Quando deixei de idealizar minha mãe e a enxerguei como um ser humano, minha percepção de mundo mudou completamente. Antes, eu a via como uma figura quase divina, incapaz de errar, presa ao ideal das “super mães”. Julgava suas atitudes e repetia mentalmente: “Se fosse comigo, faria diferente” ou “Eu jamais faria isso!”. Mas, como diz Martha Medeiros na crônica Parentesco, salvo casos extremos, não devemos massacrá-las com expectativas sufocantes e inalcançáveis. Talvez eu realmente fizesse diferente, mas como seria minha percepção estando no lugar dela? Quando nos desprendemos da visão infantil e passamos a pensar pela perspectiva de que “a pessoa está fazendo o que pode”, como disse Fernanda Souza em uma entrevista, tudo muda — independentemente de ter sido justo ou não. Principalmente nossas expectativas, pois deixamos de enxergá-las como seres mitológicos e passamos a vê-las apenas como humanas.
Por que julgo tanto se desconheço a origem das dores e dos motivos dela? E se ela própria também não soubesse? Se soubesse, teria feito diferente as coisas que um dia considerei “absurdas para uma mãe”? Quando me revoltava com algumas atitudes dela ou com injustiças que permitiu para si e para mim, tentei mudar de perspectiva: “Mas, sinceramente, e se fosse eu?”. Talvez eu tivesse feito diferente, talvez tivesse sido mais corajosa… ou talvez nem tivesse coragem alguma.
Toda vez que minha mente começava a criticar atitudes que “eu não teria”, um pensamento me interrompia: e se eu tivesse passado pelas mesmas coisas que ela? Passei a considerar as dificuldades que enfrentou na idade em que eu também já estive. Pensei nas circunstâncias: financeiramente, psicologicamente, na criação que recebeu sem ter escolha. Ela teve que lidar com os desafios do mundo com muito mais filhos do que eu, uma carreira mais difícil, um casamento mais desgastante, em uma época ainda mais misógina. Quanto mais pensava, menos vontade tinha de julgar.
E a pergunta que fica: será que sempre fui um exemplo impecável para quem me ama? Ou será que já me defendi dizendo “eu sou humano e também erro” quando me cobraram algo?
Impossível não lembrar de O Mercador de Veneza, de Shakespeare: “Se vocês nos ferirem, não sangramos? Se nos fizerem cócegas, não rimos? Se nos envenenarem, não morremos?” Se mães são humanas, por que, depois que o filho nasce, a mulher precisa desaparecer para se tornar um ideal inalcançável?
Se abrace como mãe e lembre-se: sua mãe também precisa de um abraço.
Autora:
Khamylla Alves Loubak
Licenciada em Letras pela Universidade Federal do Rio de Janeiro Pós-graduada em Literatura Brasileira