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quarta-feira, 30 de julho de 2025

O mistério de João e o relógio esquecido

Diz-se que, há muitos anos, numa aldeia perdida entre montanhas e vales, viviam duas irmãs distintas em aparência e temperamento. Uma delas era dotada de uma beleza que fazia até as flores inclinarem-se ao seu passar; a outra, menos favorecida pela natureza, caminhava pelas sombras do encanto da irmã. Porém, compartilhavam algo profundo: ambas desejavam o mesmo homem; João, o herdeiro mais cobiçado da região, filho de fazendeiros, solteiro e já com mais de trinta anos.

Apesar das apostas da aldeia recaírem sobre a mais bela, foi a irmã de traços menos delicados quem conquistou João. O namoro floresceu intenso, incendiando olhares invejosos e comentários sussurrados entre as mulheres da vila. A bela irmã, tomada pela incredulidade e pela raiva, via sua autoconfiança esvair-se. Como poderia ter sido preterida? Movida por um ciúme amargo, decidiu apelar para forças ocultas que habitavam além dos limites da razão.

Na encosta da montanha, onde os ventos uivavam lamentos antigos, morava a temida feiticeira. Seu nome era sussurrado com respeito e temor — falava-se de seus feitiços eficazes, que transformavam dores de amor em vingança ou consolo, dependendo do pagamento. A irmã rejeitada apresentou-se diante da anciã, ofertou-lhe um colar reluzente e pediu, quase sussurrando, um feitiço que pusesse fim ao romance de João e sua irmã, Marina.

A feiticeira, de olhos faiscantes e mãos ágeis, aceitou a joia e devolveu-lhe um frasco pequeno, com um líquido espesso de cor indefinida. “Deve servir-lhe sem que perceba”, instruiu, “e em sete dias e sete noites, João desaparecerá desta aldeia.”

No dia seguinte, aproveitando a visita do rapaz à namorada, a irmã rancorosa misturou a poção ao suco de João. Naquela noite, uma estranha tontura tomou João, que confidenciou a Marina — sua amada — o mal-estar que o invadia. Voltou para casa e entregou-se ao sono, esperando acordar melhor.

Ao raiar do dia, João notou que seus sapatos estavam desproporcionalmente grandes. O pé, agora mirrado, parecia pertencer a uma criança. Atônito, correu ao espelho: sua altura diminuíra, os traços adultos perdiam espaço para uma estranheza miúda. Tomado de vergonha e temor, trancou-se em casa. No passar das noites seguintes, assistiu, aterrorizado, ao próprio corpo encolher ainda mais — ficou menor que o gato, que conseguiu expulsar antes de se tornar presa fácil.

A rotina foi interrompida por batidas na porta: era Marina. Pela fresta da madeira, João, de pés descalços sobre um banquinho, relatou seu infortúnio e implorou que ela o deixasse só. Marina partiu em lágrimas, e procurou refúgio nos ombros da irmã, que, tomada pelo remorso, correu de volta à feiticeira.

Implorou por um antídoto — e a anciã, talvez movida por piedade ou interesse, preparou um novo frasco. As irmãs correram para a casa de João. Como ele não abria, arrombaram a porta, e encontraram apenas as roupas vazias esparramadas no chão, como se o corpo tivesse evaporado. João não estava mais ali. Apenas um relógio de pulso, silencioso, repousava junto às vestes largadas.

Desde então, conta-se na aldeia que, nas noites de lua cheia, pode-se ouvir um leve tique-taque vindo daquela casa abandonada. O mistério do desaparecimento de João permanece, como um aviso sombrio de que o ciúme e a magia podem alterar destinos — e que, às vezes, resta só o relógio para contar as horas diante do inexplicável.

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