No século XX, as usinas chegaram no Brasil. Demoraram a desbravar o interior do país, assim como os portugueses que aqui, em 1500, chegaram com os pés na porta à mata atlântica. Os indígenas ficaram por longos anos quietos e solitários, mas os portugueses vieram incomodá-los. De forma semelhante foi a grande indústria no Brasil, com enfoque nas pequenas cidades mineiras – em uma específica que aqui falo – da zona rural.
A cidade começou com pouca gente. Foi uma casinha aqui, uma acolá, a quilômetros de distância uma da outra. Era o início de uma jornada – da vida interiorana. O movimento vital era escasso lá, não pulsava como numa cidade grande semelhante a Juiz de Fora. É igual a uma família que se inicia com duas pessoas – um homem e uma mulher – e, aos poucos, vai nascendo uma pessoa, duas, três e vão somando. As famílias vão se encontrando e formando comunidades, multiplicando-se: os bairros surgem e depois a cidade cresce. Tornou-se um povoado, apesar de pacato, com uma vida simples pulsando de seu interior. Todas as famílias se conhecem: a família dos Tavares, a dos Andrade e a família dos Silva – esmagadora maioria. Há feirinhas aqui – que vendem frutas, verduras, legumes e hortaliças; comércios varejistas e sítios de pequeno porte.
Vamos aos costumes. Eles também pacatos, por exemplo: o tempo era determinado pelo sino da igreja da pequena praça no centro urbano; o horário limite para o descanso da cidade era às 18h, em que todos iam dormir; o pessoal fumava cigarro de palha, com fumo orgânico e palhas de milho retiradas diretamente do campo. Tudo era mais lento e o tempo aparentava estar congelado, apesar do clima árido. Esses eram os costumes do pequeno centro urbano e rural mineiro.
No entanto, chegou a usina. Ela veio de fora do país – da Europa e dos Estados Unidos – e viu uma oportunidade de se hospedar como um vírus e de se alimentar da vida saudável ali existente. Penetrou, em um primeiro momento, economicamente. Gerou muitos empregos e algumas famílias de fora, renomeadas e conhecidas pelo Brasil afora, vieram como hóspedes virais. Os Smith, uma delas, de grandes industriários que falavam “Good Morning” e “Good Afternoon”. Eram minoria, é verdade. Elas foram, todavia, o epicentro da epidemia que tomou o povoado.
Enfim, a usina, após a dominação econômica, toma – de pouco a pouco – o corpo social. Os costumes se alteraram: o tempo se tornou mais rápido, não mais determinado pelo sino da igreja, mas pelo sinal da fábrica; a energia elétrica chegou, sendo o horário limite para o repouso noturno mais tarde que 18h; os cigarros, agora, são industrializados, vêm em maços e não são mais retirados diretamente da Mãe Gaia.
A pacata cidade já não faz jus ao nome que lhe dei inicialmente. No momento em que descrevo ela nessa crônica, ela continua sendo menor que as outras em estatura, mas movimentada demasiadamente em seu espírito. O movimento do interior é como a água fervendo, que se iniciou em temperatura ambiente e buliu com o fogo – pois colocaram lenha na fogueira. O tempo não para mais, assim como a vida do povo que nela reside. A usina cumpriu bem o seu papel: um vírus que adentrou o povoado e de grão em grão, como as galinhas criadas nas roças do local foram enchendo o papo. Os portugueses colonizaram as terras brasileiras e os gringos a cidadezinha mineira.