Bem-te-vi é um “Foca”, jornalista novato que trabalha no Diário Semanal. Madruga, toma café, pega Van clandestina, trem, Metrô, ônibus e chega à Redação às 8 e meia, com fome. A mãe prepara um lanche para comer lá pelas dez, mas isso tira o apetite do almoço.
Ele trocou o café em casa por uma fruta para o trajeto. Chega às 8 e toma café da manhã na padaria, ao lado de motoboys, secretárias, vendedores, assessores e gente da noite: artistas, moças, rapazes e híbridos, todos profissionais do ramo de atenção pessoal intimista. O movimento na padoca é grande e as pessoas falam alto por causa do barulho: confidências, indecências e fofocas. Muitas fofocas.
- Pensei que eu fosse a única amante, mas a esposa dele me pediu para ficar de olho numa lambisgoia. Pode isso? – pergunta a estagiária.
- Miga, sua lôca, não existe mais decoro no universo da traição! – responde a coleguinha.
- Tem de ser em dinheiro vivo? – pergunta Décio Machado, madeireiro clandestino.
- O Deputado só aceita dinheiro vivo, mais difícil de rastrear. – diz a assessora Bella Mara Kuthaia.
- Você falou da micose na unha e não me disse nada sobre esse rolo cabeludo? – queixa-se a amiga.
- Vou ficar fora dessa negociata? – Questiona um empreiteiro.
Bem-te-vi aproveitou as fontes anônimas com muito saber e com pouco entender. Redigiu matérias polêmicas, o Editor Chefe gostou e criou a coluna “Na Boca do Povo”, publicada toda quarta-feira. Para variar as informações, Bem-te-vi passou a frequentar outras padarias e os “sujinhos” da região.
“Na Boca do Povo” bombou e o Foca ganhou aumento de salário, secretária, sala exclusiva, estagiários e um celular top de linha. Como o Jornal reembolsa as despesas de trabalho, ele resolveu visitar barzinhos frequentados por empresários, políticos, celebridades e pessoas carentes à procura de patrocinadores.
Bem-te-vi não se permite fotografar e só aparece em público disfarçado, com perucas, bigode falso, boné e maquiagem. Mistura-se ao povo sem ser reconhecido. Se o identificam, ninguém abre o bico. Leva a secretária como se fosse namorada ou os estagiários, como amigos ou casal gay. Com o sucesso crescente, ganhou uma página mensal exclusiva para reportagens bombásticas. A circulação do jornal decuplicou e a visitação no site idem.
Para o povo, Bem-te-vi é ídolo, mas ele é odiado pelos poderosos, cônjuges infiéis, corruptos e políticos. Por sua causa, pessoas caíram em desgraça, foram presas, perderam mandatos e faliram. Muitos casamentos desfeitos e reputações na lama. Ele conhece os podres dos famosos, dos poderosos e publica o que há de mais sujo na política, negócios e alta sociedade. Pega pesado e o povo aplaude.
O Diário Semanal foi alvo de investidas do fisco e da justiça. Multas, processos por difamação, fraude contábil, analogia ao trabalho escravo e intimidações de todo tipo, mas o Editor continuou bancando a coluna. Na Boca do Povo é a coluna mais lida, a fama de Bem-te-vi cresceu e o faturamento do Jornal bateu recordes.
Todos querem saber quem é o Bem-te-vi, mas ele prefere o anonimato, por questão de segurança. Várias ameaças foram dirigidas à Redação, inclusive um pacote com bombas. Felizmente, eram bombas de chocolate enviadas por uma fã.
Diz o dito popular, o diabo faz a panela, mas não a tampa, e por mais que a pessoa se vire, o fiofó sempre fica para trás. Bem-te-vi se cuida, mas não se sabe como, seu corpo apareceu boiando na represa da Cantareira.
Nenhuma autoridade compareceu ao velório de João de Barro Pardal, o Bem-te-vi. Sua equipe foi extinta e o Diário Semanal faliu. Os legistas divergem sobre a causa da morte e a Polícia nunca localizou a arma do crime ou apontou a autoria. Sabe-se apenas o motivo: Bem-te-vi morreu porque publicava demais. Após a cremação, as cinzas foram espalhadas na Cantareira. O Foca virou ração para peixe. Vida que segue, para os trambiqueiros, não para o Bem-te-vi. E o povo que se dane!