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quarta-feira, 30 de julho de 2025

Pós-verdade por trás da guerra Israel-Irã

Criar uma verdade própria a respeito de um acontecimento baseando-se em suas impressões pessoais, e não nos acontecimentos, é uma forma de se definir o conceito de pós-verdade. A guerra de 12 dias entre Irã e Israel, com a participação dos EUA, mostra um exemplo atual do conceito. São três estados em animosidade constante há quase 50 anos, iniciada com a troca do regime político no Irã após a derrubada do governo aliado dos EUA. O confronto teve início naquela época, e, ao que parece, sem perspectiva de entendimento.

O sociólogo francês Edgard Morin, no ensaio de 2023 “De guerra em guerra”, menciona a histeria de guerra como um fenômeno que torce a capacidade das pessoas de perceber o que acontece e refletir de forma equilibrada. A espionite é um desses aspectos onde, de forma resumida, acredita-se que existem pessoas que trabalham a soldo do inimigo divulgando informações falsas. Essas supostas ações alimentam a desconfiança obsessiva fazendo enxergar conspirações e intenções camufladas em toda a parte.

Isso conduz a uma maneira de enxergar o mundo pelas lentes de suas crenças, carregadas de emoções, em detrimento da análise a respeito dos acontecimentos. Portanto, ao sustentar a linha interpretativa que promove a suspeição em lugar do fato cria-se o ambiente favorável à metamorfose da verdade. Assim ela se transforma em uma lembrança diluída e incerta, abrindo espaço para a fixação da pós-verdade na memória, passando esta a ser a referência para a interpretação de novos acontecimentos.

A animosidade recíproca que une Irã, Israel e EUA, existente desde 1979, alimenta esse ambiente. Trata-se de uma força tão grande que foi capaz de desconsiderar uma informação oficial fornecida por Tulsi Gabbard, diretora de Inteligência Nacional dos EUA, quando afirmou, em março de 2025, à Comissão de Inteligência do Senado de seu país que o Irã não estava construindo armas atômicas. Em paralelo, a Agência Internacional de Energia Atômica (AIEA), da Organização das Nações Unidas (ONU), manifestou sua preocupação a respeito do programa nuclear iraniano. A AIEA busca garantias, legítimas, que o programa do país seja pacífico. Só. Sem sugerir o contrário.

Portanto, uma afirmação dos EUA, não uma suposição; uma preocupação da AIEA, não uma acusação, foram apresentadas de forma equilibrada e racional.

Então, por que atacar?

Porque a decisão foi baseada nas crenças dos governos israelenses e estadunidenses e foram entendidas como fatos, em detrimento das informações oficiais dos próprios EUA e a da AIEA. Isso embasou a opção pela força. Ou seja, decisão tomada a partir de percepções pessoais.

Dessa maneira, confrontamo-nos com o discurso de matizes conspiratórias e sem sustentação ganhando substância, deixando de ser um encadeamento de suposições e ilações e se consolidando como verdade, para quem o segue. Em outras palavras estamos diante de uma construção narrativa apoiada em ilusões desenvolvidas pelas próprias pessoas. 

Estimular a formulação de conclusões, alinhada ao conceito da pós-verdade, cria oportunidade para manipulação da sociedade. Juliana Rivera, professora e pesquisadora colombiana da Universidade de Medellin, lembra que houve tempo em que os ditadores suprimiam a verdade. Hoje, com bem montadas estratégias para fazer a sociedade enxergar o mundo sem reflexão, o resultado final é que nós decidimos livremente viver no mundo da pós-verdade. Em face do que conhecemos dos últimos acontecimentos no mundo, podemos trocar “ditadores” por “governos” simplesmente, sem perda de definição.

Não existem santos nas relações internacionais. Alimentar décadas de animosidade cria uma imagem falsa do mundo, pontilhada de casos que não se confirmaram verdadeiros como as armas de destruição em massa que supostamente estariam sendo fabricadas no Iraque. A segunda invasão do país, capitaneaeda pelos EUA, mostrou que elas, um dos principais motivos do ataque, efetivamente não existiam.

A realidade e sua interpretação pode ser múltipla e, por vezes, até ambígua mas os fatos e os dados não são. Optar por enxergar o mundo pelas lentes da pós-verdade até hoje não trouxe consequências positivas para ninguém. Os mais de 1 mil mortos no Irã e em Israel, nos 12 dias de conflito, são testemunhas mudas dessa certeza.

Autor:

Fernando Neves é jornalista, escritor e Mestre em Comunicação (Unip)

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