Tem gente que adora irritar os outros. São verdadeiros chatos profissionais. Antes do celular com identificador de chamada, muita gente foi vítima de chatos do tipo:
- Elisângelo?
- Ele mesmo. Quem fala?
- Ah, vá! Não me diga que não reconhece minha voz?
- Não reconheci, desculpe. Quem fala?
- Faz uma forcinha. Tenta advinhar.
- Não adianta. Desisto!
- Pô, Elisângelo. É o Malasartes, o arquiteto que decorou seu escritório.
O Malasartes também já se lascou. Um dia, a esposa xeretou o celular dele, analógico, bem antigo, daqueles que o dono gravava na Caixa Postal: “No momento não posso atender. Deixe seu nome e número de telefone e eu ligo assim que puder”. Já teve um desses? Pois é, o recado que a esposa ouviu dizia: “Oi, é a Mônica. Me liga, tá! Beijo”.
- Pilar Malasartes! Quem é essa tal de Mônica?
- Não conheço nenhuma Mônica.
- Ah, é? E esse “Me liga, tá. Beijo”. Pensa que eu sou trouxa?
Malasartes não conhecia nenhuma Mônica. A voz era marcante, grave, sensual, melodiosa e a bandida não deixou o número do telefone! Com certeza era engano, mas poderia ser algo promissor. Sobrou para o arquiteto!
Também tem a pessoa que acha que te conhece, mas não se lembra de onde ou o que têm em comum. No salão do Bufê, pouco antes do casamento civil começar, um homem cumprimenta com um aceno alguém que se senta ao seu lado. Em vez de apenas retribuir o gesto, ele estende a mão e diz:
- Olá! Como tem passado?
- Bem, obrigado.
- Não se lembra de mim? Doutor Jacó Goldenstein, médico. Você é o…?
- Doutor Elisângelo Rosa, Advogado. Creio que não nos conhecemos.
- Você não me é estranho. Acho que tirei suas amígdalas.
- Não, doutor. Eu ainda as tenho.
- Lembrei! Tirei seu apêndice, na Santa Casa de Jacarei.
- Não Mesmo. Eu morava no exterior quando eu tirei o apêndice.
- Já sei. Você não namorou a Ritinha Habeas Corpus, uma advogada loira fatal?
- Sim. Fomos noivos. Quase nos casamos. Por que?
- Sabia que eu tinha tirado alguma coisa de você! KKK.
- Ah. Agora eu me lembro. Como está a Ritinha?
- Ela se especializou em Direito de Família e fez a tese de doutorado em cima do nosso divórcio litigioso. Me ferrei todo!
- Mazal Tov!
O casamento unia Eva Dias, bailarina de Cabaré e Bruno Oscar, o B. O. – estelionatário especializado em pirâmides financeiras, ambos clientes dos doutores Elisângelo, Criminalista, Jacó, Cardiologista e Pilar Malasartes, arquiteto que reformou da residência do casal.
A cerimonialista colocou os três casais na mesma mesa, mas os homens foram desacompanhados. A União Instável entre a periguete e o golpista não animou as esposas, que preferiram ficar em casa assistindo o Big Brother. No início, só com os três homens na mesa, foi constrangedor, mas após dois whiskies cada um, a conversa fluiu.
- A noiva tem 32 anos e o noivo 67. Baita diferença! – disse o advogado.
- Mas ela está com a fachada impecável – falou o arquiteto. Apesar de estelionatário, dizem que o noivo é pessoa de valores e princípios.
- Só se forem valores no banco e princípios de infarto – concluiu o médico.
O whisky single malte contrabandeado corria solto e a conversa também. Antigos ressentimentos foram esquecidos, até que Malasartes lembrou que naquela noite uniam-se em matrimônio as duas profissões mais antigas do mundo, prostituta e ladrão.
- Discordo, arquiteto – disse doutor Jacó. A profissão mais antiga é a de médico. Quem cicatrizou a costela de Adão e fez os partos de Eva?
- Lamento, doutor, mas a profissão mais antiga é a minha. Para que existissem Eva, Adão, paraíso, médicos, primeiro foi preciso que o Grande Arquiteto criasse o universo. Antes disso, tudo era caos!
- E quem vocês acham que criou o caos? – perguntou o advogado.
Ninguém sabe como a discussão terminou. Convidados embriagados causaram tumulto quando a noiva se preparava para jogar o buquê de rosas colombianas entrelaçadas por um cordão de ouro e dúzias de periguetes se empurravam para disputar o arranjo. Os fotógrafos se posicionaram, o maitre trouxe o buquê numa bandeja de prata, a noiva pegou o arranjo e gritou: roubaram o cordão de ouro!
A briga foi feia. Felizmente as armas de fogo tinham sido recolhidas, mas sobraram as facas, que além de silenciosas, nunca ficam sem munição. Enquanto quebrava o pau, cadeiras voavam, braços quebravam, sangue jorrava, o arquiteto, o médico e o advogado saíram de fininho, direto para o Cabaré. Não queriam trabalhar naquela noite, nem chegar em casa cedo sem avisar. Vai saber!
A discussão a respeito da profissão mais antiga foi demais kkkkk.
Brilhante, Laércio.