Ele falava “tenho fome”, e eu lhe entregava a nova edição do impresso book do Irmão Rico, lá ele iria aprender, quem deras, um filisteu aprender, mas, ah, como fui bom.
Na empresa, subindo o lance de escadas, pois o elevador aglomerara os piores elementos, carrascos dos ganhos da empresa, que sempre faziam greves, reclamações e o Alano até processou, um ultraje para o progresso. Eu, que tinha um grande cargo elevado, já levava comigo um carinho para o gerente, uma taça de vinho que não estava quente, seco e amargo como o que homens bebem, mais amargo que minha mulher que só sabe cuidar do neném.
“Elinaldo! Meu campeão! Mas, sem enrolação, vai rolar umas demissão, sabe como é, questão da empresa estar numas crises de direção, mas, ei, como sempre temos comunhão, toma esse presentão! Um livro novíssimo do Irmão Rico, 2,0, deluxe, que só para nós foi entregue na promoção, apesar da grande opinião de que vale muito, muito mesmão!”
Aceitei o livro na época, mas, meio abalado, desci o elevador, os lacaios estavam berrando aqui e acolá da demissão, e eu então lhes disse “é tudo pelo bem do progresso, vocês que só estão acostumados com o excesso de mesmice!”
Saí, sabia que iria recomeçar, iria ler, voltar a me rever. Uma ligação, das várias que já se cessavam, mas, em vão de esperanças. Era o síndico, ele iria vender o prédio, e já havia fechado o mesmo, mas, que eu poderia contar com ele para qualquer dilema. Em seguida, minha esposa, aquela que nunca me dava boas novas, disse que iria morar com a mãe, pois, já não conseguia se colocar tanto a prova, mas, eu não lhe dei trova. Fui sentar na calçada, minha nova morada. Ciclano, sujo, mundrungo, infame e fedendo a salame, me via, eu escondia minha cara. Ele loga falava:
“Esse livro, esse, sim, é ótimo para sempre escapar, sem se sentir domar, mesmo na coleira, agora só lhe resta assoviar!”.
Ah, que vida.
Autoria:
Dazi
Odiei esse homem a cada segundo da minha leitura kkkkk, mas o fim foi o que eu esperava, ele se ferrou, merece uma parte 2, uma redenção, sei lá, ou mais sofrimento, porque também seria merecido, achei maravilhoso a leitura, me diverti, imersão muito tranquila, obrigada.