15.5 C
São Paulo
quarta-feira, 30 de julho de 2025

Leitura em roda, escuta em voz alta: uma experiência com tertúlias literárias no 5º ano

A leitura literária, quando vivida de forma compartilhada e dialógica, tem o poder de transformar a sala de aula em um espaço de escuta ativa, reflexão crítica e construção coletiva do conhecimento. Foi com esse propósito que desenvolvi, ao longo do primeiro semestre de 2025, o projeto “Tertúlia Literária – Viajando pelo Mundo dos Clássicos”, com os(as) alunos(as) do 5º ano A da EMEF Professora Maria Inês Vieira Machado, em Ribeirão Preto/SP.

Inspiradas nas ideias freirianas e nas comunidades de aprendizagem, as Tertúlias Literárias Dialógicas propõem que todos(as) os(as) participantes — professores(as) e estudantes — sejam leitores(as) em constante formação. A metodologia é simples, mas poderosa: após a leitura prévia de uma obra em casa, cada aluno(a) escolhe um trecho que o(a) tenha tocado. No encontro presencial, compartilhamos essas passagens em roda e discutimos os significados, sensações e reflexões que cada um(a) extraiu do texto.

Nesse processo, o papel do(a) professor(a) vai além do ensino: é também o de escuta atenta, de provocador(a) de sentidos e de mediador(a) do diálogo. Ao abrir espaço para as múltiplas interpretações, permitimos que os(as) estudantes se reconheçam como leitores(as) capazes, donos(as) de sua voz e de seu olhar sobre o mundo.

As obras escolhidas — Contos de Enganar a Morte, de Ricardo Azevedo; O Pequeno Príncipe, de Antoine de Saint-Exupéry; e Alice no País das Maravilhas, de Lewis Carroll — foram selecionadas por seu potencial de provocar discussões sobre valores humanos, dilemas existenciais, imaginação, sonhos e identidade. Mais do que apresentar os clássicos, buscou-se criar conexões vivas entre texto e vida.

Ao longo do semestre, foi possível observar avanços notáveis entre os(as) estudantes: melhora na fluência e compreensão leitora, ampliação do vocabulário, maior autonomia na escolha de leituras e, sobretudo, desenvolvimento da oralidade argumentativa e da escuta respeitosa. O ambiente da tertúlia é seguro e acolhedor, permitindo que até os(as) alunos(as) mais tímidos(as) expressem suas opiniões e se reconheçam como vozes que constroem sentidos e saberes.

Como ressaltam Girotto, Mendes Silva e Salvioli (2025), a prática dialógica em torno da literatura possibilita o desenvolvimento da expressão de sentimentos, valores e compreensões de mundo, promovendo a formação humana desde os anos iniciais da escolarização. As autoras defendem que, quando os(as) alunos(as) têm a chance de interpretar textos de forma ativa e plural, eles(as) constroem um repertório crítico que vai além do domínio da linguagem — alcançam a formação para a cidadania.

Mas não foram apenas os(as) alunos(as) que cresceram com o projeto. Como professor mediador, vivenciei uma potente experiência de formação docente em serviço. A prática exigiu planejamento cuidadoso, escuta pedagógica qualificada e abertura ao imprevisível — elementos que nem sempre cabem nas rotinas tradicionais da escola. Reaprendi que educar é, antes de tudo, escutar e dialogar, reconhecendo no outro um parceiro legítimo no processo de construção do conhecimento.

A experiência me fez refletir sobre o lugar da literatura na escola. Muitas vezes tratada como conteúdo técnico ou recurso para avaliações, ela perde sua força humanizadora. Nas tertúlias, a literatura recupera sua dimensão estética, ética e emocional. Deixa de ser algo que se decora para virar algo que se vive. Nesse sentido, como aponta Aragão (2018), o(a) professor(a) leitor(a) literário ocupa um “entre-lugar” fundamental: é mediador(a) cultural, aprendiz contínuo e agente de transformação. Esse entre-lugar, segundo a autora, exige do(a) educador(a) envolvimento afetivo com a leitura e disposição para compartilhar sentidos, mesmo em meio às incertezas da prática.

Belmiro e Machado (2015) também contribuem para esse entendimento ao afirmar que o percurso formativo do(a) professor(a) leitor(a) se constrói no encontro com o texto e com os outros(as) leitores(as). Ou seja, a mediação literária não é apenas uma prática didática, mas um modo de ser professor(a) em diálogo com a linguagem, com os(as) estudantes e consigo mesmo(a).

Além disso, as Tertúlias Literárias também respondem a uma demanda urgente: a superação das defasagens de aprendizagem, identificadas nas Avaliações Diagnósticas e nas observações cotidianas de sala de aula. Ao trabalhar leitura de forma crítica, prazerosa e significativa, contribuímos para a formação integral dos(as) estudantes — aquela que ensina não apenas a ler palavras, mas também o mundo.

O projeto continuará no segundo semestre, com novas obras e novos desafios. A expectativa é aprofundar os aprendizados, ampliar o repertório literário dos(as) estudantes e seguir fortalecendo o vínculo entre leitura e vida. Porque quando um(a) aluno(a) lê em voz alta para seus(suas) colegas e é ouvido(a) com respeito, algo fundamental se instaura: a certeza de que sua voz tem valor. E é justamente aí que começa toda transformação.

Referências

ARAGÃO, C.de O. Literatura e formação inicial e continuada do professor leitor literário: um entre-lugar ou um não-lugar? In: JOGO DO LIVRO, 12.; SEMINÁRIO LATINO-AMERICANO: PALAVRAS EM DERIVA, 2., 2018, Belo Horizonte. Anais… Belo Horizonte: [s.n.], 2018.

BELMIRO, C.; MACHADO, A. L. C. Professor leitor de literatura: um percurso em formação. Belo Horizonte: Autêntica, 2015.

GIROTTO, V.; MENDES SILVA, I. M.; SALVIOLI, D. C. S. Tertúlia literária dialógica com crianças em escolas públicas: processos de alfabetização e formação humana. Revista Brasileira de Alfabetização, n. 23, p. 1–14, 2025.

Autor:

 

Mario Marcos Lopes[1]


[1] Professor da EMEF Profª Maria Inês Vieira Machado – Rede Municipal de Ribeirão Preto. Doutorando no Programa de Pós-graduação em Educação pela Universidade Federal de São Carlos.

DEIXE UMA RESPOSTA

Por favor digite seu comentário!
Por favor, digite seu nome aqui

Leia mais

Patrocínio