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quinta-feira, 31 de julho de 2025

Manhã de um eclipse digital: tateando no escuro

Perdi muito tempo nesse dia rolando a tela incessantemente. Uma manhã de segunda-feira perdida. Poderia estar fazendo algo melhor, mas preferi movimentar a película do celular para baixo sem me cansar. Passou-se 1h, 2h, 3h e chegou a hora de trabalhar. Se estivesse lendo Rubem Braga, Nelson Rodrigues, Carlos Drummond de Andrade ou qualquer coisa, seja a mais banal, não teria o tempo perdido de minha manhã. Ele é precioso demais para ser perdido e não vivido em cada segundo. Eu, no entanto, o deixei escapar de minhas mãos. Ele fugiu de mim – na verdade, eu que o deixei escapar não tomando conta dele. 

Meu dia se iniciou dessa forma: de manhã, bem cedo, pegando o telefone. Maldito vício, pior que o do fumante que acorda e, logo cedo, necessita de uma tragada. Preciso de luz, não a natural do sol fresco da manhã, mas a da tela do celular. Uma luz que não ilumina e aquece confortavelmente pela manhã, mas que nos cega – e me cegou durante esse tempo, pois somente enxergava os vídeos das redes sociais e mais nada do que estava acontecendo em minha volta.  

Apesar da luminosidade, eu não via o que estava ao meu redor. Tateava no escuro. Mesmo quando fizeram o café e eu nem me dei conta: não senti o aroma da cafeína. Estava entretido demais com uns vídeos sem graça, uns mais engraçados, uns mais trágicos e outros mais banais – na verdade, todos carregam uma banalidade consigo.  

Não dou risada com nenhum deles, daquelas que faz a nossa barriga doer e nossos olhos se encherem de lágrimas. Preciso apenas vê-los, sem rir, e rolar a tela sem parar com o fim de alimentar minha mente com essas frutas podres – que saem das entranhas da internet muito rápido e precisam ser consumidas com igual rapidez, pois apodrecem demasiadamente rápido e digeri-las depois pode causar mal-estar para o cérebro. Este apodrece, ficando deteriorado com o tempo perdido no mundo virtual.  

Por pouco tempo, em questão de minutos que se transformam em horas, vou apodrecendo: sinto meus neurônios queimarem, um cheiro de queimado mental. Esse podre não tem odor, não tem aparência de pútrido, mas é possível enxergar e sentir a podridão. Como um adiccto, correndo atrás da dopamina, hormônio prazeroso que altera a minha cachola, e preciso de mais, mais e cada vez mais, porque o pouco de antes não é o suficiente. 

Pode ser que você, seus pais, seus familiares, seus amigos, seus colegas, seus conhecidos e não sei quem mais tenham o mesmo problema: a perda do escasso tempo – seja da forma que descrevi a minha manhã de segunda ou de outra maneira. Os longos anos passam num piscar de olhos que não vemos, porque as pálpebras, num rápido movimento involuntário, não conseguem acompanhar a velocidade temporal. Os olhos são como a tartaruga (daquela fábula de Esopo, bem antiga, mas que aqui será de bom grado citá-la), só chegam mais tarde: antes tarde do que nunca.  

Portanto, nós não enxergamos nitidamente, apenas de maneira turva – como um míope sem seus óculos. As lentes são necessárias aos que têm problema de visão (astigmatismo, miopia ou qualquer outro, pois não sou oftalmologista, sou cronista). Isso tem a ver com as telas – da televisão, do telefone e do computador? Dizem que fazem mal às vistas. Os médicos têm razão: essas coisas nos deixam cegos, de um prazer cegante, que não nos faz enxergar além do horizonte – como a bela vista do mar num passeio a Búzios, Cabo Frio ou Angra dos Reis que não vemos plenamente, porque nos encontramos entretidos demais a observar as banalidades em nossos pequenos aparelhos. 

Eu aqui, na tela do computador, escrevendo a respeito do meu dia perdido de segunda-feira. Não que você, leitor, se importe muito com isso, mas eu preciso falar. Melhor: escrever. Pode ser que no fundo você ouça o que eu tenho a dizer. Talvez, pois deve estar como eu no início de seu dia, que será longo e fastidioso: mexendo em seu aparelho, navegando nas ondas das redes sociais como um surfista experiente, sentindo a brisa digital ventando em sua face e a luz artificial da pequena tela que, como o sol, dá vida e cor ao mundo virtual. Contudo, o mundo real se torna obscuro – tendo nós que tatearmos nesse eclipse que o mundo virtual cobriu. 

Erick Labanca Garcia
Erick Labanca
Graduando em Direito, estagiário da Defensoria Pública de Minas Gerais e escritor independente de crônicas.

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