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quinta-feira, 31 de julho de 2025

A bolha em que vivi

Desde cedo, ensinaram-me que o segredo da felicidade estava nos livros, no estudo intenso, no labor incansável — e essa lição tornou-se bússola e fardo. Cresci entre expectativas e esperança, com os pés plantados no chão quente da roça, as mãos calejadas pelo trabalho duro, o corpo dobrado sobre as exigências da indústria, os sonhos guardados nas entregas de office-boy. Cada etapa era um degrau para a promessa de uma vida melhor, uma vida de conquistas.

Quando finalmente abri as portas de uma empresa – minha própria agência de publicidade, após anos de estudo em jornalismo e marketing, senti que ali estava o fruto legítimo dessa trajetória. A felicidade, disseram, esperava no topo da montanha erguida pelo esforço.

Mas o tempo, sempre ele, avançou como um rio silencioso. Quando dei por mim, havia formado meu filho, e já sorria com as brincadeiras de uma neta a correr pela casa. Nessa estrada, o que deixei de conhecer, provavelmente foi um mundo maravilhoso. Não por esquecimento, mas por ausência de oportunidade. O tempo e o dinheiro esvaíram-se no cotidiano latino-americano. Meu maior voo levou-me ao Paraguai e à Argentina — uma aventura de moto, vibrante e vívida na memória, mas limitada na geografia.

Os Estados Unidos, Europa, com destaque para Portugal, Espanha, Inglaterra, Alemanha e Itália — destinos que para muitos brasileiros são quase uma segunda casa — permaneceram para mim selados por um vidro invisível. Assistia pela televisão filmes que desfilavam culturas incríveis e cenários de cidades pulsantes e costumes tão diferentes, como distantes. Nunca aprendi outra língua; nem mesmo o português, meu idioma natal, que creio não o dominar em sua plenitude.

Hoje, ao contemplar o” gran-finale” da minha existência que se aproxima, reviro as lembranças como quem folheia um álbum antigo. Vejo as praias brasileiras, tão formosas, os pores do sol incendiando o céu deste quintal que foi meu universo. Sinto saudade do que não vivi — não com amargura, mas com a consciência tranquila de quem vivenciou com intensidade tudo e todos àqueles que amava.

Talvez, diante da vastidão do mundo, eu seja, sim, um caipira. Meu corpo voltará ao pó como diz as escrituras, mas minha alma sempre inquieta e sonhadora ficará registrada neste universo coberto de estrelas. Fui feliz dentro dos próprios limites, sem nunca romper a bolha chamada Brasil. E ainda assim, há dignidade nesse caminho: porque, enquanto o mundo girava lá fora, construí aqui dentro um universo de afeto, memórias e pequenas eternidades.

No fim, cada um carrega sua bolha — e, dentro dela, cabe o infinito de uma vida inteira.

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