Júlia trabalhava há mais de cinco anos na área técnica de uma empresa privada e, no auge dos seus trinta anos, não ganhava nada mal para a função que exercia, mas era indisciplinada, financeiramente falando. Por mais que tentasse se organizar, se via num mundo de gastos que não tinha fim e que não a deixava dormir.
As noites intranquilas eram corriqueiras e, algumas vezes, Júlia acordava sobressaltada pensando no quanto devia, principalmente às pessoas próximas.
Até completar vinte e cinco anos, tudo corria na mais perfeita ordem, até que foi apresentada aos jogos de azar. Nos primeiros contatos que teve, deu uma sorte tremenda e embolsou quase dez vezes mais do que recebia mensalmente. Aquilo a deixou excitada demais e o vício passou a fazer parte do seu cotidiano fazendo ela viver uma roleta russa sem fim, um verdadeiro looping, e ela não conseguiu sair mais daquela condição em que se meteu.
Seu marido repassava à ela o dinheiro das prestações da casa em que moravam e não tinha noção de que Júlia desviava os valores recebidos dele para suas jogatinas. E não parava por aí: pegando empréstimos com bancos, agiotas, amigos, familiares, Júlia alimentava seu vício que só aumentava à medida em que chegava dezoito horas, momento em que saía do trabalho. Seu carro não fazia curva, ia direto para aquela casa de jogos. Nos momentos em que se via ganhando, não parava e quando perdia, pensava: “Vou tentar pela última vez!”, confiante de que teria sucesso na próxima cartada, mas essa última vez nunca chegava e ela perdia mais do que imaginava numa noite.
Quando perdia, saía daquela casa de jogos com raiva de si mesma por ter apostado errado e com a sensação de que poderia ter dado certo. O seu freio era a falta de dinheiro nas noites que se aventurava a jogar, não fosse isso, ela jogaria sem colocar nenhum limite.
Sempre com a desculpa de estar fazendo horas extras, Júlia se desvencilhava das ligações do marido, sempre dando desculpas de que estava muito ocupada para atendê-lo e ele, sempre muito compreensivo, evitava ligar para ela.
Com ressaca moral, acordava para ir trabalhar e limitava-se a falar com alguns pares que não tinham emprestado dinheiro para ela. Os que haviam emprestado, ela mal cumprimentava por medo deles a cobrarem. Seus familiares foram limitados a duas primas apenas que mantinha contato; os demais, aos quais ela devia, haviam sido bloqueados por ela porque não conseguiu pagá-los conforme prometido. E assim sua vida foi virando uma verdadeira bola de neve.
Até que certa manhã, recebeu a ligação de um oficial de justiça ordenando a sua saída de sua casa em até uma semana, uma vez que sua propriedade tinha ido a leilão por falta de pagamento.
Naquela manhã, sua mente não aguentou mais tanta pressão psicológica e Júlia se viu no chão de sua casa aérea olhando para teto sem vontade de sair dali, sem rumo e completamente perdida. Ali ela ficou por horas a fio e desejou voltar ao primeiro dia que recebeu o convite para entrar naquela casa de jogos e dizer não, mas era tarde para arrependimentos. Sua compulsividade a levou para um caminho sem volta e ela não conseguia ver saída para aquele problema que ela havia criado.
Sentada naquele chão frio, Júlia entendeu o verdadeiro significado da palavra derrota. Ela era a protagonista pelo declínio de sua família e desejou encurtar o sofrimento quando olhou para a caixa de remédios. Ao se arrastar até a bancada onde estava a caixa de remédios, Júlia recuou. Buscou as últimas forças que tinha e fez uma carta de despedida para o marido e quando se viu estava na rodoviária estadual pegando o primeiro ônibus para outro Estado.
Olhando pela janela do ônibus, Júlia pensou novamente nos remédios que não havia tomado e pensou no quanto errou e queria fazer diferente, mas em outro lugar.
Fugindo da sua realidade que virou um pesadelo, se deu a oportunidade de viver sozinha e recomeçar em outro lugar, mas o que ela não contava era que tinha que lidar com o seu maior inimigo: ela mesma.
Autora:
Patricia Lopes dos Santos