Há quem pense que o vinho nasce pronto — como se bastasse esmagar a uva e esperar. E há quem acredite que a borboleta sempre foi bonita — como se suas asas tivessem surgido sem custo, num passe de mágica.
Mas nenhuma metamorfose é simples.
O vinho começa como mosto: um suco confuso, doce demais, que precisa do tempo e de um pouco de solidão para se entender. Lá no fundo do barril, no silêncio escuro, ele fermenta. Sofre. Ferve por dentro. Perde parte de si mesmo, se contorce em reações que ninguém vê. E só assim, depois de meses ou anos, se torna a bebida mais charmosa e romântica — aquela que acompanha declarações, brinde de reencontros, lembrança de amores. A maturidade, como ele ensina, pode doer, mas depois traz um sabor marcante que nenhuma pressa alcança.
A lagarta também não entende. Passa seus dias comendo folhas, ignorando que carrega um destino nas entranhas. Até que um dia, algo dentro dela ordena: pare. Ela se prende num galho, tece seu casulo apertado, e ali começa o sofrimento mais silencioso que existe. Seu corpo se desfaz, se desconstrói, se reconstrói — e dói. Dói porque tudo muda e nada faz sentido. Quando enfim rasga a casca, nem ela reconhece no que se tornou. Sente medo das asas novas, estranhamento ao vento, como se o voo fosse um castigo. Mas mesmo na confusão, ela aprende a aceitar sua forma. A lagarta nos ensina que é possível renascer e se acolher, ainda que a gente não compreenda tudo que precisou se romper.
O vinho e a borboleta — tão diferentes, tão parecidos — nos mostram que a dor é transformadora. Que, às vezes, é preciso se perder para se reinventar. Que a beleza nasce de um processo que ninguém quer atravessar, mas todo mundo admira depois.
E que aceitar a própria mudança pode ser o primeiro gole de liberdade.
Autora:

Romicelia Melo.