“Em nome do Pai, do Filho e do Espírito Santo. Amém”.
Assim começava todo santo dia de Marília ao se levantar da cama, mesmo acompanhada pelas fortes dores no corpo.
Sua fé inabalável não batia em retirada frente aos desafios diários da vida e ela sempre, por mais que sentisse dores em todo o seu corpo, não se intimidava e sempre acordava com um sorriso de canto a canto da boca ao imaginar que estava sendo permitido ter mais um dia de vida.
Faltava-lhe saúde, uma vez que a artrose e as “oses” da vida a pegou de jeito, mas ela lutava o quanto podia para se desvencilhar da sentença que havia recebido dos médicos e todo santo dia acreditava que a cada novo amanhecer seria um dia com menos infortúnios.
Pensando em seus setenta e oito anos bem vividos, julgou-se merecedora de mais vinte anos pela frente e ia fazer de tudo para vivê-los com muita intensidade, mesmo sabendo que ela teria que fazer mais esforço para que isso pudesse acontecer.
Tomando café naquela manhã, Marília sentiu que o dia seria promissor e ela acreditou piamente naquilo. O gosto amargo do café foi reduzido com uma rosquinha caramelizada que ela tanto amava e sentiu que o dia não poderia ter começado melhor. Por alguns instantes, lamentou-se profundamente por ter a solidão como companhia, uma vez que tinha sido abandonada por seus filhos há alguns anos por eles terem se cansado de ouvir suas lamúrias ou de estarem sempre de hospital em hospital com ela. Mas, ela não deixou a peteca cair e reestruturou-se novamente para enfrentar os desafios que a vida havia lhe imposto, mesmo estando sozinha.
Percebendo que as reclamações diárias que fizera tinha sido o motivo de seus filhos se afastarem dela, se repaginou colocando o otimismo e a gratidão sempre à frente de sua vida e, a partir de então, independente do que acontecesse no dia, ela sempre tentava ver o lado bom da vida. Mas, isso levou alguns anos para acontecer. Foi um caminho árduo para colocar em prática o otimismo frente ao seu cenário tão doloroso.
Ao tomar seu banho quente demorado, ela vibrou com a sensação de que, mesmo com limitações do seu corpo, poderia ter um dia incrível, onde ela teria oportunidades de fazer acontecer tudo diferente do dia anterior.
Olhando para a água que caía sobre seu corpo, ela quis perpetuar aquela sensação de bem estar e acreditou na magia da cura que a água do chuveiro proporcionava à ela enquanto tomava banho..
Arrumando-se, colocou seu estimado pijama e suas pantufas e foi organizar a casa, uma das coisas que ela mais gostava de fazer.
Desejando ter um dia alegre, mesmo estando sozinha, colocou uma música e, quando percebeu, estava no meio da sala dançando, com dificuldade, não se intimidando diante de suas limitações.
Marília sentiu que naquele dia que lhe foi dado de presente podia tudo e aproveitou cada instante como se não houvesse o amanhã.
Ao tomar suas medicações diárias, driblava as dores sentidas para tentar viver mais vinte e quatro horas como uma pessoa normal que não foi acometida pela dor.
Mesmo sabendo de suas limitações permanentes em relação ao seu corpo, Marília galgava para ter plenitude em seus dias. Ela não se importava em ter um dia arrastado, ela só queria viver e aproveitar cada segundo de sua vida, pois, em seu íntimo, sabia que sua saúde estava minando a cada alvorecer. E ela não estava enganada. A cada dia que surgia, ela tinha esperança de dias melhores, mas, nesse dia veio junto o ultimato de ser menos um dia para ela que, infelizmente, foi o último dia que ela sentiu dor e foi se juntar aos seus ancestrais.
Autora:
Patricia Lopes dos Santos