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quarta-feira, 30 de julho de 2025

Gestão Democrática E Participação Social Na Educação De Ribeirão Preto: Avanços E Desafios Da Lei Complementar Nº 3.246/2024

A promulgação da Lei Complementar nº 3.246, de 12 de dezembro de 2024, representa um marco significativo para a educação pública municipal de Ribeirão Preto. A nova legislação reafirma o compromisso com os princípios da gestão democrática ao institucionalizar práticas de participação efetiva da comunidade escolar nas decisões pedagógicas, administrativas e financeiras das unidades de ensino. Ao criar os Conselhos Escolares Deliberativos com caráter vinculante e estabelecer programas de formação continuada para seus membros, a lei busca fortalecer a cultura de diálogo, corresponsabilidade e transparência na rede municipal de educação.

A gestão democrática, prevista no artigo 206 da Constituição Federal de 1988 e no artigo 3º da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (Lei nº 9.394/1996), é concebida como um modelo que estimula a participação ativa de professores(as), estudantes, pais, mães e funcionários(as) na vida escolar. Essa concepção é amplamente defendida por autores como José Carlos Libâneo (2013), que entende a escola como um espaço público de formação humana, social e política. Para ele, a gestão democrática vai além da administração técnica: ela requer uma abordagem ética e coletiva, voltada à construção de um projeto pedagógico comprometido com a inclusão e a justiça social.

Nesse mesmo sentido, Paulo Freire (1996), em sua obra “Pedagogia da Autonomia”, afirma que educar é um ato político e que a escola deve se constituir como um espaço de liberdade, escuta e participação. Freire ressalta que não há educação sem diálogo, e que a gestão democrática é condição para a construção de uma escola humanizadora, onde educadores(as) e educandos(as) compartilham responsabilidades e aprendizados. A nova legislação de Ribeirão Preto se aproxima dessa visão freireana ao valorizar os saberes da comunidade escolar e reconhecer seu papel ativo na condução do processo educativo.

Outro avanço promovido pela Lei Complementar nº 3.246/2024 é a ampliação da autonomia administrativa e financeira das unidades escolares. Ao permitir maior flexibilidade na gestão de recursos, a lei estimula a adaptação das ações escolares às realidades locais. No entanto, como destacam Cury (2007; 2010) e Gadotti (1995), autonomia exige também transparência, responsabilização e mecanismos eficazes de controle social – aspectos assegurados pela atuação deliberativa dos Conselhos Escolares. Esses conselhos, ao contarem com representação de diversos segmentos da comunidade, tornam-se canais legítimos de escuta e decisão, fundamentais para garantir a legitimidade das ações escolares.

A legislação também reconhece a importância da formação continuada dos(as) gestores(as) e conselheiros(as), criando programas específicos para seu aprimoramento técnico, político e pedagógico. Essa medida encontra respaldo em Paro (2014), que defende que a democratização da escola não ocorre automaticamente, sendo necessário formar sujeitos(as) capazes de compreender e transformar a realidade educacional. A gestão democrática requer conhecimentos sobre legislação, planejamento, mediação de conflitos e construção coletiva de decisões – competências que só podem ser consolidadas por meio de processos formativos contínuos.

Além disso, a nova lei institui práticas de avaliação participativa, envolvendo toda a comunidade escolar na análise dos resultados e das práticas institucionais. Essa abordagem representa uma ruptura com modelos autoritários e centralizadores de avaliação, muitas vezes marcados por indicadores externos e metas quantitativas. Como destacam Silva (2020) e Melo (2019), a avaliação participativa promove a escuta qualificada de todos os sujeitos da escola, permitindo a construção de soluções compartilhadas e o fortalecimento do compromisso coletivo com a aprendizagem e a equidade.

Contudo, a efetivação da gestão democrática enfrenta desafios históricos e estruturais. Como alertam Nunes Silva Brito et al. (2024), ainda é comum a centralização das decisões na figura do(a) gestor(a) escolar, o que limita o protagonismo dos demais atores e dificulta a construção de práticas verdadeiramente participativas. Da mesma forma, Barros e Souza (2023) criticam a influência crescente de modelos gerencialistas que, ao priorizarem eficiência e produtividade, esvaziam o caráter político e formativo da gestão democrática. Superar esses obstáculos exige o fortalecimento dos espaços colegiados, o reconhecimento do papel político da escola e o envolvimento ativo das comunidades escolares.

A Lei Complementar nº 3.246/2024, portanto, avança na consolidação da gestão democrática ao estabelecer dispositivos que ampliam o controle social, reconhecem a pluralidade dos sujeitos escolares e promovem a corresponsabilidade na condução dos processos educativos. Sua implementação, no entanto, requer comprometimento político, investimento público e uma mobilização permanente da sociedade civil para que seus princípios não fiquem restritos à formalidade legal.

Ao tornar a participação social e a escuta coletiva pilares da política educacional municipal, Ribeirão Preto dá um passo importante rumo à construção de uma escola pública mais justa, inclusiva e enraizada nas necessidades reais da população. Que esse movimento inspire outras redes de ensino e fortaleça, cada vez mais, a ideia de que a educação pública de qualidade é, acima de tudo, uma construção democrática.

Referências

BARROS, L. de A.; SOUZA, D. Q. M de. O gerencialismo e seus impactos na gestão da escola pública. Sala 8 -Revista Internacional em Políticas, Currículo, Práticas e Gestão da Educação, v. 1, p. 8-31, 2023.

CURY, C. R. J. A gestão democrática na escola e o direito à educação. RBPAE, v.23, n.3, p. 483-495, set/dez. 2007.

CURY, C. R. J. Gestão Democrática da Educação. Um salto para o Futuro. Programa 1. 2010.

FREIRE, P. Pedagogia da autonomia: saberes necessários à prática educativa. São Paulo: Paz e Terra, 1996.

GADOTTI, M. A autonomia como estratégia da qualidade de ensino e a nova organização do trabalho na escola. Petrópolis: Vozes, 1995.

LIBÂNEO, J. C. Organização e gestão da escola: teoria e prática. São Paulo: Vozes, 2013.

MELO, M. L. V. de. Gestão democrática participativa e avaliação de desempenho. Revista Educação Pública, v. 19, n. 9, 14 maio 2019.

NUNES SILVA BRITO, E. et al. Os desafios para uma gestão democrática nas escolas públicas brasileiras. Revista Eletrônica de Educação[S. l.], v. 18, n. 1, p. e6002182, 2024.

PARO, V. H. Gestão democrática da escola pública. 13. ed. São Paulo: Cortez, 2014.

RIBEIRÃO PRETO. Lei Complementar nº 3.246, de 12 de dezembro de 2024. Dispõe sobre a gestão democrática na educação básica pública do sistema municipal de ensino de Ribeirão Preto e dá outras providências.

SILVA, L. C. P. da. Avaliação Institucional Participativa como instrumento de autonomia no fortalecimento da gestão democrática escolar. Revista Educação e Políticas em Debate, v. 9, n. 2, p. 455 – 471, mai./ago. 2020.

Autor:

Mario Marcos Lopes[1]


[1]Doutorando no Programa de Pós-graduação em Educação pela Universidade Federal de São Carlos. Professor da Rede Municipal de Ribeirão Preto.

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