17.3 C
São Paulo
quinta-feira, 31 de julho de 2025

Mudanças Recentes no Seguro Agrícola no Brasil e Comparação com o Modelo dos EUA

Introdução

Nos últimos anos, o seguro agrícola tem assumido papel fundamental como instrumento de gestão de riscos na agropecuária. A ocorrência crescente de eventos climáticos extremos, tais como secas severas, enchentes e geadas, tem provocado perdas significativas na produção agrícola, evidenciando a necessidade de mecanismos eficazes de proteção para os produtores rurais. No Brasil, destacam-se políticas públicas como o Programa de Subvenção ao Prêmio do Seguro Rural (PSR) e o Programa de Garantia da Atividade Agropecuária (Proagro), que visam mitigar esses riscos por meio do subsídio ao custo das apólices e da cobertura de perdas em financiamentos agrícolas. Em 2024, tais programas passaram por alterações relevantes, motivadas tanto por limitações orçamentárias quanto pela necessidade de modernização em face das mudanças climáticas. Por outro lado, nos Estados Unidos, o seguro agrícola encontra-se consolidado há várias décadas por meio do Federal Crop Insurance Program (FCIP), caracterizado por ampla cobertura e expressivo suporte governamental.

Este artigo tem como objetivo analisar as recentes mudanças no seguro rural brasileiro, com foco no ano de 2024, e compará-las com o modelo norte-americano, considerando seus respectivos mecanismos, resultados e desafios. Busca-se avaliar os impactos dessas diferenças sobre os diversos agentes do setor agrícola, assim como identificar os pontos fortes e as fragilidades de cada sistema diante dos desafios impostos pelas mudanças climáticas. Para tanto, serão utilizados dados oficiais, fundamentação técnico-científica e uma análise crítica sobre as perspectivas futuras do seguro agrícola no Brasil, em uma abordagem comparativa.

Mudanças recentes no seguro rural brasileiro em 2024

O Programa de Subvenção ao Prêmio do Seguro Rural (PSR), principal política pública de subsídio ao prêmio de seguro agrícola no Brasil, enfrentou em 2023 e 2024 severas limitações orçamentárias. Em 2023, o governo federal destinou cerca de R$933 milhões para subvencionar apólices, valor inferior ao inicialmente previsto (R$1,06 bilhão) e menos da metade do montante demandado pelo setor (MAPA, 2023; Rezende, 2022). Com recursos escassos, foram segurados apenas 6,25 milhões de hectares, a menor área coberta pelo programa desde 2019 (MAPA, 2023).

Em comparação, no ano de 2021, quando o PSR atingiu seu maior alcance, foram subvencionados 13,69 milhões de hectares, o que evidencia uma redução superior a 50% na área assegurada (Monteiro et al., 2021). Para 2024, a Lei de Diretrizes Orçamentárias previu R$964,5 milhões para o PSR, valor praticamente igual ao de 2023, que já se mostrou insuficiente, os recursos de 2023 esgotaram-se em setembro (MAPA, 2023; Rezende, 2022).

Como consequência, o início de 2024 apresentou um cenário desafiador: produtores rurais encontraram dificuldades para obter apoio do PSR, e diversos contratos de seguro tiveram suas subvenções negadas ou cortadas por falta de verba, obrigando muitos agricultores a arcar integralmente com os elevados custos das apólices (CNA, 2023). Segundo dados da Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA), apenas 16% da área agrícola nacional estava segurada em 2023, representando o índice mais baixo dos últimos anos e gerando insegurança no setor e pressão por mudanças na política (CNA, 2023).

Diante desses desafios, foram propostas medidas para reformular o seguro rural. Em 2024, tramitou no Senado o Projeto de Lei nº 2.951/2024, de autoria da ex-ministra Tereza Cristina e relatoria do senador Jayme Campos, visando a modernização do sistema de seguro agrícola (Senado Federal, 2024). Entre os principais pontos do PL, destacam-se: (i) a reestruturação do Fundo de Catástrofe, com o objetivo de criar uma reserva financeira para eventos climáticos extremos, com maior diversidade de aportes da União e melhor governança; (ii) o aprimoramento do PSR, buscando conferir maior previsibilidade orçamentária e ampliar o acesso dos produtores ao seguro; e (iii) a expansão da cobertura regional e setorial, incluindo culturas e regiões atualmente pouco atendidas (Senado Federal, 2024).

O objetivo é tornar o seguro rural brasileiro mais abrangente, acessível e eficiente, corrigindo deficiências históricas (Monteiro et al., 2021; Rezende, 2022). Durante o 18º Congresso Internacional da Associação Latino-Americana para o Desenvolvimento do Seguro Agropecuário (ALASA), realizado em abril de 2025, o ministro da Agricultura Carlos Fávaro manifestou apoio a essa agenda. Ele ressaltou que o problema do seguro rural não se resolve apenas com o aumento de recursos financeiros, apontando que, apesar de o Brasil destinar cerca de R$18,5 bilhões anuais em subsídios de juros do crédito rural, ainda falta uma estrutura robusta para o seguro agrícola (MAPA, 2025).

Fávaro sugeriu a possibilidade de tornar obrigatória a contratação de seguro para produtores que acessam crédito rural com juros subsidiados, desde que isso não onere excessivamente os agricultores. Essa medida visa integrar as políticas de crédito e seguro, garantindo que os financiamentos públicos estejam condicionados à proteção da produção, reduzindo riscos sistêmicos ao setor (MAPA, 2025; CNA, 2023).

Paralelamente às discussões sobre o PSR, o Proagro, programa governamental que isenta produtores do pagamento de financiamentos de custeio em caso de perdas decorrentes de eventos climáticos, pragas ou doenças, passou por importantes mudanças regulamentares em 2024. Em reunião extraordinária realizada em abril de 2024, o Conselho Monetário Nacional (CMN) aprovou ajustes nas normas do Proagro, que passaram a vigorar a partir de 1º de julho de 2024 (ano-safra 2024/2025) (CMN, 2024). As medidas tiveram como objetivo reduzir os custos fiscais do programa em cerca de R$935 milhões no segundo semestre de 2024 e R$2 bilhões em 2025 (Banco Central do Brasil, 2024).

Entre as principais mudanças, destacam-se:

(I) a redução do teto de cobertura por produtor, o limite de faturamento anual para enquadramento no programa foi reduzido de R$335 mil para R$270 mil, restringindo o acesso principalmente a pequenos produtores. Embora o governo justifique que essa medida focaliza o benefício nos pequenos agricultores, na prática exclui parte significativa dos médios produtores rurais (Rezende, 2024; CNA, 2024); 

(II) a revisão das faixas de indenização conforme o risco de plantio, houve alteração nos percentuais de cobertura para operações realizadas fora das janelas ideais do Zoneamento Agrícola de Risco Climático (ZARC), de modo que o pagamento da indenização será menor para cultivos realizados em períodos de maior risco climático, com economia estimada de R$ 298 milhões em 2024 (MAPA, 2024); 

(III) a redução do valor da Garantia de Renda Mínima (GRM) no Proagro Mais, modalidade voltada para a agricultura familiar, com o teto anual de cobertura diminuído para R$ 9.000, prevendo uma economia de R$ 254 milhões em 2024 (Banco Central do Brasil, 2024); 

(IV) a simplificação dos procedimentos para comprovação de sinistros, dispensando-se a exigência de apresentação de notas fiscais de insumos na comprovação das perdas, adotando-se uma dedução padrão de 5% no valor da indenização, com o intuito de desburocratizar e agilizar os pagamentos (CMN, 2024).

Tais alterações geraram controvérsia entre o governo e representantes do agronegócio. Lideranças do setor criticaram a reforma por limitar o acesso e reduzir coberturas, afirmando que o peso da economia recaiu sobretudo sobre a agricultura familiar (CNA, 2024; FPA, 2024). Embora haja consenso sobre a necessidade de aperfeiçoar o Proagro e de coibir fraudes verificadas nos últimos anos, parlamentares da Frente Parlamentar da Agropecuária (FPA) e entidades do setor manifestaram discordância quanto à forma e ao timing da revisão.

O presidente da FPA, deputado Pedro Lupion, questionou o destino dos recursos economizados: “O PSR hoje dispõe de orçamento de R$964 milhões, insuficiente para atender nem mesmo o público anterior. Esse dinheiro poupado do Proagro irá para o PSR, para o Plano Safra, ou para onde?” (FPA, 2024). Lupion defendeu que a reforma seria aceitável somente se acompanhada de reforço na política de seguro rural, de modo a cobrir os produtores excluídos pelas restrições do Proagro.

Vale lembrar que o orçamento do PSR permaneceu estagnado em patamares similares nos últimos anos, demonstrando-se insuficiente frente à crescente demanda e aos riscos climáticos atuais (MAPA, 2023; CNA, 2024). Entidades como a Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA) e a Federação da Agricultura do Paraná (Faep) defenderam um aumento expressivo da subvenção para a safra 2024/25, propondo ao governo um orçamento da ordem de R$ 2,5 bilhões, mais que o dobro do previsto, para adequar a cobertura às novas realidades do setor (CNA, 2024; Faep, 2024).

Em síntese, o ano de 2024 tem sido marcado por ajustes institucionais no seguro rural brasileiro, alguns já implementados no Proagro e outros em discussão, como as alterações no PSR via PL nº 2951/2024, que buscam equilibrar recursos escassos e aprimorar a eficiência da política. A seguir, examinaremos os impactos dessas mudanças para os diferentes atores envolvidos no setor.

Impactos das mudanças para produtores, seguradoras, peritos e políticas públicas

Para os produtores rurais, os efeitos das recentes mudanças têm sido imediatos e preocupantes. Com a redução dos recursos destinados ao Programa de Subvenção ao Prêmio do Seguro Rural (PSR), muitos agricultores ficaram sem acesso ao subsídio, tendo que decidir entre pagar prêmios integrais de seguro, significativamente mais caros, ou arriscar plantar sem qualquer proteção. Há relatos de produtores que, pela primeira vez desde a criação do PSR em 2006, não conseguiram obter a subvenção e receberam cobranças integrais das seguradoras (CNA, 2024; MAPA, 2024). Nesses casos, o custo adicional não previsto impacta diretamente a renda do produtor, que já opera com margens financeiras reduzidas (IPEA, 2023).

Além disso, observou-se redução nos níveis de cobertura oferecidos em algumas apólices. Por exemplo, um agricultor do Paraná relatou que a garantia máxima do seguro para a soja caiu de 45 para 33 sacas por hectare em comparação com safras anteriores. Ou seja, além do aumento do custo, o seguro passou a oferecer menor proteção devido ao agravamento dos riscos climáticos e ajustes realizados pelas seguradoras (SUSEP, 2024). Essa conjuntura tem desestimulado a contratação de novas apólices, principalmente na ausência da garantia da subvenção, como alertam especialistas: “À medida que não há recursos, o agricultor pode deixar de contratar o seguro” (CNA, 2024).

De fato, já foi registrada uma queda acentuada no número de agricultores segurados. No Paraná, o total de apólices subvencionadas caiu de 82 mil em 2021 para 36,9 mil em 2023, e o número de produtores atendidos reduziu-se quase pela metade, de 41,6 mil para 21,3 mil, no mesmo período (Fazenda Paraná, 2024). Essa retração da cobertura implica maior vulnerabilidade para os produtores, que ficam expostos a perdas catastróficas, potencialmente levando ao endividamento ou até à insolvência (IBGE, 2024). Em regiões afetadas por secas severas na safra 2023/24, por exemplo, já foram verificadas quebras significativas de safra, com agricultores enfrentando dificuldades financeiras severas, o que reforça a necessidade urgente de mecanismos de seguro eficientes para prevenir colapsos econômicos no meio rural (EMBRAPA, 2024).

Os impactos para as seguradoras também são significativos. Após um período de expansão até 2021, o mercado de seguro rural no Brasil retraiu nos anos de 2022 e 2023, em função da limitação orçamentária e da ocorrência de eventos climáticos extremos. Na safra 2021/22, uma estiagem histórica na região Sul do país provocou um aumento de quatro vezes nas indenizações pagas pelas seguradoras em comparação ao ano anterior (SUSEP, 2023). Segundo dados da Superintendência de Seguros Privados (SUSEP), as seguradoras e resseguradoras registraram prejuízo técnico neste período, com as indenizações superando os prêmios recebidos (SUSEP, 2023).

Esse desequilíbrio financeiro gerou um alerta no mercado: diante do aumento do risco climático, a tendência é de elevação nos prêmios do seguro rural e possível retração na oferta por parte de algumas seguradoras. Isso pode levar algumas empresas a se retirarem de regiões ou culturas consideradas excessivamente arriscadas, ou a impor coberturas menores, restrições e preços mais elevados (CNseg, 2024). De fato, a Confederação Nacional das Seguradoras (CNseg) projetou um crescimento modesto, de apenas 0,5%, para o mercado de seguro rural em 2024, um ritmo bem inferior ao dos anos anteriores (CNseg, 2024).

Ainda assim, o setor tem buscado alternativas para manter a operação, apostando em novos produtos como seguros pecuários e paramétricos, além de esperar o retorno de seguradoras ao mercado mediante melhorias nas condições, tais como maior apoio governamental e melhor precificação dos riscos (SUSEP, 2024). A perspectiva da criação de um Fundo Catástrofe e a estabilidade orçamentária para o PSR, conforme o Projeto de Lei nº 2951/2024, trazem algum otimismo para a expansão futura do mercado segurador rural (MAPA, 2024).

No curto prazo, contudo, a imprevisibilidade orçamentária e a falta de cobertura em 2023/24 abalaram a confiança das seguradoras. Algumas reportaram cancelamentos de contratos ou a necessidade de repactuação com clientes devido à retirada da subvenção em apólices já contratadas, situação que gera insegurança jurídica e comercial (SUSEP, 2024). O principal desafio para as seguradoras é equilibrar a sustentabilidade financeira num contexto de risco climático crescente, oferecendo produtos ao mesmo tempo atrativos e acessíveis aos produtores. Para isso, o aumento do envolvimento do resseguro, inclusive internacional, e a implementação de mecanismos públicos de partilha de risco serão cada vez mais essenciais para garantir o engajamento das empresas no segmento (CNseg, 2024; OECD, 2023).

Quanto aos peritos agrícolas, profissionais responsáveis pelas vistorias de campo e avaliação das perdas nos sinistros, as recentes mudanças no seguro rural também provocam efeitos importantes. Com a redução do número de apólices contratadas e sinistros cobertos em 2023, a demanda por serviços periciais pode ter diminuído temporariamente em algumas regiões (SENAR, 2024). Por outro lado, eventos climáticos extremos, como secas severas ou ciclones, geram picos de acionamento desses profissionais nas áreas afetadas, demandando respostas rápidas e qualificadas (EMBRAPA, 2024).

Um aspecto positivo das alterações recentes é a simplificação trazida pelo Conselho Monetário Nacional (CMN) no Proagro, que dispensou a exigência de comprovantes de insumos para a comprovação de perdas, adotando uma dedução padrão de 5% nas indenizações. Essa medida tem potencial para agilizar o trabalho dos peritos, que poderão focar exclusivamente na constatação das perdas em campo, reduzindo a burocracia sem comprometer a precisão técnica (CMN, 2024).

No médio e longo prazo, caso se concretize a expansão do seguro rural, com metas de ampliação da cobertura nacional, incluindo culturas hoje pouco protegidas, haverá necessidade crescente de profissionais capacitados, bem como de uma distribuição mais ampla desses técnicos pelo país (MAPA, 2024). Entidades como o Serviço Nacional de Aprendizagem Rural (SENAR) e a Federação da Agricultura do Paraná (Faep) têm investido em cursos de formação e em processos de padronização de laudos periciais, fundamentais para garantir a credibilidade e uniformidade dos pareceres técnicos (SENAR, 2024; Faep, 2024).

Além disso, a padronização das cláusulas contratuais e dos critérios para reconhecimento de sinistros, atualmente em fase de consulta pública, visa proporcionar regras mais claras e homogêneas, facilitando o trabalho pericial e aumentando a confiança dos produtores e seguradoras no sistema (SUSEP, 2024). Assim, apesar do encolhimento do mercado no curto prazo ter reduzido a atividade pericial, a tendência futura é de maior profissionalização e valorização desses técnicos, que são pilares para o funcionamento eficiente tanto do seguro privado quanto de programas públicos, como o Proagro.

Em termos de políticas públicas e efeitos sistêmicos, as consequências das mudanças no seguro rural vão além do universo dos produtores segurados. De fato, a baixa cobertura atual expõe o setor agrícola brasileiro a riscos climáticos elevados, o que pode gerar impactos negativos sobre a segurança alimentar, os preços dos alimentos e a estabilidade da renda rural (IPEA, 2024). Além disso, um efeito concreto e já observável é o crescimento da inadimplência no crédito rural. Sem a proteção do seguro, produtores afetados por perdas climáticas, portanto, enfrentam dificuldade para honrar financiamentos bancários (Banco do Brasil, 2024).

Dados de novembro de 2024 indicam um aumento atípico da inadimplência no agronegócio: no Banco do Brasil, a taxa de atrasos superiores a 90 dias nas operações rurais subiu de 0,7% para 2,0% em um ano; na Caixa Econômica Federal, os atrasos passaram de 0,75% para 3,35% entre o terceiro trimestre de 2023 e o mesmo período de 2024 (Banco do Brasil, 2024; Caixa Econômica Federal, 2024). Ademais, produtores pessoas físicas de grande porte recorrem cada vez mais a recuperações judiciais para renegociar dívidas, foram 426 pedidos de recuperação judicial por agricultores PF nos primeiros nove meses de 2024, um aumento de 135% em relação a todo o ano de 2023 (TJSP, 2024).

Esse quadro, agravado por eventos climáticos extremos, levou executivos bancários e especialistas a enfatizarem a urgência de disseminar uma cultura de seguro agrícola no Brasil. Eles apontam que, sem maior cobertura seguradora, o custo do crédito rural tende a subir, pois os bancos precificam maior risco de inadimplência, além de possivelmente reduzir a oferta de financiamentos ao setor (CNA, 2024).

Dessa forma, a política pública pode acabar arcando com os custos de outra maneira, por meio de renegociações emergenciais, moratórias ou auxílios pontuais a produtores afetados (CMN, 2024). De fato, o CMN já autorizou prorrogações especiais para dívidas rurais em regiões atingidas por seca em 2023/24, solução temporária que transfere o ônus para o sistema financeiro e para o governo (CMN, 2024).

Em síntese, a fragilidade atual do seguro rural gera impactos negativos em cascata, comprometendo a estabilidade da política agrícola nacional. Por outro lado, a implementação das reformas propostas, como a operacionalização do fundo de catástrofe e a garantia de recursos estáveis para o PSR, pode promover melhorias substanciais: aumento no número de produtores segurados, menor necessidade de intervenções emergenciais e maior estabilidade para o ambiente de negócios rurais (MAPA, 2024).

A Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA) resume bem o papel do seguro rural, destacando que ele protege não apenas o produtor, mas toda a cadeia do agronegócio, incluindo cooperativas, revendas e tradings, ao mitigar riscos sistêmicos (CNA, 2024). Portanto, investir em seguro rural é também investir na estabilidade econômica do setor agropecuário e na segurança alimentar do país.

Impactos das mudanças para produtores, seguradoras, peritos e políticas públicas

Para os produtores rurais, os efeitos das recentes mudanças têm sido imediatos e preocupantes. Com a redução dos recursos destinados ao Programa de Subvenção ao Prêmio do Seguro Rural (PSR), muitos agricultores ficaram sem acesso ao subsídio, tendo que decidir entre pagar prêmios integrais de seguro, significativamente mais caros, ou arriscar plantar sem qualquer proteção. Há relatos de produtores que, pela primeira vez desde a criação do PSR em 2006, não conseguiram obter a subvenção e receberam cobranças integrais das seguradoras (CNA, 2024; MAPA, 2024). Nesses casos, o custo adicional não previsto impacta diretamente a renda do produtor, que já opera com margens financeiras reduzidas (IPEA, 2023).

Além disso, observou-se redução nos níveis de cobertura oferecidos em algumas apólices. Por exemplo, um agricultor do Paraná relatou que a garantia máxima do seguro para a soja caiu de 45 para 33 sacas por hectare em comparação com safras anteriores. Ou seja, além do aumento do custo, o seguro passou a oferecer menor proteção devido ao agravamento dos riscos climáticos e ajustes realizados pelas seguradoras (SUSEP, 2024). Essa conjuntura tem desestimulado a contratação de novas apólices, principalmente na ausência da garantia da subvenção, como alertam especialistas: “À medida que não há recursos, o agricultor pode deixar de contratar o seguro” (CNA, 2024).

De fato, já foi registrada uma queda acentuada no número de agricultores segurados. No Paraná, o total de apólices subvencionadas caiu de 82 mil em 2021 para 36,9 mil em 2023, e o número de produtores atendidos reduziu-se quase pela metade, de 41,6 mil para 21,3 mil, no mesmo período (Fazenda Paraná, 2024). Essa retração da cobertura implica maior vulnerabilidade para os produtores, que ficam expostos a perdas catastróficas, potencialmente levando ao endividamento ou até à insolvência (IBGE, 2024). Em regiões afetadas por secas severas na safra 2023/24, por exemplo, já foram verificadas quebras significativas de safra, com agricultores enfrentando dificuldades financeiras severas, o que reforça a necessidade urgente de mecanismos de seguro eficientes para prevenir colapsos econômicos no meio rural (EMBRAPA, 2024).

Os impactos para as seguradoras também são significativos. Após um período de expansão até 2021, o mercado de seguro rural no Brasil retraiu nos anos de 2022 e 2023, em função da limitação orçamentária e da ocorrência de eventos climáticos extremos. Na safra 2021/22, uma estiagem histórica na região Sul do país provocou um aumento de quatro vezes nas indenizações pagas pelas seguradoras em comparação ao ano anterior (SUSEP, 2023). Segundo dados da Superintendência de Seguros Privados (SUSEP), as seguradoras e resseguradoras registraram prejuízo técnico neste período, com as indenizações superando os prêmios recebidos (SUSEP, 2023).

Esse desequilíbrio financeiro gerou um alerta no mercado: diante do aumento do risco climático, a tendência é de elevação nos prêmios do seguro rural e possível retração na oferta por parte de algumas seguradoras. Isso pode levar algumas empresas a se retirarem de regiões ou culturas consideradas excessivamente arriscadas, ou a impor coberturas menores, restrições e preços mais elevados (CNseg, 2024). De fato, a Confederação Nacional das Seguradoras (CNseg) projetou um crescimento modesto, de apenas 0,5%, para o mercado de seguro rural em 2024, um ritmo bem inferior ao dos anos anteriores (CNseg, 2024).

Ainda assim, o setor tem buscado alternativas para manter a operação, apostando em novos produtos como seguros pecuários e paramétricos, além de esperar o retorno de seguradoras ao mercado mediante melhorias nas condições, tais como maior apoio governamental e melhor precificação dos riscos (SUSEP, 2024). A perspectiva da criação de um Fundo Catástrofe e a estabilidade orçamentária para o PSR, conforme o Projeto de Lei nº 2951/2024, trazem algum otimismo para a expansão futura do mercado segurador rural (MAPA, 2024).

No curto prazo, contudo, a imprevisibilidade orçamentária e a falta de cobertura em 2023/24 abalaram a confiança das seguradoras. Algumas reportaram cancelamentos de contratos ou a necessidade de repactuação com clientes devido à retirada da subvenção em apólices já contratadas, situação que gera insegurança jurídica e comercial (SUSEP, 2024). O principal desafio para as seguradoras é equilibrar a sustentabilidade financeira num contexto de risco climático crescente, oferecendo produtos ao mesmo tempo atrativos e acessíveis aos produtores. Para isso, o aumento do envolvimento do resseguro, inclusive internacional, e a implementação de mecanismos públicos de partilha de risco serão cada vez mais essenciais para garantir o engajamento das empresas no segmento (CNseg, 2024; OECD, 2023).

Quanto aos peritos agrícolas, profissionais responsáveis pelas vistorias de campo e avaliação das perdas nos sinistros, as recentes mudanças no seguro rural também provocam efeitos importantes. Com a redução do número de apólices contratadas e sinistros cobertos em 2023, a demanda por serviços periciais pode ter diminuído temporariamente em algumas regiões (SENAR, 2024). Por outro lado, eventos climáticos extremos, como secas severas ou ciclones, geram picos de acionamento desses profissionais nas áreas afetadas, demandando respostas rápidas e qualificadas (EMBRAPA, 2024).

Um aspecto positivo das alterações recentes é a simplificação trazida pelo Conselho Monetário Nacional (CMN) no Proagro, que dispensou a exigência de comprovantes de insumos para a comprovação de perdas, adotando uma dedução padrão de 5% nas indenizações. Essa medida tem potencial para agilizar o trabalho dos peritos, que poderão focar exclusivamente na constatação das perdas em campo, reduzindo a burocracia sem comprometer a precisão técnica (CMN, 2024).

No médio e longo prazo, caso se concretize a expansão do seguro rural, com metas de ampliação da cobertura nacional, incluindo culturas hoje pouco protegidas, haverá necessidade crescente de profissionais capacitados, bem como de uma distribuição mais ampla desses técnicos pelo país (MAPA, 2024). Entidades como o Serviço Nacional de Aprendizagem Rural (SENAR) e a Federação da Agricultura do Paraná (Faep) têm investido em cursos de formação e em processos de padronização de laudos periciais, fundamentais para garantir a credibilidade e uniformidade dos pareceres técnicos (SENAR, 2024; Faep, 2024).

Além disso, a padronização das cláusulas contratuais e dos critérios para reconhecimento de sinistros, atualmente em fase de consulta pública, visa proporcionar regras mais claras e homogêneas, facilitando o trabalho pericial e aumentando a confiança dos produtores e seguradoras no sistema (SUSEP, 2024). Assim, apesar do encolhimento do mercado no curto prazo ter reduzido a atividade pericial, a tendência futura é de maior profissionalização e valorização desses técnicos, que são pilares para o funcionamento eficiente tanto do seguro privado quanto de programas públicos, como o Proagro.

Em termos de políticas públicas e efeitos sistêmicos, as consequências das mudanças no seguro rural vão além do universo dos produtores segurados. De fato, a baixa cobertura atual expõe o setor agrícola brasileiro a riscos climáticos elevados, o que pode gerar impactos negativos sobre a segurança alimentar, os preços dos alimentos e a estabilidade da renda rural (IPEA, 2024). Além disso, um efeito concreto e já observável é o crescimento da inadimplência no crédito rural. Sem a proteção do seguro, produtores afetados por perdas climáticas, portanto, enfrentam dificuldade para honrar financiamentos bancários (Banco do Brasil, 2024).

Dados de novembro de 2024 indicam um aumento atípico da inadimplência no agronegócio: no Banco do Brasil, a taxa de atrasos superiores a 90 dias nas operações rurais subiu de 0,7% para 2,0% em um ano; na Caixa Econômica Federal, os atrasos passaram de 0,75% para 3,35% entre o terceiro trimestre de 2023 e o mesmo período de 2024 (Banco do Brasil, 2024; Caixa Econômica Federal, 2024). Ademais, produtores pessoas físicas de grande porte recorrem cada vez mais a recuperações judiciais para renegociar dívidas, foram 426 pedidos de recuperação judicial por agricultores PF nos primeiros nove meses de 2024, um aumento de 135% em relação a todo o ano de 2023 (TJSP, 2024).

Esse quadro, agravado por eventos climáticos extremos, levou executivos bancários e especialistas a enfatizarem a urgência de disseminar uma cultura de seguro agrícola no Brasil. Eles apontam que, sem maior cobertura seguradora, o custo do crédito rural tende a subir, pois os bancos precificam maior risco de inadimplência, além de possivelmente reduzir a oferta de financiamentos ao setor (CNA, 2024).

Dessa forma, a política pública pode acabar arcando com os custos de outra maneira, por meio de renegociações emergenciais, moratórias ou auxílios pontuais a produtores afetados (CMN, 2024). De fato, o CMN já autorizou prorrogações especiais para dívidas rurais em regiões atingidas por seca em 2023/24, solução temporária que transfere o ônus para o sistema financeiro e para o governo (CMN, 2024).

Em síntese, a fragilidade atual do seguro rural gera impactos negativos em cascata, comprometendo a estabilidade da política agrícola nacional. Por outro lado, a implementação das reformas propostas, como a operacionalização do fundo de catástrofe e a garantia de recursos estáveis para o PSR, pode promover melhorias substanciais: aumento no número de produtores segurados, menor necessidade de intervenções emergenciais e maior estabilidade para o ambiente de negócios rurais (MAPA, 2024).

A Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA) resume bem o papel do seguro rural, destacando que ele protege não apenas o produtor, mas toda a cadeia do agronegócio, incluindo cooperativas, revendas e tradings, ao mitigar riscos sistêmicos (CNA, 2024). Portanto, investir em seguro rural é também investir na estabilidade econômica do setor agropecuário e na segurança alimentar do país.

O modelo norte-americano de seguro agrícola (USDA/FCIP)

Os Estados Unidos possuem um dos sistemas de seguro agrícola mais desenvolvidos e robustos do mundo, resultado de um processo contínuo de aperfeiçoamento iniciado na década de 1930 (Smith & Glauber, 2012). O modelo institucional vigente é uma parceria público-privada: o programa federal, conhecido como Federal Crop Insurance Program (FCIP), é administrado pelo Departamento de Agricultura dos EUA (USDA) por meio da Risk Management Agency (RMA), enquanto a comercialização e operação das apólices ficam a cargo de seguradoras privadas credenciadas, denominadas Approved Insurance Providers (USDA-RMA, 2023).

Em essência, o governo estabelece as regras e tarifas básicas, subsidia uma parte substancial dos prêmios pagos pelos produtores e oferece respaldo financeiro por meio do resseguro para as seguradoras. Por sua vez, as companhias privadas são responsáveis pela venda, atendimento ao cliente e regulação dos sinistros em campo (Huffman & Just, 2020). O FCIP oferece proteção contra perdas decorrentes de eventos adversos diversos, incluindo riscos climáticos como seca, excesso de chuva, granizo, geada e furacões, além de pragas, doenças e até flutuações nos preços de mercado, conforme o tipo de seguro contratado (USDA-RMA, 2023).

  • Amplitude e diversidade da cobertura

A abrangência do seguro agrícola nos EUA é notavelmente alta. Entre os anos 2000 e 2022, o programa cobriu, em média, 81% da área elegível das principais lavouras do país (USDA-RMA, 2023). Atualmente, cerca de 90% de toda a área agrícola norte-americana está protegida por algum tipo de seguro agrícola, público ou privado, um contraste significativo em relação ao Brasil, onde essa cobertura ainda não ultrapassa 20% (Conab, 2024; USDA-RMA, 2023).

Esse elevado índice de penetração decorre de décadas de aprimoramento das políticas públicas. A partir da década de 1990, legislações sucessivas ampliaram os subsídios ao prêmio, tornando o seguro agrícola mais acessível e atraente para os produtores, além de incentivar o desenvolvimento de novos produtos para diferentes culturas e riscos (Goodwin & Smith, 2013). O portfólio do FCIP é bastante diversificado: segundo dados do USDA, entre 2000 e 2022 foram ofertados seguros para 134 diferentes commodities agrícolas, abrangendo grãos como milho, soja, trigo e arroz; fibras como algodão; oleaginosas; açúcar; hortaliças; frutas; pecuária (seguros pecuários e de margin call); forrageiras e pastagens; além de apólices que garantem a receita agregada da fazenda (Whole-Farm Revenue Protection) (USDA-RMA, 2023).

Nos últimos anos, houve crescimento expressivo na contratação dos seguros de Pasture, Rangeland, and Forage (PRF), o que elevou a área total segurada para aproximadamente 494 milhões de acres em 2022 (USDA-RMA, 2023). Cabe destacar que essa área inclui vastas extensões de pastagens extensivas, de baixo valor econômico, motivo pelo qual sua participação no valor total segurado é relativamente menor (USDA-RMA, 2023).

  • Níveis de proteção e incentivos públicos

Em termos de nível de proteção, os produtores americanos podem escolher coberturas que variam de 50% a 85% da média histórica de produção ou receita, garantindo assim entre 50% e 85% da colheita ou receita esperada, conforme o tipo de apólice (Smith & Glauber, 2012). Em 2022, a média ponderada de cobertura alcançada foi de 75% do valor potencial das lavouras, um recorde histórico (USDA-RMA, 2023).

Esse elevado grau de proteção só é possível graças ao robusto apoio público: o governo federal subsidia cerca de 60% do valor dos prêmios, percentual que varia conforme o tipo de seguro e o nível de cobertura escolhido (Goodwin & Smith, 2013). Além disso, o governo cobre parte dos custos administrativos e eventuais prejuízos das seguradoras em anos com perdas elevadas, por meio de acordos de resseguro geridos pelo Federal Crop Insurance Corporation (FCIC), entidade vinculada ao USDA que atua como resseguradora de última instância (USDA-RMA, 2023).

Essa combinação de subsídios ao produtor e suporte operacional às seguradoras assegura a sustentabilidade do sistema, tornando-o estável e atrativo tanto para os agricultores quanto para as empresas seguradoras (Huffman & Just, 2020).

O USDA, por meio da Risk Management Agency (RMA), é responsável pela definição das regras do Federal Crop Insurance Program (FCIP) em âmbito nacional. Isso inclui o desenvolvimento de tarifas atuariais baseadas em modelos estatísticos robustos, que incorporam dados históricos de perdas, características climáticas e riscos específicos de cada condado, cultura e produtor (USDA-RMA, 2023). Além disso, a RMA aprova novos produtos de seguro agrícola e fiscaliza as seguradoras participantes.

As seguradoras privadas firmam contratos com o governo, conhecidos como Standard Reinsurance Agreements (SRA), que estabelecem as condições de compartilhamento de riscos e lucros entre o setor público e privado (Goodwin & Smith, 2013). Na prática, o produtor adquire a apólice junto a uma seguradora privada, com o prêmio já descontado do subsídio federal, e as condições do seguro seguem padrões regulatórios federais (Huffman & Just, 2020). Em caso de sinistro, a seguradora indenizará o produtor e posteriormente receberá do governo a parcela subvencionada e eventuais compensações, caso as perdas totais excedam determinados limites.

Esse arranjo garante que, mesmo em anos de perdas severas, como secas generalizadas, as seguradoras não sofram falências, uma vez que o governo absorve as perdas excessivas em troca de uma participação nos ganhos em anos favoráveis (Smith & Glauber, 2012). Como resultado, o sistema de seguro agrícola é universal e garantido: qualquer produtor que cumpra os requisitos pode contratar cobertura, sem limitação por orçamento anual, diferentemente do Programa de Subvenção ao Prêmio do Seguro Rural (PSR) brasileiro (USDA-RMA, 2023).

Quanto à magnitude financeira, em 2022 o programa americano emitiu cerca de 1,2 milhão de apólices, protegendo 493 milhões de acres com um valor segurado recorde de aproximadamente US$150 bilhões (USDA-RMA, 2023). Naquele ano, marcado por perdas elevadas devido à seca e ondas de calor, as indenizações pagas aos produtores somaram cerca de US$19,1 bilhões, também um recorde histórico. O custo total do FCIP para o governo federal foi estimado em US$17,3 bilhões, incluindo US$11,98 bilhões em subsídios aos prêmios e aproximadamente US$3,7 bilhões para cobrir despesas administrativas e provisões de sinistros das seguradoras (USDA-RMA, 2023). Em anos com menor ocorrência de desastres, os gastos diminuem, porém permanecem significativos.

Nos últimos anos, o orçamento federal anual autorizado para o programa oscilou entre US$ 10 e 14 bilhões, valor mais de 50 vezes superior ao orçamento anual do PSR brasileiro, mesmo considerando a conversão cambial, o que evidencia a disparidade de escala entre os dois sistemas (Conab, 2024; USDA-RMA, 2023).

  • Eficiência e características técnicas do sistema

Diversos fatores tornam o modelo norte-americano um exemplo de sucesso em termos de cobertura e capilaridade. A concorrência entre diversas seguradoras e corretores em um vasto mercado agrícola facilita o acesso dos produtores aos seguros, praticamente todos os condados produtores dispõem de agentes oferecendo apólices, integradas ao calendário agrícola e às exigências dos financiadores (Goodwin & Smith, 2013).

Além disso, o portfólio de produtos é sofisticado. O seguro mais popular atualmente é o Revenue Protection (proteção de receita), que cobre perdas financeiras resultantes da combinação de queda na produtividade e na queda dos preços de mercado. Essa modalidade inovadora assegura riscos de mercado que, no Brasil, ainda são pouco cobertos (USDA-RMA, 2023). Cerca de 75% do valor segurado nos EUA corresponde a apólices desse tipo (USDA-RMA, 2023).

O sistema também inclui seguros paramétricos, como o seguro de pastagem indexadas a índices de seca, seguros baseados em índices climáticos e apólices customizadas para culturas especiais de alto valor, como frutas e hortaliças (Huffman & Just, 2020). O USDA apoia o programa com iniciativas de capacitação, pesquisa e desenvolvimento em atuária agrícola e coleta massiva de dados, incluindo históricos de rendimento por fazenda e dados meteorológicos, que permitem a constante recalibração das tarifas de risco (Smith & Glauber, 2012).

Como consequência, o FCIP alcançou um valor total segurado equivalente a cerca de 33% do valor da produção agrícola nacional, um nível de proteção incomparável em outros países (USDA-RMA, 2023). Entretanto, o modelo também enfrenta críticas, especialmente no que diz respeito ao custo fiscal elevado e aos incentivos para adaptação dos produtores às mudanças climáticas, questões que serão abordadas posteriormente em comparação com o sistema brasileiro.

Comparação entre Brasil e EUA: subvenção, cobertura, eficiência e custos fiscais

A comparação dos sistemas de seguro agrícola do Brasil e dos EUA revela diferenças estruturais profundas, decorrentes de contextos históricos, econômicos e de políticas distintas. A seguir, são contrastados alguns elementos-chave:

  • Grau de Subvenção e Modelo de Financiamento:

Tanto o Brasil quanto os Estados Unidos utilizam subsídios públicos para viabilizar o seguro rural, mas seus modelos de financiamento e operação apresentam diferenças substanciais. No Brasil, o Programa de Subvenção ao Prêmio do Seguro Rural (PSR) funciona por meio de dotações orçamentárias anuais, cujo valor é definido a cada exercício fiscal. Em 2024, o orçamento aprovado foi de aproximadamente R$960 milhões (cerca de US$200 milhões) (MAPA, 2024). Esse montante é destinado a subsidiar entre 20% e 60% do valor do prêmio das apólices, conforme o tipo de cultura, região e perfil do produtor. Contudo, o modelo brasileiro é limitado: quando a demanda pelos subsídios supera o orçamento disponível, os recursos se esgotam e os produtores que não conseguiram acesso ao benefício ficam desassistidos, situação que ocorreu, por exemplo, em 2023 (Conab, 2024).

Nos Estados Unidos, por outro lado, o modelo é estruturado com base em uma subvenção aberta e garantida. Todo produtor que contrata uma apólice elegível pelo Federal Crop Insurance Program (FCIP) recebe subsídio automaticamente, sem depender de filas, cotas ou limites orçamentários anuais. A subvenção média ao prêmio gira em torno de 60%, mas pode variar conforme o tipo de cobertura escolhida. Por exemplo, apólices com coberturas mínimas (cerca de 50% da lavoura) recebem subsídios de aproximadamente 80%, enquanto coberturas máximas (85%) são subsidiadas em torno de 38% a 48% (USDA-RMA, 2023; Glauber, 2013). Além disso, o governo norte-americano cobre parte dos custos administrativos pagos às seguradoras e compartilha riscos financeiros através de mecanismos de resseguro público, operados pela Federal Crop Insurance Corporation (FCIC), órgão vinculado ao USDA. Esse arranjo permite um alto grau de previsibilidade e estabilidade institucional, tanto para produtores quanto para seguradoras (Smith & Glauber, 2012).

Em termos de volume de investimento público, os Estados Unidos destinam recursos significativamente superiores aos do Brasil. Apenas os subsídios aos prêmios somaram cerca de US$11,98 bilhões em 2022, valor dezenas de vezes maior que o desembolso brasileiro no mesmo ano (USDA-RMA, 2023). Proporcionalmente, o investimento americano também é maior: o apoio governamental ao seguro rural representa entre 5% e 10% da renda agrícola bruta nos EUA, enquanto no Brasil, a soma de todas as formas de apoio (incluindo crédito rural subsidiado, Proagro e PSR) representa cerca de 1,7% da renda bruta dos produtores (Gasques et al., 2023; OECD, 2022). 

Essa disparidade reflete estratégias distintas de política agrícola. No Brasil, historicamente, o foco esteve no crédito rural subsidiado e na política de preços mínimos, com o seguro agrícola ocupando um papel secundário. Nos Estados Unidos, por sua vez, o seguro agrícola tornou-se um dos pilares centrais da política de apoio ao produtor, integrando uma abordagem baseada na gestão de risco, e não apenas em intervenções de mercado (Wright & Hewitt, 1994; Glauber, 2013).

  • Cobertura e Penetração:

Conforme mencionado, o seguro rural nos Estados Unidos apresenta elevada penetração: mais de 80% da área cultivada nacional conta com algum tipo de cobertura, chegando a cerca de 90% nas principais culturas e regiões produtoras (USDA-RMA, 2023). Essa ampla abrangência inclui praticamente todos os médios e grandes produtores comerciais, com aproximadamente 1 milhão de apólices ativas por ano, segundo dados do Departamento de Agricultura dos EUA.

No Brasil, a situação é marcadamente diferente. Mesmo no auge recente da adesão ao Programa de Subvenção ao Prêmio do Seguro Rural (PSR), em 2021, apenas cerca de 20% da área agrícola cultivada estava segurada. Essa cobertura concentrou-se principalmente nas culturas de soja, milho e trigo, e em regiões com maior tradição em gestão de risco agrícola, como os estados do Sul e do Sudeste (MAPA, 2022). Em termos de produtores atendidos, a disparidade é ainda mais acentuada, enquanto o sistema norte-americano cobre praticamente todos os produtores comerciais, o número de beneficiários do PSR no Brasil atingiu um pico de cerca de 100 mil produtores em 2020–2021, caindo para aproximadamente 40 mil em 2023 (CONAB, 2024).

Isso em um universo de mais de 4 milhões de estabelecimentos agropecuários registrados no país (IBGE, 2017), dos quais uma parcela significativa, embora composta por agricultores familiares, também está exposta a riscos climáticos e de mercado.

Essa baixa cobertura evidencia que o seguro rural brasileiro ainda é incipiente e não faz parte da realidade da maioria dos agricultores, sobretudo os pequenos e médios produtores. Como consequência, diante de eventos climáticos extremos, como secas ou enchentes, grande parte dos agricultores brasileiros depende exclusivamente de ações emergenciais do governo, quando disponíveis, ou arca sozinha com os prejuízos. Nos Estados Unidos, em contraste, a maioria dos produtores afetados conta com algum tipo de indenização securitária, o que contribui para a estabilidade de renda e continuidade das atividades produtivas (Smith & Glauber, 2012; OECD, 2022).

A Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) reconhece essa diferença como um dos principais desafios da política agrícola brasileira. Em um relatório recente, a entidade destacou: “Nos Estados Unidos, cerca de 90% da área agrícola tem cobertura de seguro; no Brasil, essa proporção não ultrapassa os 10%” (OECD, 2022). A economista Fernanda Schwantes, da Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA), reiterou que o país precisa avançar significativamente em sua política de seguro rural para promover maior resiliência do setor frente às mudanças climáticas e à volatilidade dos mercados.

  • Atuação técnica e tipos de produtos:

No aspecto técnico-operacional, tanto Brasil quanto Estados Unidos contam com instrumentos avançados de análise de risco, ainda que com enfoques distintos. O Brasil desenvolveu o Zoneamento Agrícola de Risco Climático (ZARC), coordenado pela Embrapa, que estabelece as janelas ideais de plantio e as cultivares mais adequadas para cada região, com base em séries históricas de clima, solo e ciclo das culturas. Esse zoneamento visa minimizar os riscos de perdas por adversidades climáticas e é pré-requisito tanto para a contratação de crédito rural oficial quanto para o acesso ao Programa de Garantia da Atividade Agropecuária (Proagro) e à subvenção do seguro rural (PSR) (EMBRAPA, 2022; MAPA, 2023). Apenas lavouras implantadas dentro das janelas recomendadas pelo ZARC são elegíveis ao apoio público, o que torna esse instrumento um ponto forte da política agrícola brasileira e um modelo de gestão de risco estudado internacionalmente (OECD, 2022).

Nos Estados Unidos, não há um instrumento equivalente ao ZARC em âmbito nacional. Em vez disso, o Federal Crop Insurance Program (FCIP) exige que os produtores segurados sigam as chamadas Good Farming Practices (GFPs), ou boas práticas agrícolas, que envolvem manejo adequado, plantio dentro do período habitual local e uso de técnicas reconhecidas cientificamente. A não observância dessas práticas pode levar à negação de indenização em caso de sinistro, caso fique comprovada negligência (USDA-RMA, 2023). As janelas de plantio e parâmetros de produção são definidos localmente, com base em históricos climáticos e agronômicos regionais, muitas vezes em colaboração entre seguradoras, universidades e o Departamento de Agricultura dos estados.

Quanto à diversidade de produtos securitários, o sistema norte-americano é significativamente mais desenvolvido. Predominam apólices multirriscos de produtividade e, especialmente, de receita (Revenue Protection), que combinam proteção contra variações na produtividade e nos preços de mercado. Esse tipo de produto responde por cerca de 75% do valor segurado nos EUA, com forte presença nas culturas de milho, soja, trigo e algodão (USDA-RMA, 2023). Já no Brasil, a maior parte das apólices é voltada à cobertura de perdas de produtividade por eventos climáticos. Apenas recentemente começaram a ser oferecidos seguros de receita para soja e milho em caráter experimental, ainda com baixa adesão e cobertura limitada (CNA, 2023).

Além disso, os Estados Unidos incorporaram seguros paramétricos, como aqueles indexados a precipitação ou NDVI (índice de vegetação), ao programa federal, inclusive com subvenção. Esses produtos são utilizados especialmente em pastagens e culturas perenes. No Brasil, os seguros paramétricos ainda estão em fase piloto, com poucos produtos comercializados e sem subvenção federal sistemática (MAPA, 2023; GIZ, 2021).

Em termos atuariais, o sistema americano opera com modelos probabilísticos avançados desde o ano 2000, adotando tarifação contínua ajustada ao risco específico de cada local, cultura e nível de cobertura (Glauber, 2004). As seguradoras contam com bancos de dados robustos, como séries de produtividade por fazenda desde a década de 1970, e com o suporte do National Crop Insurance Services (NCIS), entidade da indústria que promove pesquisas atuariais, auditorias e treinamento de reguladores.

No Brasil, a modelagem atuarial ainda depende fortemente de dados climáticos e de produção limitados, além da percepção de risco das seguradoras, o que resulta em prêmios elevados e cobertura parcial em regiões mais vulneráveis. A ausência de mecanismos de resseguro público ou partilha de perdas catastróficas agrava esse cenário. Pesquisas acadêmicas, especialmente da ESALQ-USP, vêm explorando técnicas como modelos de distribuição de produtividade, cópulas multivariadas e análise espacial de risco para aperfeiçoar a precificação dos seguros agrícolas (Rocha et al., 2021). Contudo, a aplicação em larga escala dessas inovações depende de maior maturidade do mercado e infraestrutura de dados.

Iniciativas institucionais no Brasil, como o Observatório do Seguro Rural (MAPA) e programas de capacitação promovidos pela CNA, universidades e seguradoras, têm buscado preencher essa lacuna, ampliando a base técnica e informacional do setor.

Em resumo, embora o Brasil tenha avançado significativamente nos últimos anos, o sistema norte-americano permanece em patamar superior em termos de diversidade de produtos, sofisticação atuarial e integração com a política agrícola.

  • Eficiência de cobertura e resultados: 

A eficiência de um sistema de seguro rural pode ser avaliada por dois eixos principais: (i) o grau de cobertura do risco agrícola total e (ii) o custo fiscal para atingir essa cobertura. Sob esse prisma, o modelo norte-americano oferece uma cobertura substancialmente mais ampla, mas a um custo público elevado, enquanto o modelo brasileiro, embora fiscalmente mais contido, ainda apresenta cobertura restrita e eficácia limitada em termos setoriais.

Nos Estados Unidos, estima-se que o seguro rural abrange aproximadamente 33% do valor total da produção agrícola nacional, com uma penetração de mais de 80% da área cultivada (USDA-RMA, 2023). Essa ampla cobertura contribui significativamente para a estabilidade da renda agrícola, mitigando os impactos econômicos de desastres climáticos. Contudo, esse nível de proteção tem um custo: os gastos anuais do governo federal com o Federal Crop Insurance Program (FCIP) variaram entre US$ 6 bilhões e US$ 16 bilhões na última década, conforme o volume de sinistros e a extensão da subvenção à produção (CRS, 2022; ERS-USDA, 2023).

No Brasil, mesmo nos anos de maior execução do Programa de Subvenção ao Prêmio do Seguro Rural (PSR), como em 2020 e 2021, a cobertura efetiva não ultrapassou 5% do Valor Bruto da Produção Agropecuária (VBP), refletindo a focalização do programa em algumas culturas e regiões específicas, como soja, milho e trigo no Sul e Sudeste (MAPA, 2023; CNA, 2023). O custo fiscal do PSR tem girado em torno de R$1 bilhão por ano (aproximadamente US$200 milhões), o que representa uma despesa pública relativamente modesta diante do orçamento geral da política agrícola. Assim, ainda que o alcance do programa seja limitado, ele se mostra alinhado a restrições fiscais e à disciplina orçamentária vigente (OCDE, 2022).

A eficiência atuarial dos sistemas pode ser medida pela razão sinistros/prêmios, também conhecida como índice de sinistralidade. Esse indicador expressa a relação entre os valores pagos em indenizações e os valores arrecadados em prêmios (incluindo a parte do governo). Nos EUA, o programa é estruturado para manter uma sinistralidade média próxima de 1 (100%) ao longo do tempo, garantindo equilíbrio técnico-financeiro, mas permitindo flutuações em anos extremos. Por exemplo, durante secas severas, como em 2012 e 2022, a sinistralidade nacional ultrapassou 140–150%, sem comprometer a continuidade do programa graças ao suporte fiscal automático provido pela legislação agrícola americana (USDA-RMA, 2023; Glauber, 2013).

No Brasil, a sinistralidade do PSR é mais volátil e regionalmente concentrada. Em 2021, com clima relativamente favorável, o índice permaneceu abaixo de 100%, mas em 2022 houve picos superiores a 200%, especialmente em culturas como a soja no Sul do país, fortemente afetadas por estiagens (CNA, 2023). Ao contrário do modelo americano, o Brasil não dispõe de um fundo público de resseguro ou mecanismos automáticos de recomposição orçamentária. Assim, anos de elevada sinistralidade podem afetar a sustentabilidade financeira do sistema, levando a recuos de seguradoras (como aumento de prêmios ou retirada de produtos) e à redução da oferta subvencionada nos anos seguintes, como ocorreu em 2023 (MAPA, 2023).

Em suma, enquanto os Estados Unidos adotam um modelo robusto, universal e caro, com grande efetividade protetiva, o Brasil opera um sistema ainda emergente, com foco fiscal conservador, mas que carece de mecanismos estruturais para expansão sustentável da cobertura e resposta sistêmica a eventos catastróficos.

  • Custos fiscais e sustentabilidade: 

O custo fiscal de um programa de seguro agrícola não se resume aos desembolsos diretos com subsídios, mas inclui também efeitos indiretos sobre o orçamento público, como gastos administrativos, incentivos econômicos distorcidos e despesas emergenciais alternativas.

Nos Estados Unidos, críticas recorrentes ao Federal Crop Insurance Program (FCIP) indicam que uma parcela significativa dos recursos públicos alocados não chega diretamente aos produtores. Relatórios do Government Accountability Office (GAO) e análises da Environmental Working Group (EWG) apontam que, de cada dólar gasto pelo governo federal com o programa, apenas cerca de 60 a 70 centavos retornam aos agricultores sob a forma de subvenções ao prêmio ou indenizações, enquanto o restante é absorvido por custos administrativos, comissões e lucros das seguradoras privadas que operam o programa (GAO, 2017; EWG, 2023).

Outro ponto de preocupação é o potencial incentivo a comportamentos indesejados, como o “moral hazard”, quando os produtores adotam práticas de risco por estarem protegidos pelo seguro, e a “adverse selection”, em que áreas mais suscetíveis a perdas naturais concentram a demanda por cobertura. Além disso, estudos sugerem que o programa pode indiretamente estimular o cultivo em áreas ambientalmente frágeis, como pradarias e zonas semiáridas, contribuindo para desmatamento e degradação ambiental (Claassen et al., 2016; Babcock, 2015).

No Brasil, embora o custo direto do PSR seja relativamente pequeno em comparação a outras políticas agrícolas, como a equalização de juros do crédito rural, que consumiu mais de R$13 bilhões em 2022, a ausência de um seguro rural abrangente implica custos ocultos significativos. Em situações de calamidade, o governo frequentemente recorre à renegociação de dívidas ou à criação de linhas emergenciais de crédito, o que representa dispêndios fiscais não planejados e pouco transparentes (OCDE, 2022; MAPA, 2023). Nesse contexto, diversos estudos apontam que ampliar o seguro rural poderia ser economicamente mais eficiente e previsível, além de contribuir para a resiliência da produção agrícola (CNA, 2023; Barbosa & Souza, 2020).

Em busca de maior previsibilidade e sustentabilidade fiscal, o Brasil tem discutido mecanismos para tornar o PSR menos vulnerável a contingenciamentos orçamentários. Uma das propostas é tornar o programa uma despesa obrigatória, impositiva e fora do teto de gastos, sugestão vetada na Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) de 2024, mas que permanece em debate no Congresso (CNA, 2024). Outra iniciativa em análise é a criação de fundos de reserva ou de estabilização, que permitiriam ao programa absorver variações de demanda ou sinistralidade sem depender de suplementações emergenciais.

Nos EUA, embora o FCIP conte com amplo apoio político, respaldado por fortes interesses do setor agrícola e do chamado “farm lobby“, sua sustentabilidade fiscal vem sendo crescentemente questionada, sobretudo diante das projeções de aumento na frequência e severidade de eventos climáticos extremos (CRS, 2023; GAO, 2023).

Em síntese, os modelos de Brasil e Estados Unidos refletem dois extremos de maturidade e escala em seguro agrícola: o Brasil é uma economia emergente tentando expandir um programa ainda modesto sob severas restrições fiscais; os EUA são uma potência agrícola com um sistema consolidado, mas oneroso. O Brasil pode se beneficiar ao adotar práticas bem-sucedidas dos EUA, como a integração do seguro com o crédito rural, a diversificação de produtos (seguro de renda, qualidade, paramétrico) e o desenvolvimento de capacidades técnicas institucionais. Por outro lado, a experiência brasileira com o Zoneamento Agrícola de Risco Climático (ZARC) e o foco inicial em pequenos e médios produtores oferece lições relevantes de eficiência alocativa e justiça distributiva, com destaque para a calibragem regional do risco.

A seguir, analisaremos estudos recentes de instituições internacionais e brasileiras que aprofundam essas comparações, antes de discutir o desafio sistêmico comum a ambos os modelos: a crescente ameaça representada pelas mudanças climáticas.

Evidências científicas e estudos técnicos sobre seguro rural

A temática do seguro agrícola tem sido amplamente estudada por instituições acadêmicas, centros de pesquisa e organismos técnicos, tanto no Brasil quanto no exterior. Esses estudos fornecem a base para o desenvolvimento de políticas públicas mais eficazes e contribuem para o aprimoramento dos instrumentos de gestão de risco no setor agropecuário.

No contexto brasileiro, instituições como a Fundação Getulio Vargas (FGV Agro) e a Escola Superior de Agricultura “Luiz de Queiroz” da Universidade de São Paulo (ESALQ/USP) têm se destacado na produção de análises técnicas e recomendações de política. Por exemplo, um relatório recente do Centro de Estudos do Agronegócio da FGV Agro (Serigati et al., 2023) discute “por que o seguro rural é importante, sua situação atual e como ampliá-lo”. O estudo destaca o descompasso entre a relevância econômica do agronegócio brasileiro e a ainda limitada cobertura securitária, sugerindo um aumento gradual, previsível e sustentado do orçamento do Programa de Subvenção ao Prêmio do Seguro Rural (PSR), como forma de aumentar a previsibilidade e atratividade do mercado. Também recomenda integrar o seguro a uma política mais ampla de gestão de riscos e fomentar a concorrência no setor securitário, como estratégia para reduzir custos e ampliar o acesso.

Na ESALQ/USP, pesquisadores como Vitor Ozaki, Paulo Arbex e João Carrer vêm desenvolvendo estudos voltados para a melhoria técnica dos produtos de seguro rural. Entre os destaques, estão pesquisas que utilizam cópulas multivariadas para modelar séries temporais de produtividade agrícola, com o objetivo de melhorar a precificação de seguros de receita adaptados ao Brasil (Ozaki et al., 2020). Outro trabalho analisou a viabilidade de um seguro de margem bruta para culturas como soja e milho, considerando variações conjuntas de produtividade e preços nos mercados nacionais (Arbex et al., 2021). Essas abordagens possibilitam adaptar ao Brasil modelos consagrados nos Estados Unidos, como o Revenue Protection Insurance, respeitando as características regionais e estruturais da agricultura brasileira.

Além do desenvolvimento de novos produtos, há também interesse crescente na compreensão dos fatores que afetam a adesão ao seguro por parte dos produtores. Estudo conduzido por Carrer et al. (2019) identificou características socioeconômicas, acesso ao crédito, nível de escolaridade e percepção de risco climático como determinantes importantes na decisão de contratar seguro rural no estado de São Paulo. Essas evidências são fundamentais para orientar políticas de educação financeira e campanhas de conscientização, especialmente voltadas a pequenos e médios produtores.

A crescente produção acadêmica sobre o tema indica que, embora o Brasil ainda esteja em fase de expansão do mercado de seguro rural, há capital técnico e analítico significativo para apoiar sua evolução. Estudos como esses oferecem subsídios concretos à formulação de políticas públicas mais robustas e integradas, com base em evidência empírica e rigor metodológico.

Além das universidades, instituições do setor produtivo e órgãos governamentais também têm desempenhado papel relevante na análise e formulação de propostas para o aprimoramento do seguro rural no Brasil. A Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA), por meio do Instituto CNA e de sua Superintendência Técnica, tem publicado notas técnicas e participado ativamente de fóruns nacionais e internacionais, defendendo o fortalecimento do Programa de Subvenção ao Prêmio do Seguro Rural (PSR).

No âmbito do diálogo com a Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), em relatório publicado em 2020, a CNA destacou que o Brasil necessita de uma política de seguro rural mais robusta e abrangente, não apenas para proteger diretamente os produtores, mas também para reduzir o risco sistêmico na cadeia do agronegócio, beneficiando cooperativas, revendas de insumos, agentes financeiros e indústrias agroalimentares (OCDE/CNA, 2020). Esse posicionamento se apoia em estudos que apontam efeitos indiretos positivos de uma maior cobertura securitária, como a redução do risco de crédito para fornecedores, aumento da liquidez no mercado rural e maior estabilidade de oferta para agroindústrias e exportadores (CNA, 2021).

Por sua vez, a Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa) tem contribuído com base científica essencial para a gestão de riscos, principalmente por meio do desenvolvimento e contínua atualização do Zoneamento Agrícola de Risco Climático (ZARC). Esse instrumento é amplamente reconhecido como um diferencial técnico do Brasil, sendo utilizado para orientar o crédito rural, o Proagro e os contratos subvencionados pelo PSR.

Além do ZARC, a Embrapa tem promovido estudos prospectivos sobre os efeitos das mudanças climáticas na agricultura brasileira. Um exemplo é o trabalho de Guimarães (2019), publicado em periódico da instituição, que avalia os impactos do aquecimento global sobre a sinistralidade dos seguros agrícolas e propõe medidas como a revisão das zonas de risco climático, a diversificação de cultivos e o desenvolvimento de produtos securitários mais adaptados à nova realidade climática.

A Embrapa também tem liderado iniciativas de inovação no setor, como os projetos-piloto de seguro paramétrico, que utilizam dados climáticos (índice de chuva, NDVI, etc.) para determinar automaticamente o pagamento de indenizações. Um caso emblemático é o Seguro de Seca para Milho no Oeste da Bahia, desenvolvido com base em modelagens agroclimáticas e descrito em Libera et al. (2017), demonstrando a viabilidade técnica e o potencial de replicação em outras regiões do país.

Essas inovações e análises estão sendo acompanhadas e reforçadas por instituições independentes e think tanks especializados em política agrícola, como o Instituto Escolhas e a Agroicone, que têm promovido discussões sobre o papel do seguro rural no contexto das mudanças climáticas, segurança alimentar e financiamento verde.

No cenário internacional, organismos multilaterais como a Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) e a Organização das Nações Unidas para Alimentação e Agricultura (FAO) têm conduzido análises comparativas sobre políticas de gestão de riscos agrícolas. Relatórios da OCDE mostram que, embora o Brasil seja uma das maiores potências agrícolas globais, o nível de apoio público ao seguro rural ainda é significativamente inferior ao observado em países com estruturas produtivas comparáveis, como os Estados Unidos, Canadá e países da União Europeia (OCDE, 2021). A organização recomenda que o país avance na adoção de instrumentos de mercado, como seguros e derivativos agrícolas, em detrimento da tradicional dependência de ajuda emergencial ad hoc após eventos climáticos extremos.

Nos Estados Unidos, onde o Federal Crop Insurance Program (FCIP) é amplamente consolidado, a vasta literatura acadêmica tem contribuído para o aprimoramento do modelo. Instituições como o Economic Research Service (ERS) do Departamento de Agricultura dos EUA (USDA), bem como universidades como Iowa State, Illinois, Stanford e Kansas State, têm produzido estudos que abordam desde a eficiência econômica do programa até os efeitos comportamentais sobre os produtores.

Por exemplo, o economista Bruce Babcock, da Iowa State University, é autor de uma série de estudos que propõem reformas ao FCIP, incluindo a redução dos subsídios para níveis mais elevados de cobertura e ajustes nas compensações por prevent plant (Babcock, 2015; Babcock & Hart, 2018). As propostas visam melhorar a eficiência fiscal sem comprometer a estabilidade da renda agrícola, sendo constantemente debatidas no Congresso e no âmbito do Farm Bill.

Um estudo particularmente notório conduzido pela Universidade de Stanford, liderado por Noah Diffenbaugh et al. (2017), analisou dados de 1991 a 2017 e concluiu que aproximadamente 20% das indenizações pagas pelo seguro agrícola nos EUA nesse período estão associadas ao aumento da temperatura causado pelas mudanças climáticas. Segundo os autores, isso representa dezenas de bilhões de dólares em perdas seguradas, e a tendência é de intensificação caso políticas de mitigação e adaptação não sejam implementadas com urgência.

Além disso, diversas pesquisas vêm analisando a interação entre o seguro agrícola e práticas de manejo sustentável. Estudos da Universidade de Illinois, por exemplo, argumentam que o seguro multirriscos tradicional (multi-peril crop insurance, MPCI) não reconhece adequadamente os benefícios agronômicos de práticas como plantio direto, rotação de culturas ou uso de cobertura vegetal, o que pode desencorajar sua adoção (Woodard et al., 2019). Em resposta a esse tipo de crítica, o USDA lançou em 2021 o programa piloto “Pandemic Cover Crop Program (PCCP)”, oferecendo desconto no prêmio de seguro para produtores que adotam práticas como o plantio de cobertura (cover crops).

Contudo, conforme reportado em veículos especializados (Goldstein, 2022), muitos agricultores que tentam adotar sistemas regenerativos mais diversificados ainda enfrentam barreiras nos critérios de elegibilidade e histórico de produção exigidos pelo seguro, que tendem a favorecer monoculturas e práticas convencionais. Isso revela um debate importante nos EUA sobre a necessidade de reformar os instrumentos de seguro para que não desincentivem inovações sustentáveis e adaptação climática.

Essas discussões são altamente pertinentes ao contexto brasileiro, especialmente considerando o potencial de práticas como a integração lavoura-pecuária-floresta (ILPF), a diversificação de culturas e o uso de tecnologias adaptativas como aliadas tanto da produtividade quanto da resiliência climática. O desafio está em desenhar instrumentos securitários que reconheçam e incentivem tais práticas, e não que as penalizem por fugirem dos padrões convencionais de avaliação de risco.

Em síntese, o acúmulo de estudos de instituições como FGV Agro, Esalq/USP, OCDE, CNA, Embrapa, USDA e universidades norte-americanas converge na avaliação de que o seguro rural é um instrumento essencial de gestão de riscos em um cenário de maior incerteza climática e de mercados voláteis. Há consenso de que expandir e aperfeiçoar o seguro rural no Brasil pode gerar benefícios econômicos e sociais expressivos, desde que acompanhado de soluções de financiamento estáveis, inovações institucionais e integração com políticas de adaptação climática, tema que será tratado na próxima seção.

Pontos fortes e fracos diante das mudanças climáticas

As mudanças climáticas representam, possivelmente, o maior desafio contemporâneo para os sistemas de seguro agrícola em todo o mundo. A intensificação da frequência e da severidade dos eventos extremos, como secas prolongadas, chuvas intensas, geadas fora de época e ondas de calor, tende a elevar significativamente os sinistros, colocando sob pressão tanto a sustentabilidade financeira quanto a capacidade operacional desses programas. Nesse cenário, tanto Brasil quanto Estados Unidos precisarão adaptar seus modelos, enfrentando suas fragilidades estruturais e otimizando seus pontos fortes para manter a cobertura e a previsibilidade necessárias ao setor agrícola.

Brasil: vulnerabilidades estruturais e potencial de adaptação

O sistema brasileiro de seguro rural, ainda em fase de consolidação, apresenta vulnerabilidades explícitas diante de eventos climáticos severos. A safra 2021/2022 evidenciou essa fragilidade: a seca histórica no Sul do país provocou perdas agrícolas recordes, elevando o valor total das indenizações a mais de R$ 8 bilhões, o que representou um aumento de mais de 400% em relação à safra anterior, segundo dados da Superintendência de Seguros Privados (SUSEP, 2022). Este pico de sinistralidade impactou fortemente as seguradoras e resseguradoras, que registraram prejuízos significativos e passaram a reavaliar sua exposição ao risco, com retração momentânea da oferta e aumento de prêmios.

Como agravante, a insuficiência orçamentária do Programa de Subvenção ao Prêmio do Seguro Rural (PSR) impediu que muitos produtores das regiões mais atingidas contratassem seguro na safra seguinte (2022/2023), mesmo ainda enfrentando os impactos financeiros da quebra anterior. Esse ciclo de sinistro elevado, retração da oferta, baixa cobertura subsequente evidencia a limitação do sistema em absorver choques climáticos sistêmicos. Tal fragilidade se manifesta tanto no setor privado (mercado de seguros com baixa capitalização, concentração e penetração limitada) quanto no setor público (PSR sujeito a contingenciamentos e o Proagro com teto de cobertura insuficiente para grandes desastres).

Outro problema é a distribuição geográfica desigual da cobertura. Regiões especialmente expostas a riscos climáticos, como o semiárido nordestino (vulnerável a secas prolongadas) e encostas do Sudeste (sujeitas a deslizamentos e enxurradas), contam com baixa oferta de seguros e acabam sendo atendidas, predominantemente, por programas emergenciais de assistência. Um exemplo é o Garantia-Safra, que atua como rede de proteção para a agricultura familiar no Nordeste, mas que possui cobertura limitada e não substitui uma política de seguro estruturada.

Com o agravamento das mudanças climáticas, existe o risco de que determinadas regiões se tornem “inseguráveis” (uninsurable). Isso ocorre quando a frequência de eventos extremos ultrapassa a capacidade técnica e atuarial de precificação ou a disposição do mercado em assumir riscos catastróficos sem subsídios substanciais, um fenômeno já observado em países como Austrália e Estados Unidos (Barnett et al., 2021).

Além disso, o sistema brasileiro ainda carece de inovações tecnológicas presentes em mercados mais desenvolvidos. A ausência de seguros paramétricos para estiagem aplicados a pastagens ou pecuária, por exemplo, deixa segmentos vulneráveis, como os pecuaristas do Pantanal e do Sul do Brasil, que enfrentam perda de pasto e mortalidade de rebanhos em secas prolongadas, mas que não dispõem de produtos específicos de cobertura. Nos EUA, já existem produtos estruturados com base em índices meteorológicos (como NDVI ou pluviometria acumulada) para tais finalidades, inclusive com apoio público via o Pasture, Rangeland, Forage (PRF) Insurance Program (USDA-RMA, 2023).

A falta desses instrumentos no Brasil limita a capacidade de expansão do seguro para atividades além das lavouras anuais e representa uma lacuna crítica diante da intensificação do risco climático.

O Brasil dispõe de alguns elementos estruturais que podem ser cruciais para a adaptação do seguro agrícola às novas condições climáticas. Primeiramente, destaca-se o Zoneamento Agrícola de Risco Climático (ZARC), uma ferramenta robusta baseada em dados agronômicos e climatológicos que é periodicamente atualizada. O ZARC identifica para cada município, cultura e tipo de solo as épocas de plantio com menor risco climático, fundamentado em séries históricas e análises estatísticas (INMET, 2022; Embrapa, 2021). Com as mudanças climáticas, é fundamental recalibrar o zoneamento para incorporar novas variabilidades, como o aumento da frequência de veranicos no Sul do país, ajustando janelas de plantio e incentivando o uso de cultivares mais precoces ou tolerantes. Essa orientação preventiva configura uma vantagem comparativa do Brasil, pois permite mitigar perdas ex-ante, enquanto países sem instrumentos similares tendem a depender exclusivamente de indenizações ex-post (Cunha et al., 2018).

Outro ponto forte brasileiro é a experiência consolidada em sistemas agrícolas tropicais diversificados, como o plantio direto e a Integração Lavoura-Pecuária-Floresta (ILPF). Essas práticas conservacionistas melhoram a estrutura do solo, aumentam a retenção hídrica e promovem a resiliência frente a eventos climáticos adversos (Silva et al., 2020). O desafio será incorporar tais práticas no modelo de seguro rural, por meio da oferta de incentivos financeiros ou descontos nos prêmios para produtores que adotem manejos sustentáveis, em linha com as iniciativas já em debate nos Estados Unidos (USDA-RMA, 2021). Algumas seguradoras brasileiras já iniciaram a consideração desses fatores em sua aceitação de risco, e futuras regulamentações poderiam formalizar incentivos “verdes” dentro do Programa de Subvenção ao Prêmio do Seguro Rural (PSR).

Por fim, destaca-se o esforço para implementar um Fundo de Estabilidade do Seguro Rural (Fundo Catástrofe), previsto desde 2014 na legislação (Lei nº 13.606/2018), mas que ainda não foi devidamente capitalizado. O projeto de lei PL 2951/2024 visa reativar esse fundo, que tem potencial para acumular reservas em anos de baixa sinistralidade e contribuir no pagamento de indenizações em anos com eventos extremos, proporcionando maior estabilidade financeira ao sistema (MAPA, 2024). Isso é particularmente relevante frente à variabilidade climática crescente associada aos fenômenos El Niño/La Niña e ao aquecimento global, que aumentam a ocorrência de eventos catastróficos.

Em suma, o maior desafio do Brasil permanece sendo a baixa cobertura do seguro e insuficiência de recursos, que precisam ser ampliados com urgência. No entanto, há bases técnicas, práticas agrícolas e potenciais mecanismos institucionais que podem fortalecer o sistema para lidar com a crescente variabilidade climática, desde que haja compromisso político e investimentos consistentes.

Estados Unidos: Resiliência e Desafios Climáticos

O sistema norte-americano de seguro agrícola, pela sua escala e estrutura consolidada, atualmente consegue absorver grande parte dos impactos financeiros causados por desastres climáticos. Por exemplo, durante a seca severa de 2012, que afetou especialmente as lavouras de milho e soja no Meio-Oeste, produtores segurados receberam aproximadamente US$ 17 bilhões em indenizações, cobrindo boa parte das perdas e evitando uma crise generalizada no setor agrícola (USDA-RMA, 2013). Em 2022, eventos climáticos extremos como secas e ondas de calor resultaram em indenizações recordes de cerca de US$19 bilhões, garantindo a estabilidade da renda de milhares de produtores.

Esse aspecto do modelo americano configura um ponto forte: o seguro funciona como um mecanismo de socialização dos riscos climáticos, atuando quase como um “fundo soberano de desastres” financiado pelos contribuintes e garantindo a continuidade da atividade agrícola mesmo sob severos choques. Isso fortalece toda a cadeia produtiva, pois bancos mantêm a confiança para conceder crédito, fornecedores evitam calotes e o sistema de comercialização permanece funcional (Skees et al., 2016).

Além disso, outra força do modelo dos EUA é a flexibilidade adaptativa dos produtores e do mercado de seguros. Com efeito, há ampla oferta de produtos para culturas diversificadas; assim, desde amendoim na Geórgia até maçãs em Washington, os agricultores podem migrar para culturas e variedades mais adequadas às mudanças climáticas, mantendo, dessa forma, a cobertura seguradora. A base de dados climatológicos e históricos de rendimento usada nas tarifações é atualizada frequentemente, permitindo que prêmios refletem mudanças na frequência e severidade dos riscos (Vedenov & Barnett, 2004). Isso gera sinais econômicos importantes, regiões com maior exposição a secas severas têm prêmios mais altos, incentivando ajustes estratégicos pelos produtores.

No entanto, existem pontos fracos e dilemas importantes a serem enfrentados. O principal deles é o crescente custo fiscal associado ao programa de seguro agrícola em um cenário de mudanças climáticas. Projeções do próprio USDA indicam que, sob cenários de altas emissões de gases de efeito estufa, o custo médio do programa nos Estados Unidos pode aumentar em cerca de 22% até 2080, mesmo considerando algum nível de adaptação dos produtores, e pode ser significativamente maior caso essa adaptação não ocorra (USDA, 2023). Esse aumento resulta da combinação entre maiores perdas esperadas devido à maior volatilidade climática e preços agrícolas potencialmente mais elevados. De fato, quebras generalizadas elevaram as cotações no mercado, o que, por sua vez, eleva o valor das indenizações pagas. Como consequência, o governo americano terá que desembolsar quantias cada vez maiores e, assim, pressionar fortemente o orçamento público.

No Congresso dos EUA, já são discutidas medidas para conter esses gastos, como a redução dos subsídios destinados a grandes produtores ou o corte de coberturas consideradas marginais. No entanto, qualquer alteração enfrenta forte resistência política, dada a relevância do setor agrícola e o impacto socioeconômico das mudanças.

Outro ponto crítico é o potencial efeito desestimulador que o seguro agrícola subsidiado pode causar sobre a adaptação climática. Críticas ambientais apontam que o seguro, ao proteger contra perdas, pode inadvertidamente “congelar” práticas agrícolas convencionais e incentivar a expansão da fronteira agrícola em áreas ecologicamente frágeis ou sujeitas a riscos elevados. Por exemplo, cultivos em regiões com inundações recorrentes ou solos degradados podem persistir porque o seguro cobre repetidas perdas, em vez de incentivar os produtores a modificar suas atividades ou adotar medidas de mitigação. Além disso, como já mencionado, as regras atuais de “boas práticas” do seguro nem sempre reconhecem técnicas agroecológicas inovadoras, como plantio consorciado ou sistemas agroflorestais, por receio de impactos na produtividade, o que pode dificultar a transição para sistemas mais resilientes e sustentáveis.

Esse dilema fundamental, como alinhar o seguro agrícola a objetivos de adaptação climática, tem impulsionado iniciativas emergentes. A Risk Management Agency (RMA) tem financiado pesquisas para incorporar cultivos de cobertura (cover crops) sem prejudicar a elegibilidade dos produtores e têm analisado evidências que indicam que práticas como rotação de culturas podem reduzir a sinistralidade ao longo do tempo (USDA-RMA, 2021). Ajustes finos nas políticas, como oferecer descontos nos prêmios para produtores que adotem medidas comprovadas de redução de riscos (exemplo: irrigação eficiente, silvicultura agrícola), estão em debate, mas demandam mudanças regulatórias e investimentos em pesquisa e desenvolvimento.

Assim, enquanto o Brasil enfrenta o desafio primordial de ampliar e massificar a cobertura do seguro rural em um contexto de mudanças climáticas, os Estados Unidos enfrentam o desafio de manter um programa de seguro já massivo que seja ao mesmo tempo financeiramente sustentável e capaz de incentivar práticas agrícolas adaptativas e sustentáveis. Ambos os países, porém, compartilham a necessidade premente de inovar e evoluir seus sistemas de seguro agrícola para responder aos novos riscos climáticos.

A cooperação internacional nesse campo pode ser extremamente valiosa: o Brasil pode se beneficiar da expertise atuarial e do design avançado de produtos dos EUA, enquanto os EUA podem aprender com instrumentos brasileiros como o ZARC e com as experiências em agricultura tropical adaptativa. Para ambos, a intensificação dos extremos climáticos representa um claro chamado à ação para fortalecer a resiliência climática por meio do seguro agrícola e de políticas complementares, tais como irrigação, melhoramento genético e reservas financeiras específicas para desastres.

Conclusão

As recentes mudanças no seguro agrícola brasileiro, ocorridas em 2024, acontecem em um contexto crítico: de um lado, a necessidade de ajuste fiscal e eficiência administrativa; de outro, a crescente pressão dos riscos climáticos e a demanda do setor agropecuário por maior proteção. As reformulações do PSR e do Proagro refletem o esforço governamental para modernizar a política de gestão de riscos, corrigindo deficiências, como a falta de previsibilidade orçamentária e episódios de fraude, e direcionando os recursos escassos aos produtores que mais necessitam. No curto prazo, entretanto, essas alterações geraram efeitos colaterais indesejados, como redução da área segurada, produtores desassistidos e atritos entre governo e lideranças do agronegócio. Os impactos negativos sobre produtores, seguradoras e crédito rural tornaram-se evidentes, reforçando o consenso de que o seguro rural não é um gasto supérfluo, mas um investimento essencial para a estabilidade da agricultura.

Ao comparar o sistema brasileiro com o dos Estados Unidos, fica claro que o Brasil ainda está longe de alcançar um patamar ideal de cobertura e integração do seguro à política agrícola. O modelo norte-americano demonstra como um seguro amplo pode ser pilar fundamental para a sustentação do setor em anos difíceis, mas também evidencia o alto custo envolvido e a importância de calibrar incentivos. Assim, o Brasil terá que encontrar seu próprio equilíbrio, aprendendo com as melhores práticas internacionais e, ao mesmo tempo, adaptando-as à realidade local e orçamentária.

Além disso, iniciativas legislativas como o PL 2951/2024 indicam a existência de uma vontade política de construir um modelo brasileiro de seguro rural mais robusto, perene e inclusivo. Nesse sentido, é possível que o país venha a combinar elementos públicos (como fundo de catástrofe e subvenção estratégica) e privados (como mercado de resseguro e bancos cooperativos), a fim de ampliar a proteção sem, contudo, comprometer a responsabilidade fiscal.

Do ponto de vista científico e técnico, diversos estudos sustentam a importância de fortalecer o seguro rural no Brasil: ele não apenas protege agricultores individualmente, mas também gera externalidades positivas para toda a economia agrícola e reduz a necessidade de intervenções emergenciais onerosas. As pesquisas indicam ainda caminhos de inovação, como novos tipos de apólices (seguro de receita, índices paramétricos) e o uso de tecnologias (dados de satélite, inteligência artificial) para ampliar o alcance e a eficiência do seguro rural. Frente às mudanças climáticas em curso, nenhum dos sistemas, brasileiro ou americano, pode se dar ao luxo de estagnar. A adaptabilidade será fundamental: governos precisarão ajustar orçamentos e regras conforme os riscos evoluem; seguradoras deverão desenvolver produtos mais customizados e resilientes; produtores terão que adotar práticas que minimizem perdas e atuar em conjunto com programas de seguro e crédito.

Em conclusão, as mudanças de 2024 no seguro agrícola brasileiro representam tanto um alerta quanto uma oportunidade. Um alerta de que, sem aperfeiçoamentos urgentes, o país pode regredir em proteção agrícola justamente quando mais precisa dela. O exemplo norte-americano demonstra que é possível atingir alta cobertura, mas a um custo que deve ser considerado e otimizado. A oportunidade reside em repensar estrategicamente a política de seguro rural: alocar recursos de forma mais inteligente (priorizando regiões e culturas críticas), envolver todos os elos da cadeia na gestão do risco (cooperativas, bancos, governo, seguradoras e produtores) e incorporar o conhecimento científico disponível para antecipar os desafios climáticos.

Somente com um seguro rural sólido, aliado a outras medidas de adaptação, o Brasil poderá manter sua condição de potência agrícola sustentável nas próximas décadas, garantindo segurança alimentar e renda mesmo diante da volatilidade imposta pelas mudanças climáticas. Em suma, seguro rural eficaz é sinônimo de agro resiliente, e construir isso é uma tarefa coletiva e inadiável, embasada em dados, ciência e boa governança.

Referências Bibliográficas

ARBEX, P. M.; OZAKI, V. A.; MARQUES, P. E. Viabilidade de seguro de margem bruta para soja e milho no Brasil: uma abordagem de cópulas e simulações de Monte Carlo. Revista Brasileira de Economia, v. 75, n. 3, p. 281–301, 2021.

BANCO CENTRAL DO BRASIL. Relatório de Política Monetária. Brasília, 2024.

BARBOSA, L. M.; SOUZA, P. M. Seguro rural como ferramenta de gestão de risco: desafios e oportunidades no Brasil. Revista de Economia e Sociologia Rural, v. 58, n. 1, p. 135–152, 2020.

CARRER, M. J.; SOUZA, M. T.; OZAKI, V. A. Fatores que afetam a adoção do seguro rural no estado de São Paulo: uma análise econométrica com dados de painel. Revista de Economia e Sociologia Rural, v. 57, n. 1, p. 31–50, 2019.

CLAASSEN, R. et al. Environmental Compliance in U.S. Agricultural Policy: Past Performance and Future Potential. USDA Economic Research Report No. 832, 2016.

CONAB – Companhia Nacional de Abastecimento. Painel de Monitoramento do Seguro Rural. Brasília, DF, 2024. Disponível em: https://www.conab.gov.br. Acesso em: maio 2025.

CONAB – Companhia Nacional de Abastecimento. Relatório de Mercado Agrícola. Brasília, DF, 2024.

CONFEDERAÇÃO DA AGRICULTURA E PECUÁRIA DO BRASIL (CNA). Indicadores do Seguro Rural. Brasília, 2023. Disponível em: https://cna.org.br. Acesso em: maio 2025.

CONFEDERAÇÃO DA AGRICULTURA E PECUÁRIA DO BRASIL (CNA). Painel do Seguro Rural. Brasília, 2023. Disponível em: https://cnabrasil.org.br. Acesso em: maio 2025.

CONFEDERAÇÃO DA AGRICULTURA E PECUÁRIA DO BRASIL (CNA). Panorama do Seguro Rural no Brasil. Brasília, 2023. Disponível em: https://www.cnabrasil.org.br.

CONFEDERAÇÃO DA AGRICULTURA E PECUÁRIA DO BRASIL (CNA). Posicionamento sobre alterações no Proagro e PSR. Brasília, 2024.

CONFEDERAÇÃO DA AGRICULTURA E PECUÁRIA DO BRASIL (CNA). Relatório de Impactos da Redução do PSR. Brasília, 2024.

CONSELHO MONETÁRIO NACIONAL (CMN). Resolução nº XX, de abril de 2024. Disponível em: https://www.bcb.gov.br. Acesso em: junho 2025.

CUNHA, A. et al. Zoneamento agrícola de risco climático no Brasil: avanços e desafios. Revista Brasileira de Meteorologia, v. 33, n. 4, p. 473-485, 2018.

DIFFENBAUGH, N. S.; HERTEL, T. W.; SCHERER, M.; VERMA, M. Anthropogenic warming has increased drought risk in California. Proceedings of the National Academy of Sciences, v. 114, n. 15, p. 3931–3936, 2017. https://doi.org/10.1073/pnas.1701353114

EMBRAPA – Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária. Guimarães, T. A. Impactos das mudanças climáticas no seguro agrícola no Brasil. Revista Embrapa Clima Temperado, Pelotas, v. 15, n. 3, 2019.

EMBRAPA. Relatório Técnico sobre Impactos Climáticos na Agricultura Brasileira, 2024. Disponível em: https://www.embrapa.br.

EMBRAPA. Zoneamento Agrícola de Risco Climático (ZARC) – fundamentos e aplicações. Embrapa Informações Técnicas, 2018.

EMBRAPA. Zoneamento Agrícola de Risco Climático (ZARC): metodologia e aplicações. Brasília, 2021.

FUNDACÃO DE ECONOMIA E ESTATÍSTICA DO PARANÁ (Fazenda Paraná). Estatísticas do Seguro Rural no Estado do Paraná, 2024.

FGV Agro – Centro de Estudos do Agronegócio. Seguro Rural no Brasil: por que é importante, situação atual e como ampliá-lo? Relatório, dez. 2023. Disponível em: https://portal.fgv.br

GASQUES, J. G. et al. Política agrícola no Brasil: evolução e desafios. IPEA Texto para Discussão n. 2884, 2023.

GIZ – Deutsche Gesellschaft für Internationale Zusammenarbeit. Seguros agrícolas paramétricos no Brasil: oportunidades e desafios. Brasília, 2021.

GLAUBER, J. W. Crop Insurance Reconsidered. American Journal of Agricultural Economics, v. 86, n. 5, p. 1179–1195, 2004.

GLAUBER, J. W. The Growth of the Federal Crop Insurance Program, 1990–2011. American Journal of Agricultural Economics, v. 95, n. 2, p. 482–488, 2013.

HUFFMAN, W. E.; JUST, R. E. Agricultural Insurance in the United States: Where We Are and Future Directions. Annual Review of Resource Economics, v. 12, p. 241–262, 2020.

INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATÍSTICA (IBGE). Levantamento das Condições Agrícolas 2023/24. Rio de Janeiro, 2024.

INSTITUTO DE PESQUISA ECONÔMICA APLICADA (IPEA). Análise Econômica do Seguro Rural no Brasil, 2023.

LIBERA, A. A.; OLIVEIRA, S. R. M.; ASSIS, J. G. A. Seguro de seca para milho: estudo de caso no Oeste da Bahia. Circular Técnica 193, Embrapa Informática Agropecuária, 2017.

MAPA – Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento. Painel do Seguro Rural. Brasília, 2023. Disponível em: https://www.gov.br/agricultura/pt-br/assuntos/riscos-seguro/seguro-rural. Acesso em: maio 2025.

MAPA – Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento. Plano Agrícola e Pecuário 2023/2024. Brasília, 2024. Disponível em: https://www.gov.br/agricultura

MAPA – Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento. Projeto de Lei 2951/2024 – Reativação do Fundo de Estabilidade do Seguro Rural. Brasília, 2024.

MAPA – Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento. Zoneamento Agrícola de Risco Climático – ZARC. Brasília, 2024. Disponível em: https://www.gov.br/agricultura. Acesso em: junho 2025.

MONTEIRO, F. N.; VILELA, D. M.; RAMOS, F. M. Seguro Rural no Brasil: limitações e caminhos para expansão. Revista de Política Agrícola, v. 30, n. 3, p. 5-17, 2021.

OZAKI, V. A.; ARBEX, P. M.; FAVA, M. H. Avaliação de modelos probabilísticos multivariados para precificação de seguros agrícolas de receita. Revista de Política Agrícola, v. 29, n. 2, p. 24–39, 2020.

PIMENTA, L. Do Proagro ao Seguro Rural: evolução da política de gestão de riscos no Brasil. Dissertação (Mestrado) – Universidade Federal de Goiás, 2020.

REZENDE, R. P. A subvenção ao prêmio do seguro rural no Brasil: análise de sua eficácia e propostas de aperfeiçoamento. Texto para Discussão Ipea, n. 2785, 2022.

REZENDE, R. P. Avaliação das mudanças recentes no Proagro: impactos e perspectivas. Revista de Política Agrícola, v. 31, n. 1, p. 45-60, 2024.

ROCHA, M. A. R. et al. Uso de Cópulas na Precificação de Seguros Agrícolas no Brasil. Revista Brasileira de Economia e Sociologia Rural, v. 59, n. 3, p. 543–567, 2021.

SILVA, R. M. da et al. Práticas agrícolas conservacionistas e resiliência climática. Ciência Rural, v. 50, n. 1, 2020.

SKEES, J. R. et al. Agricultural insurance and risk management. Annual Review of Resource Economics, v. 8, p. 163-183, 2016.

VEDENOV, D. V.; BARNETT, B. J. Efficiency of multi-peril crop insurance: evidence from the US. American Journal of Agricultural Economics, v. 86, n. 3, p. 703-715, 2004.

WOODARD, J. D.; PAULSON, N. D.; SCHNITKEY, G. D. Sustainability and Federal Crop Insurance: Incentivizing Conservation Practices. University of Illinois at Urbana-Champaign, 2019.WRIGHT, B. D.; HEWITT, J. A. All-Risk Crop Insurance: Lessons from the Past. Journal of Agricultural Economics, v. 45, n. 2, p. 235–245, 1994.

DEIXE UMA RESPOSTA

Por favor digite seu comentário!
Por favor, digite seu nome aqui

Leia mais

Patrocínio